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Prisão do prefeito Lula Cabral expõe esquema de fraudes no Cabo de Santo Agostinho

Marco Zero Conteúdo / 21/10/2018

O município do Cabo de Santo Agostinho, localizado na Região Metropolitana do Recife, amanheceu na sexta (19) com a notícia da prisão do atual prefeito da cidade, Lula Cabral (PSB), durante operação deflagrada pela Polícia Federal em sete unidades federativas. Segundo testemunhas, que pediram para não serem identificadas com receio de represálias, a prisão ocorreu no prédio em que o prefeito mora, nas proximidades da Praça de Boa Viagem, logo no início da manhã. A polícia teria entrado no apartamento, levando o zelador para testemunhar a operação e conduzido o acusado para depor, mas sem algemá-lo.

Por determinação da Justiça, os bens do acusado também foram bloqueados, inclusive os carros da família, usados pelo motorista particular para levar os filhos de Lula Cabral, gêmeos, para a escola. O prefeito, que assume o cargo pela terceira vez na cidade, segue preso no Centro de Observação e Triagem de Abreu e Lima (Cotel) depois de ter prestado depoimentos na sede da Polícia Federal, no Recife Antigo.

A Operação Abismo, que mobilizou 220 policiais no país, tem como objetivo desarticular um esquema de fraudes no Instituto de Previdência do Município do Cabo, o CaboPrev, onde são administrados os fundos de previdência dos servidores municipais. Segundo nota da própria PF, cerca de R$ 92 milhões foram desviados de fundos de investimento sólidos para chamados fundos “podres”, sem lastro e com grande risco de inadimplência, o que coloca em risco a aposentadoria futura dos servidores.

Apesar de o CaboPrev se constituir uma autarquia de administração autônoma, os indícios coletados pela PF apontam que o próprio prefeito, infringindo a autonomia da instituição, determinou a movimentação, com o intuito de obter vantagens indevidas.

Problema antigo

A questão, que veio à tona com a prisão, no entanto, não é novidade. Segundo o vereador Arimatéia (PSDB), o tema chegou a ser pauta do plenário, em sessão realizada no ano passado. De acordo com ele, esse assunto é “uma gota d’água no oceano em relação às inúmeras falcatruas praticadas por esse governo ao longo de suas gestões. (…) Essa foi uma denúncia que nós fizemos, eu e o vereador Ricardinho [do SD], na tribuna, no ano passado, quando nós soubemos dessa operação mal assombrada”.

O próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE) havia notificado a Prefeitura e a Presidente do CaboPrev, Célia Verônica Emídio, sobre a movimentação, por meio de ofício, no mês de abril deste ano. No Ofício TCGC03 Nº 75/2018, de 19 de abril, é possível ler que a transferência de R$ 92.500.000,00, que representa cerca de metade de todos os fundos de previdência municipais, concentrados na empresa Terra Nova/Bridge Gestão e Administração de Negócios Ltda, vai contra os princípios de razoabilidade e prudência e que os prazos de resgate e penalizações fogem a qualquer critério de razoabilidade.

Esta não é a primeira vez, inclusive, em que a Terra Nova/Bridge Gestão e Administração de Negócios Ltda figura em uma operação por fraudes financeiras. Em abril deste ano a Polícia Federal havia deflagrado a Operação Encilhamento, em São Paulo, para coibir fraudes nas previdências municipais.

De acordo com informações da PF, à época, a contribuição de servidores de 28 cidades, em sete estados, eram aplicados em fundos com títulos de dívida sem lastro e emitidas por empresas de fachada.

O nome de Célia Verônica Emídio, Presidente do CaboPrev, também aparece em pedidos de Tomadas de Contas Especiais do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Tribunal de Contas da União (TCU), por irregularidades (desvio de finalidade) no uso de recursos destinados à Saúde, durante mandato anterior de Lula Cabral, inclusive com pedido de quitação/restituição dos valores. O processo Nº 25000.025955/2004-32, de 2007, no TCU, encontra-se encerrado e com confidencialidade restrita.

