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Prisão por violência eleitoral em Toritama pode resultar em condenação inédita

Giovanna Carneiro / 20/09/2024

Vereadora de Toritama, Carol Gonçalves (PSDB)

Crédito: Reprodução / Instagram

No dia 10 de setembro, o diretor de feiras do município de Toritama, no Agreste de Pernambuco, José Claudemir de Oliveira – conhecido como Sinal –  teve sua prisão preventiva decretada por ataques contra a vereadora Carol Gonçalves (PSDB). O funcionário público ficou detido no presídio de Santa Cruz do Capibaribe por dois dias e o caso foi considerado “crime de violência eleitoral”. Agora, o processo judicial que pode se tornar a primeira condenação por violência política de gênero em Pernambuco corre em segredo de Justiça. 

De acordo com dados do Relatório Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, lançado pelo Observatório Nacional da Mulher da Política, da Câmara dos Deputados, em parceria com o Instituto Alziras e a Agência Francesa de Desenvolvimento, o Brasil teve apenas duas sentenças de condenação pelo crime de violência política de gênero. Além disso, uma em cada quatro representações de violência política de gênero entre 2021 e 2023 foi arquivada ou encerrada. 

Carol Gonçalves, de 28 anos, foi eleita em 2020 com 770 votos. Na ocasião, era filiada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mesmo partido do prefeito Edilson Tavares. No entanto, em 2023, a parlamentar mudou de partido, passando a integrar o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e se tornou oposição na Câmara Municipal. Desde então, Gonçalves afirma que passou a ser alvo de ataques.

“Desde quando eu rompi com o governo, que tentou cassar meu mandato, eu tenho sido alvo de diversas situações. Inventam mentiras com o meu nome, memes na internet e nos grupos de WhatsApp afirmando que eu sou usuária de drogas, usam minhas fotos para fazer montagens e fazem todo tipo de xingamentos e apelidos, zombando com minha aparência, me chamando até de macaca”, contou a vereadora, que é candidata à reeleição. 

Ainda de acordo com Gonçalves, os ataques se intensificaram no início do período eleitoral, a ponto dela temer por sua segurança e comprometer sua agenda de campanha.

Em março de 2023, Paulo Tavares (MDB), segundo suplente da legenda partidária, protocolou um processo de cassação contra Carol Gonçalves no Ministério Público de Pernambuco, alegando que a parlamentar havia viajado para o exterior sem ter avisado previamente à Câmara Municipal e utilizado recursos públicos para gastos pessoais. Na ocasião, Gonçalves foi até o México representar a cidade de Toritama como palestrante no Fórum Global pela Democracia. Em julho de 2023, o Ministério Público de Pernambuco arquivou o caso, que também foi rejeitado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

Um ano depois do arquivamento do processo de cassação, em julho deste ano, a Justiça Eleitoral rejeitou uma acusação do prefeito Edilson Tavares (MDB) contra Carol Gonçalves. O processo movido contra a parlamentar alegava a realização de propaganda eleitoral em um prédio público e o uso de bens públicos para fins eleitorais. A Justiça decretou a improcedência das alegações contra Carol Gonçalves, isentando-a de qualquer penalidade ou multa, que poderia chegar a R$15 mil.

Rede de apoio contra a violência política de gênero

Carol Gonçalves é uma das 40 parlamentares que integram a Rede A Ponte, uma iniciativa que reúne especialistas em diversos temas de políticas públicas com o objetivo de fortalecer o mandato de mulheres e aumentar a representatividade feminina na democracia brasileira.  

“A nossa rede é composta por uma maioria de vereadoras do interior, porque a gente entende que são essas mulheres que estão mais à margem do processo político, são elas que necessitam muitas vezes de apoio jurídico e institucional e de informações para protocolar Projetos de Lei, por exemplo, questões orçamentárias também. Então nós atuamos para que essas mulheres possam ter incentivo e autonomia em seus mandatos”, afirmou Lauana Chantal, coordenadora de incidência política da Rede A Ponte.

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, no Brasil, as mulheres correspondem a 18% do total de candidaturas eleitas na Câmara dos Deputados e apenas 7% no Senado. Além disso, 995 câmaras municipais do país não possuem nenhuma mulher eleita.

Um dos fatores que contribuem para essa menor incidência de mulheres na política institucional é a violência política de gênero, como aponta Lauana Chantal ao comentar sobre o caso da vereadora de Toritama: “a gente tem várias camadas de violência política quando a gente chega nas mulheres do interior, porque essas mulheres estão em uma situação muito delicada em termos de segurança porque ela vai denunciar muitas vezes o vizinho dela ou de algum parente, pessoas que estão muito próximas”.

Chantal conta também que ainda neste ano, a vereadora Carol Gonçalves tentou protocolar um Projeto de Lei de combate a violência política de gênero na Câmara Municipal de Toritama, mas o projeto foi vetado pelo prefeito, em julho. “Carol já vem sofrendo violência política desde muito cedo na Câmara por conta da sua atuação e seu enfrentamento político”, enfatizou a coordenadora.

Em agosto de 2021 foi aprovada a Lei nº 14.192, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violência política de gênero. A norma, que pretende assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e criminaliza a divulgação de fatos ou de vídeos com conteúdo inverídico durante a campanha eleitoral, estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício político.

Para a coordenadora da Rede A Ponte, a resolução do caso da vereadora Carol Gonçalves pode abrir precedentes para que a Lei nº 14.192/2021 seja utilizada com mais rigor: “a gente está dando todo suporte e apoio a Carol. A gente faz com que ela permaneça no cargo, mas também que a violência que ela sofreu não fique impune, que isso seja uma resposta não só para o caso dela, mas para outros casos, que outras parlamentares vêm sofrendo, e que isso se torne um precedente para que nenhuma outra mulher venha sofrer violência política de gênero e raça em função do seu trabalho”.

“Quase 100% das parlamentares da nossa rede já sofreram violência política de gênero e raça, só que nem todas chegaram a denunciar. E muitas que denunciam optam por não seguir com o processo por medo de sofrer ainda mais retaliações ou nem sabem como fazer a denúncia porque é um processo tão burocrático. A gente precisa ter um passo a passo mais bem demarcado, saber qual delegacia procurar, quais provas e evidências precisamos ter para apresentar a denúncia, várias questões que ainda não estão bem colocadas”, concluiu Chantal.

Atualmente, a Rede A Ponte presta assistência jurídica e parlamentar para 29 vereadoras e 11 deputadas estaduais, destas, 60% são mulheres negras.

Desde 2021, o Ministério Público Federal (MPF) possui um canal para receber denúncias de todos os tipos. De acordo com o MPF, desde a abertura do canal, já foram recebidos 215 casos de violência política de gênero, em sua maioria, denúncias de ofensas, transfobia, exposições, violência psicológica, sexual e moral.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.