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Crédito: Pixabay License
A onda da ômicron chegou como um tsunami. Nas últimas semanas, parece que todo mundo está com covid-19. Os centros de testagens vivem lotados, ambulatórios cheios e com filas enormes. Até nas farmácias está difícil conseguir um teste rápido.
Há 15 dias, no dia 7 de janeiro, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco registrava 683 casos de covid-19. Há uma semana, 1,5 mil. Desde quarta-feira (19) esse número se mantém acima de 2,2 mil casos por dia, mesmo com toda a dificuldade da população em conseguir fazer o teste.
Essa aceleração era esperada. Acredita-se que a nova variante, que já responde por 90% dos casos no estado, tenha um poder de infecção de 5 a 10 vezes maior que a delta. No mundo, foram registrados na quarta-feira 4,23 milhões de casos de covid-19, um novo recorde. Desde o dia 23 de dezembro, a ômicron vem quebrando recorde atrás de recorde em número de casos, de acordo com dados do Our World in Data.
A onda de ômicron tem uma aceleração vertiginosa. Não é uma curva, é uma reta para cima. Para se ter uma ideia, antes da ômicron o recorde diário de casos nos Estados Unidos havia sido de 280 mil em um só dia. Há uma semana, o país marcava perto de 1 milhão de casos diários.
Na África do Sul, onde a ômicron foi identificada pela primeira vez, a ascensão durou menos de um mês. Foi de uma média de 400 casos diários em 20 de novembro para 20 mil casos em 20 de dezembro. “Monitoro epidemias desde 2005 e nunca vi uma curva assim”, diz o epidemiologista de dados Jones Albuquerque, da Universidade Federal Rural de Pernambuco e do Instituto Para Redução de Riscos e Desastres em Pernabuco (IRRD-PE).
Do mesmo jeito que subiu na África do Sul, a ômicron caiu. O pico durou poucos dias e a onda já dá sinais de que ficou para trás. Há diversos especialistas que acreditam que o Brasil pode repetir esse padrão: uma onda forte, com recordes de casos, mas curta.
O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, deu algumas entrevistas afirmando que, possivelmente, no final de fevereiro o pior já deve ter passado. O infectologista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Julio Croda também tem apostado em uma onda curta, seguindo os modelos de outros países.
Mas o Brasil não é todo mundo: o país tem tido um comportamento único ao longo da pandemia da covid-19. “Aqui não tivemos ondas com alto e baixos. Mas longos platôs, com picos que se prolongaram por semanas, meses”, lembra Jones Albuquerque. “Parece que vamos repetir as perguntas do começo da pandemia, quando subimos o número de casos e não baixamos mais”, diz.
Para o coordenador na Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, para uma onde ser curta ela tem de “ou ser interrompida ou ser tão forte a ponto de infectar todos os suscetíveis de uma vez só”. A primeira opção parece longe da realidade brasileira. “Aqui no Brasil nunca tivemos interrupções coordenadas da transmissão, apenas algumas tentativas que mesmo assim foram executadas tarde demais – quando já tínhamos UTIs lotadas, o que significa que a transmissão já estava rolando solta há tempos. Desta forma, eu acredito que para essa onda ser curta, apenas se ela infectar todo mundo muito rapidamente”, afirma Schrarstzhaupt.
Mas há um risco alto na aposta de uma onda ômicron seguindo seu curso natural. Não só pelo fato de uma altíssima demanda por leitos de hospitais e de UTIs, mas porque isso também prolongar a onda, em um patamar nunca antes visto. “Vamos supor que Pernambuco chegue a 10 mil casos por dia. Em uma população de 9,2 milhões de pessoas, quando tempo isso não poderia durar?”, questiona Jones. “É preciso se tomar atitudes para controlar a explosão do vírus”, diz.
Para se fazer a comparação entre os países, tem que se levar em conta vários fatores e não apenas o gráfico da ômicron, diz Isaac. “A África do Sul, por exemplo, teve não só essa, como todas as ondas anteriores muito mais curtas que os outros países, o que indica que elas foram interrompidas com medidas e/ou comportamento correto da população. O gráfico deles é muito instrutivo. Já no Reino Unido, a queda já está querendo começar a desacelerar de novo, como aconteceu na Áustria e na Alemanha (caiu rápido e subiu rápido novamente, em um pico após o outro). O que isso quer dizer? Que são tantos fatores simultâneos que colaboram para o comportamento da curva que não podemos nos fiar apenas nos países que a curva caiu para ‘torcer’ que melhore”, diz.