Silêncio

Durante todo a sexta-feira a postura da Gestão Municipal foi de recuo. Ao surgirem os rumores da prisão, a Assessoria da Prefeitura chegou a emitir uma nota desmentindo a prisão e informando se tratar de fake news. Com o fato confirmado por meio de outras fontes e amplamente noticiado na imprensa, a própria assessoria e pediu para desconsiderar tal nota.

Na sexta, o prefeito teria compromisso no bairro de Pontezinha, onde assinaria ordem de serviço para construção de creches. A própria confirmação de manutenção desse evento, que depois de atestada a prisão foi omitido da página do Facebook da Prefeitura, permaneceu na incerteza até o início da tarde do dia 19.

Durante toda a sexta-feira nossa reportagem tentou manter contato com a gestão e a família de Lula Cabral, que adotaram posturas evasivas. Edna Gomes, amiga íntima da família e Secretária de Programas Sociais da atual gestão, réu junto ao prefeito no Processo 0005348-20.2014.8.17.0370, em entrevista por telefone, disse apenas que não tinha “nada a declarar” e que a gestão daria uma resposta. Depois disso, desligou o telefone durante a tentativa de prosseguir a conversa e rejeitou todas as chamadas seguintes.

Fabíola Cabral, filha de Lula e recém-eleita deputada estadual pelo PP com o slogan “tal pai, tal filha”, distribuído em adesivos antes mesmo de ser liberado o início da campanha eleitoral, também preferiu o silêncio. Ela chegou a atender o telefone, mas desligou ao saber que a ligação era para esta reportagem e rejeitou todas as chamadas seguintes. Já a assessoria do deputado estadual Everaldo Cabral (PP), irmão de Lula apontado em processos de improbidade administrativa movidos pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), disse que não conhecia o inquérito e não poderia comentar a respeito.

Histórico de irregularidades

Não é a primeira vez que Lula Cabral (PSB) é apontado por irregularidades. Além da atual prisão, o prefeito tem uma condenação por fraudar licitação, beneficiando sua sobrinha, Érika Islândia, filha do deputado estadual Everaldo Cabral (PP). Ele não foi barrado para nova candidatura pela Lei da Ficha Limpa porque, nos autos, não consta a cassação de seus direitos políticos.

Ele aparece como réu em pelo menos 24 processos no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ/PE), a maioria por improbidade administrativa ou crimes ligados a danos ao erário público. Além disso, tem cinco processos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais quatro ligados a supostas irregularidades na propaganda eleitoral e um pedido de impugnação de candidatura.

Recentemente, de modo similar ao que o TCE fez quanto à CaboPrev, ele e Edna Gomes, secretária do município, receberam recomendação (por duas vezes, uma setembro e outra em março deste ano) para findar contrato com a empresa Casa de Farinha, fornecedora de merenda e alimentos ao município, e abrir nova licitação.

A recomendação se dá pelos indícios de irregularidades e desvios, inclusive na merenda escolar, investigada pela Polícia Federal na Operação Ratatouille – que atingiu seu ex-aliado e ex-prefeito do Cabo Vado da Farmácia, cujo nome para a disputa municipal foi lançado por Lula ao fim de seus dois primeiros mandatos como prefeito.

Vado, inclusive, aparece na Lista de Fachin de políticos apontados pela Lava Jato e diz que Lula Cabral era o responsável por recolher as doações ilegais para sua campanha, quando, em 2012, eram aliados e Lula o lançou candidato.

As gestões de Vado e Lula Cabral acumulam processos em curso contra pessoas da administração. Um exemplo é o que investiga prejuízo de mais de R$ 3 milhões da compra de livros, em que a ex-secretária Gildineide Fialho aparece como ré.

Além disso, quando foi deputado estadual pelo PFL, Lula Cabral teve seu nome envolvido no episódio que ficou conhecido como Máfia das Subvenções, esquema através do qual alguns deputados utilizaram as subvenções que deveriam ir para ONGs em benefício próprio. Lula Cabral, segundo reportagens da época, enviava dinheiro para uma ONG fantasma em nome da família, e chegou a dar entrevista dizendo que a prática não era antiética porque “seria antiético se estivesse enviando dinheiro a um inimigo”, e não à família.

