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A Secretaria Municipal de Saúde do Recife transferiu entre esta sexta e sábado os 13 moradores de duas residências terapêuticas que serão fechadas na cidade. A medida é considerada um retrocesso por grupos engajados na luta antimanicomial pelo papel desempenhado pelas residências na política de substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção integral à saúde mental. É a primeira vez que a rede de 52 residências, em expansão nos últimos anos, vai ser reduzida.
A transferência só está sendo possível porque a juíza Mariza Silva Borges, da 3a Vara da Fazenda Pública da Capital, aceitou os argumentos de economicidade e respeito à particularidade dos usuários, apresentados pela Prefeitura do Recife, e derrubou a decisão proferida por ela mesma no dia 7 de maio que suspendia a medida. O despacho foi dado na quarta-feira (22) e em menos de 48 horas a Secretaria Municipal começou a retirar os moradores das residências do Ipsep e da Ilha do Leite. Numa delas viviam quatro homens e três mulheres e, na outra, seis homens.
Os moradores são pessoas com transtorno mental que, tendo vivido longo período de internação hospitalar, perderam o vínculo familiar. Nas residências, eles e elas são reintegrados ao convívio social e passam a realizar tarefas cotidianas que lhes garantem a retomada de diferentes graus de autonomia sobre suas próprias vidas.
A transferência foi confirmada à reportagem da Marco Zero Conteúdo por meio de nota encaminhada pela Secretaria Municipal de Saúde.
Com a decisão judicial, a Secretaria de Saúde do Recife deu andamento, nesta sexta-feira (24), ao processo de mudança, que está seguindo com tranquilidade. Os moradores, que já vinham em processo de adaptação, estão sendo transferidos para residências terapêuticas na Imbiribeira, Bongi, Casa Amarela, Casa Forte, Iputinga, Engenho do Meio e Madalena. O processo vem sendo todo acompanhado pelos técnicos de referência, os Caps de referência e as coordenações clínicas das residências em que os usuários moravam.
Também em nota encaminhada à Marco Zero, o Movimento de Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades criticou a medida tomada pela Secretaria Municipal de Saúde.
O Movimento de Luta Antimanicomial “Libertando Subjetividades” considera que é grave o fechamento das residências terapêuticas em Recife. A Secretaria de Saúde, com tal medida, separou pessoas com vinculação entre si e as transferiu, contra sua própria vontade, para outras casas com as quais não têm nenhum tipo de relação. Vale salientar, que logo após a suspensão da decisão judicial de impedir o fechamento das residências terapêuticas, na sexta-feira passada, de imediato, executou a decisão, sem o devido diálogo, prestação de informações aos moradores e seus familiares, como também a trabalhadores de saúde mental. Sabe-se que quando as pessoas e os processos não são devidamente cuidados, produzem uma série de consequências para a vida. Tal postura, da forma como vem sendo conduzida, fere os princípios da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial. Nos hospitais, era habitual a mudança dos pacientes para diferentes pavilhões, produzindo sucessivas violências institucionais. Ao reproduzir este tipo de prática na RAPS, a Secretaria de Saúde inscreve na vida dessas pessoas mais uma violência.
Desde fevereiro que a Coordenação de Saúde Mental do Recife se organiza para transferir os usuários e fechar as duas residências, mas teve que adiar a medida por conta da reação contrária de gestores, técnicos e usuários. Neste período, várias organizações de luta antimanicomial e o Conselho Municipal de Saúde se posicionaram publicamente contrários à medida. A Coordenação também teve que prestar esclarecimentos em audiência pública na Câmara do Recife.
Reprogramada para 30 de abril, a transferência dos moradores foi novamente adiada por conta de acordo firmado com o Ministério Público do Estado, que encaminhou equipe própria para visitar e ouvir os moradores das duas residências. No dia 7 de maio, a juíza Mariza Silva Borges atendeu pedido de antecipação de tutela em ação civil movida pela Defensoria Pública do Estado suspendendo qualquer ato de fechamento das casas. Medida que foi revogada na última quarta-feira. No início da próxima semana, a Defensoria deve protocolar recurso junto à Justiça para que essa última decisão seja revista.
A redução no número de residências terapêuticas no Recife tem trazido à tona o debate sobre o tamanho da demanda por desospitalização em Pernambuco. Em 2016, foram fechados os últimos hospitais psiquiátricos da capital e a rede do município acolheu todos os usuários crônicos independentemente de sua cidade de origem. Hoje, cerca de 400 remanescentes desses hospitais vivem nas residências terapêuticas da cidade. Os representantes da Secretaria Municipal de Saúde têm dito publicamente que o Recife já fez sua parte e que não cabe mais à capital receber usuários de outros municípios.
Em documento encaminhado à Justiça, a Defensoria Pública informou que existem pessoas nascidas na capital que ainda estão internadas em hospitais psiquiátricos em outras cidades e pessoas também do Recife e outros municípios detidas no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) com alta e alvará de soltura determinando sua inserção em tratamento ambulatorial, o que configuraria, na visão da Defensoria, “contínua necessidade” pelo serviço de residências terapêuticas.
Argumentam ainda que existem 29 pessoas naturais do Recife internadas em hospitais psiquiátricos em processo de fechamento, localizados em outras cidades, que não possuem vínculos familiares. Desses, 10 estão no Hospital Colônia Professor Alcides Codeceira, em Igarassu; seis no Hospital São Luiz, de Surubim; e 13 no Hospital Colônia Vicente Gomes de Matos, em Barreiros.
O Ministério Público de Pernambuco abriu inquérito justamente para apurar com exatidão todos esses dados e poder definir se o número de residências terapêuticas no Recife é suficiente para atender sua demanda. Em reunião no dia 10 de maio, a Promotoria de Saúde demandou à Gerência de Saúde Mental do Governo do Estado que informe no prazo de 30 dias quantos são os usuários originários do Recife internados em hospitais psiquiátricos de longa permanência localizados fora da capital.
À Secretaria de Saúde do Recife, o MPPE solicitou levantamento, por meio da Câmara Técnica formada por profissionais da área de saúde e assistência social, dos usuários em situação de rua na capital que têm transtorno mental e indicação de acolhimento em residência terapêutica. O prazo de entrega desses dados é de 60 dias. Antes disso, em 30 dias, a Secretaria terá que repassar ao Ministério Público uma planilha de custos da rede psicossocial do Recife, com o detalhamento por residência terapêutica, e a especificação dos recursos vindos do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde e do Tesouro Municipal.
“Estamos coletando essas informações para confirmar se o número de residências que o município tem bate com a demanda e ainda sobra, que é o que a Secretaria de Saúde está dizendo. Levando em consideração também a população de rua com transtorno mental que tem indicação de encaminhamento para as residências. Temos que saber também quantas pessoas do Recife estão internadas em hospitais em outros municípios porque é obrigação da rede da capital fazer esse acolhimento”, explica a promotora da Saúde Ivana Botelho.
Para saber mais leia:
Justiça suspende fechamento de residências terapêuticas no Recife
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República