Mesmo sendo uma variante mais “leve” que a delta, como a capacidade de infectar pessoas é potencializada na ômicron, ela ainda pode colapsar os sistemas de saúde. Em completamente vacinados, se estima que a ômicron leve 5% para o hospital e mate 0,1%, percentuais próximos aos da gripe. O Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da Universidade de Washigton calculou que, até o final de março, metade da população mundial pode ser contaminada pela ômicron, o que, seguindo esses percentuais, daria 4 milhões de mortes e 200 milhões de pessoas, quase um Brasil, precisando de atenção hospitalar. O IHME projeta que o Brasil volta a ter mais de mil mortes diárias pela covid-19 nas primeiras semanas de fevereiro, com estabilização em um patamar baixo no final de março.
Outro fator faz com que os pesquisadores fiquem receosos em cravar uma onda mais curta: historicamente, a maior circulação dos vírus respiratórios começa por volta de março e se estende pelo inverno. Em 2020 e 2021 o SarsCov-2 seguiu mais ou menos esse padrão, mas não agora com a explosão em pleno janeiro. “Estamos entrando novamente em um início de ano com aumento na curva de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), o que é totalmente atípico levando em conta 2019 para trás”, conta Issac.
No Twitter, ele fez um fio mostrando como o padrão de SRAG (sigla que significa, a grosso modo, toda doença respiratória que necessita de internação hospitalar) foi mudado pela covid-19, e ainda mais acentuado pela ômicron.
Na coletiva de imprensa da Secretária Estadual de Saúde na quarta-feira passada, o secretário André Longo reforçou que as próximas três ou quarto semanas continuarão difíceis. Mas também lembrou que, em março, costuma começar em Pernambuco a circulação mais forte de vírus respiratórios sazonais. E de covid. “De março a maio são os meses mais complicados em Pernambuco. Esperamos que o que estamos vendo agora seja uma antecipação desse período, mas não não sabemos como vai ser a circulação destes vírus na nossa sazonalidade. O H3N2 pode voltar, assim como a covid-19 e outros vírus respiratórios”, afirmou Longo, na coletiva. O Instituto Butantan já está produzindo a vacina atualizada contra a gripe, que vai incluir a variante Darwin da cepa H3N2, responsável pela atual epidemia de gripe, mas a vacinação só deve começar em março, para grupos prioritários.
Além da possibilidade da ômicron emendar com outros vírus sazonais ou da onda se estender por mais tempo, outro risco que os especialistas veem é a sincronia entre as regiões brasileiras. Se na crise da falta de oxigênio no ano passado no Amazonas outros estados estavam em situação menos caótica e puderam socorrer, nesse ano, ao que tudo indica, o Brasil todo vai viver semanas de alta demanda.
“Acredito que devido à alta transmissibilidade dessa variante somada com a alta mobilidade das pessoas nessas férias de final de ano (ainda maior do que a da virada de 2020 para 2021) possa ter desencadeado um espalhamento que seja nacional e muito mais rápido. Se olharmos região por região nos gráficos vemos que a reversão de tendência de óbitos, por exemplo, é diferente em cada região do Brasil (no Centro Oeste começou antes do Natal, no Sudeste começou na primeira semana de janeiro), mas essa diferença é muito menor do que nas outras ondas, e isso me parece devido à alta transmissibilidade aliada à alta mobilidade das pessoas”, afirma o coordenador da Rede Análise Covid-19 .
O mais recente boletim InfoGripe da Fiocruz, que analisa os casos de SRAG do Brasil, foi publicado hoje e dá mostras dessa sincronia, com H3N2 misturada com covid-19: 22 das 27 Unidades da Federação apresentam ao menos uma macrorregião de saúde com nível de casos semanais de SRAG considerado muito ou extremamente alto.
“A covid-19 quebrou o conceito de sazonalidade, mas pode ser que, após a onda da ômicron, comece um declínio. A torcida é de que as próximas variantes sejam ainda menos letais e que as vacinas sejam logo atualizadas. Mesmo assim, não acredito que essa seja a última onda da covid-19, nem a última variante. Não sabemos como o vírus vai se comportar após uma onda tão grande como essa”, afirma Jones Albuquerque.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org