Família na política

Seu irmão Everaldo e a filha recém-eleita, Fabíola Cabral, são filiados ao PP, partido que apareceu na primeira lista do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral, em 2009, como o que tem mais políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa. Everaldo Cabral seguirá para o quarto mandato consecutivo, no ano que vem, enquanto Fabíola assumirá pela primeira vez um cargo eletivo.

A campanha da estreante, segundo dados do TSE, gastou R$ 467.241,37. Entre os beneficiários estão motociclistas para portar bandeiras, recebendo o valor padrão de R$ 957 todos eles; o irmão, recebendo R$ 8 mil de aluguel de uma kombi para se transformar em carro de som; e, recebendo cerca de 33% do total (mais de R$ 153 mil), a CMBC Publicidade e Comunicaçao Ltda, empresa de publicidade que foi aberta dois meses antes de iniciar o período de propaganda eleitoral.

Os recursos da campanha da Fabíola, que pelo menos desde janeiro acompanha o pai nas ações inaugurações e anúncios de obras da Prefeitura do Cabo, com suas fotos merecendo tratamento generoso nas redes sociais, vieram, principalmente, da Direção Nacional do PP (R$ 200 mil do Fundo Partidário e R$ 441.512,00 do Fundo Especial) e de recursos próprios (R$ 44 mil). Entre os bens declarados estão um apartamento de R$ 700 mil, que consta como recebido de doação, e R$ 200 mil de doação de dinheiro em espécie vinda do pai preso, Lula Cabral.

O Cabo de Santo Agostinho vive um momento difícil. Amargando ser o município do Brasil que mais mata jovens, a corrupção é um mal antigo na cidade. Além do prefeito preso, o presidente da Câmara Municipal, o vereador Anderson Bocão (PSB), junto com a outros quatro legisladores do município, foi afastado há pouco mais de um mês em função da Operação Ghost, que investiga um esquema de desvio de verba da Câmara para funcionários fantasma. Com 17 vereadores, apenas dois deles são de oposição, o que dificulta a efetividade do trabalho da legislatura.

Sobre a Operação Abismo

A Operação Abismo cumpriu, ao todo, 64 ordens judiciais em Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba, Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal, entre as quais 42 mandados de busca e apreensão, dez mandados de prisão preventiva e 12 mandados de prisão temporária. Desse total, 18 mandados de busca e apreensão, duas prisões temporárias e quatro preventivas foram aplicados a pernambucanos.

Os detalhes da Operação e os nomes não foram divulgados pela Polícia Federal, pois a investigação segue em sigilo e em segredo de Justiça. Constam entre os alvos empresários, políticos, lobistas e líderes religiosos.

Todas as ordens judiciais foram cumpridas, e estão distribuídas como descrito abaixo, entre as unidades federativas:

  • Pernambuco: 18 Mandados de Busca e Apreensão, 02 Mandados de Prisão Temporária e 04 Mandados de Prisão Preventiva (no Cabo, Salgueiro e Vitória);

  • São Paulo: 10 Mandados de Busca e Apreensão, 01 Mandados de Prisão Temporária e 05 Mandados de Prisão Preventiva (em Jundiaí e Guariba);

  • Rio de Janeiro: 10 Mandados de Busca e Apreensão, 06 Mandados de Prisão Temporária e 01 Mandados de Prisão Preventiva (na Capital);

  • Paraíba: 01 Mandados de Busca e Apreensão (em Monteiro);

  • Distrito Federal: 01 Mandados de Busca e Apreensão;

  • Goiás: 01 Mandados de Busca e Apreensão, 01 Mandados de Prisão Temporária; (Goiânia e Anápolis)

  • Santa Catarina: 01 Mandados de Busca e Apreensão, 02 Mandados de Prisão Temporária.

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Marco Zero Conteúdo

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