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Precisamos democratizar, e não privatizar, os parques do Recife

Marco Zero Conteúdo / 15/12/2022

Vista aérea do Parque Dona Lindu, em Boa Viagem. Crédito: Luciano Ferreira/Prefeitura do Recife

Por Carol Vergolino*

Há horas olhando o papel em branco e pensando como começar esse texto sobre a privatização dos parques do Recife. Se essa absurda PPP é ruim porque estamos na capital mais desigual do país e vai criar ainda mais um fosso entre ricos e pobres; se é ruim porque estamos vivendo uma crise ambiental no mundo e o projeto não leva em conta o serviço ambiental dos parques; se é ruim porque a transação financeira é precária já que a empresa vencedora pode pagar apenas 25% do valor da outorga; se é absurdo porque mostra que a Prefeitura resolveu terceirizar o trabalho fim para que ela existe: manter e gerir uma cidade ou o racismo evidente já que três parques estão em bairros onde quase 70% das pessoas são brancas.

São quatro os parques da cidade que estão abertos para concessão pública de 30 anos: Jaqueira, Santana, Dona Lindu e Macaxeira. Funciona assim: uma empresa privada vai ganhar a licitação para pagar um valor anual à Prefeitura pelo aluguel dos parques e essa empresa será responsável pela manutenção e gestão desses espaços que são públicos. Não será cobrado ingresso para entrada nos parques, mas a empresa pode cobrar por eventos específicos, por espaços, por estacionamento e por venda de espaços publicitários.

O prefeito João Campos enviou à Câmara de Vereadores, em agosto de 2021, o PL 12/2021 que regulamentou a concessão dos parques e praças. A bancada de vereadores do Psol com Ivan Moraes e Dani Portela foi contra, tentou incidir com emendas, no entanto, o projeto passou como enviado pelo Executivo com ampla maioria.

São dois lotes – um para os parques da Jaqueira e Santana e outro para Dona Lindu e Macaxeira – para concessão durante 30 anos, cada lote a R$ 247 milhões e R$ 297 milhões, respectivamente. O detalhe é que se a empresa fizer eventos culturais, educativos e sociais gratuitos com estimativa de orçamento compatível, ela pode se isentar de pagar 75% da outorga. Não por acaso, esse ponto tão importante aparece lá no último item do documento apresentado em audiência pública na Câmara de Vereadores, com o título de Macrotemas. Veja que na apresentação eles nem explicam o que é nem a porcentagem que incide sobre o valor.

Durante a audiência pública, o secretário executivo de Parceria Estratégicas do Recife, Thiago Barros Ribeiro, foi bem tranquilo e explícito na defesa de que esse incentivo é ótimo, já que para a Prefeitura fazer eventos educacionais, culturais ou esportivos é bastante burocrático, então mais fácil a empresa fazer. Várias vezes ele explicou que a máquina pública é burocrática e a empresa privada conseguiria fazer mais facilmente.

Mas não é pra isso mesmo que se elege um prefeito? Para que ele zele pela cidade? É impressionante que o gestor repasse à iniciativa privada um espaço que é público, repasse o trabalho que ele é eleito para fazer. O argumento é que o espaço é “custoso” ao município, então vamos repassar a uma empresa privada para que ela lucre com o espaço. Por que a prefeitura não trabalha para fazer o espaço ao menos sustentável? Falta também transparência, não se sabe quanto custa a manutenção de cada parque, já que a rubrica no orçamento do município consta apenas como Zeladoria da cidade.

A agenda não deveria ser de privatização, mercantilização do espaço urbano e, sim, de democratização. Estamos falando da capital mais desigual do país. Uma cidade cheia de injustiças sociais, de fome, de desemprego e os parques funcionam (ainda) como espaços de acesso democrático. Independente de cor, classe e idade, hoje as pessoas podem fazer aniversário, dançar, se exercitar, trabalhar, contemplar ou apenas deitar no banco e respirar. No edital de licitação não fica explícito o que poderá ser feito pelo povo de forma gratuita. O fato é que a empresa vai poder cobrar por eventos, vai cobrar por aluguel de quiosques e fica nítido o interesse em “gourmetizar” os espaços. Me parece óbvio e inevitável que haja um processo de gentrificação.

O edital traz intervenções obrigatórias e outras variáveis para cada parque, todas precisam respeitar as leis que regem o município. Mas é curioso ver no texto que isso deve acontecer “sempre que possível e viável”. Acessibilidade e inclusão, sempre que possível e viável; as intervenções deverão diminuir o impacto sobre a fauna, sempre que possível e viável. Quem diz o que é possível e viável? E quando não for, as pessoas com deficiência não terão acesso? Estamos precisando garantir acessibilidade universal nas cidades. Essa deveria ser uma premissa obrigatória.

A Prefeitura defende que esse tipo de PPP é moderna, que vários parques do mundo funcionam dessa forma. É verdade que vários parques funcionam sim, mas são parques imensos, com área verde de dimensões significativas em relação a uma quadra típica urbana. Como o Ibirapuera, por exemplo que tem 150 ha, enquanto todos os quatro parques de Recife, somados, não chegam a 25 ha. Isso faz uma diferença enorme na utilização do espaço urbano, a comercialização desse espaço. A empresa pode cobrar pelo estacionamento, ela pode aumentar o espaço de estacionamento em detrimento da área verde do parque? Isso não fica nítido.

Aliás, no edital da Prefeitura, a área verde não é considerada o principal. O que cada parque demanda de necessidade ambiental para que possa ter predominância de elementos naturais. Será que precisamos de mais praças de alimentação ou de mais cobertura vegetal? É certo que os parques urbanos são importantes e potenciais espaços para mitigação das mudanças climáticas.

Por fim, é fundamental negritar o caráter racista dessa PPP. Os bairros das Graças, Poço da Panela e Boa Viagem têm, respectivamente, 75%, 69% e 66% de pessoas brancas, enquanto no Recife, como um todo, essa porcentagem é de 40%. Desde a concepção, o projeto é feito para excluir.

Nós queremos uma cidade solidária, democrática, uma cidade em que todas as pessoas possam usufruir plenamente do que ela pode oferecer, independente de cor, classe ou gênero. Modernidade é um parque sustentável, é um parque cada vez mais verde, onde todas, todos e todes possam viver. É na cidade que a vida se faz e nós queremos fazer dela a mais democrática possível.

* Codeputada estadual das Juntas Psol/PE

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