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Vista de satélite de Porto de Galinhas em dezembro de 2020. Imagem: Planet.com
Um dos mais conhecidos cartões postais do Nordeste está ameaçado, mas parece que o poder público não liga muito para isso. Ao longo dos meses de dezembro e janeiro há diversos registros nas redes sociais de queimadas em áreas de restinga, manguezais e na beira de estradas em Porto de Galinhas, no município do Ipojuca. Se for mais longe, também se encontram fartos registros de reportagens e posts em redes sociais desde 2019. De lá pra cá, pouco foi feito.
A saída mais óbvia, a de chamar o Corpo de Bombeiros, demora. Há registros em que o fogo queima por horas a fio, sem ser importunado. No dia 4 de janeiro, por exemplo, um incêndio em uma restinga na localidade de Merepe foi registrado às 19h30 e, até meia-noite, ninguém havia chegado por lá. Em outro vídeo postado no Instagram em janeiro, mal se vê a PE-09, tomada pela fumaça. O Corpo de Bombeiros do Ipojuca fica localizado em Suape, a cerca de 20 minutos de Porto de Galinhas.
Há basicamente dois tipos de queimadas em Porto de Galinhas, de acordo com ambientalistas e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Um é o costume antigo de tacar fogo em áreas onde há guaiamuns para que, por conta do fogo, eles saíam das tocas e sejam mais facilmente capturados. É um crime ambiental.
O outro é para a especulação imobiliária. Em novembro de 2019, quando ainda era integrante da organização não-governamental Salve Maracaípe, o ativista e gestor ambiental Sidney Leite fez uma denúncia formal ao MPPE sobre algo que diz ser recorrente em Porto de Galinhas. “As construtoras queimam o terreno em área de preservação e depois vão na prefeitura alegando que não há vegetação no local. Não é um processo que aconteça em meses ou semanas. É coisa de dias entre a queima do terreno e o início das obras”, diz.
As construções que têm avançado pela badalada praia não são exatamente ilegais, já que contam com o aval da prefeitura, diz Sidney. Na estrutura do Ipojuca, a mesma secretaria responsável pelo licenciamento para construção também dá o licenciamento ambiental. O plano diretor da cidade, que tem que ser atualizado a cada dez anos, ainda é o de 2008.
A Marco Zero Conteúdo questionou à assessoria de comunicação do município do Ipojuca sobre qual seria a atuação da secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano em relação às queimadas, a situação de atualização do plano diretor e o que, em geral, a prefeitura estava fazendo contra as queimadas. Não obteve resposta, mesmo estendendo o prazo de publicação desta matéria.
Mas em outubro do ano passado, em resposta a uma reportagem do Jornal do Commercio, a prefeitura afirmou que a delegacia do Ipojuca investigava os incêndios supostamente criminosos. E colocou como se as denúncias de crimes ambientais nas praias fossem por conta de oposição política. “A Prefeitura do Ipojuca, no entanto, lamenta o uso político/eleitoreiro por parte de alguns atores, que inclusive são candidatos nestas eleições, e informa que o jurídico será acionado sobre as acusações irresponsáveis contra a gestão municipal nas recentes queimadas”, disse a nota, publicada pelo JC.
Em nota, a Polícia Civil foi vaga quanto às investigações criminais dessas queimadas. Afirmou que existem “vários Termo Circunstanciados de Ocorrências (TCO)” feitos pela Delegacia de Porto de Galinhas e remetidos à Justiça em desfavor “de alguns autores dessas queimadas”. O TCO é usado para casos de menor potencial ofensivo.
Em posts e falas de ambientalistas, a promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ipojuca é bastante cobrada a dar explicações e se posicionar. A denúncia feita por Sidney Leite em novembro de 2019 gerou apenas um procedimento administrativo.
A promotora Márcia Amorim assumiu a promotoria poucos meses antes da denúncia. Desde então, nesse período de um ano e meio, a principal ação, além da instauração do tal instrumento administrativo para acompanhar as queimadas, foi uma recomendação para a Prefeitura do Ipojuca.
“É uma questão bastante complexa. Temos que distinguir os tipos de queimadas. Temos várias pessoas que criam um foco de incêndio no manguezal, um local de proteção, porque estão caçando guaiamum. É algo comum na região. Como temos também aquele prática da queimada em propriedade privada para construção, para mudar a vegetação. E tem aquela queimada culposa, provocada, por exemplo, por uma bituca de cigarro”, afirma.
Durante a entrevista, a promotora em várias vezes afirma estar fazendo um trabalho em harmonia com a prefeitura do Ipojuca. Mesmo assim, o município parece não estar colaborando muito. “A prefeitura não tem brigada de incêndio, nem aparelhos próprios, como abafadores de incêndio e sempre precisa chamar os bombeiros militares”, lamenta.
Ela fez então uma recomendação para que a prefeitura crie uma brigada de incêndio. “Não foi acatada de imediato, porque precisaria de concurso, entre outras coisas. Estamos pedindo que seja pelo menos adquiridos abafadores para os fiscais ambientais utilizarem”, afirma.
Ela fala da necessidade de ações de educação. “Toda medida preventiva parte de um trabalho de educação. Estamos trabalhando junto a prefeitura para ações educativas sobre a caça no manguezal, especificamente a do guaiamum, e trabalhos de conscientização”, diz.
Em relação ao trabalho mais repressivo, ela afirma que na caça de guaiamum é muito difícil identificar os responsáveis, porque acontece dentro dos manguezais. “As pessoas que fazem isso não vão denunciar uma às outras e pegar em flagrante é quase impossível”, justifica.
Nas questões das construções, a promotora mais uma vez cita a prefeitura do Ipojuca. “A prefeitura já fez um monitoramento e está fazendo um trabalho para identificar onde aconteceram essas queimadas ilegais. Você até pode queimar, mas tem que pedir um licenciamento, como ocorre nas usinas. Se isso não ocorre nas construções, estamos identificando, junto com a prefeitura, que locais são esses”, afirmou a promotora.
Quando identificados, os proprietários desses imóveis podem ter as obras embargadas. “Mas em princípio a gente tenta uma formalização de acordo, de algum tipo de reparação que dê retorno ao dano ambiental. É um crime de menor potencial ofensivo na esfera criminal. E, na esfera cível, o caminho é fazer um plano de recuperação para a área de proteção”, diz.
Sobre os comentários de facilidade na entrega de licenciamento ambiental, a promotora diz que nada pode fazer, pois atua apenas na área cível, e não criminal. “Estou preocupada é com a parte ambiental. Sobre a relação de eventual corrupção nessa área, não tenho atribuição”, afirma.
Como há apenas um procedimento administrativo, a prefeitura não tem obrigação legal nem prazo para seguir a recomendação de comprar equipamentos de combate ao fogo. “Mas estamos conversando com a prefeitura”, diz a promotora.
Por considerar que as atuações da Prefeitura do Ipojuca e do MPPE são insuficientes para a urgência do problema, a ONG Salve Maracaípe começou recentemente uma campanha nas redes sociais para que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal investiguem os incêndios, mesmo não sendo a área de atuação principal desses órgãos. Por ora, as queimadas seguem sem medidas repressivas.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org