Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

“Raquel Lyra faz demagogia barata ao impor jogos de futebol sem torcida”

Inácio França / 02/02/2025
Foto de Adriano Costa em pé, segurando um documento, em frente a um prédio moderno com fachada de vidro. Ele é um homem pardo, de cabelos escuros e barba rala, usando óculos. Ao lado dele há uma bandeira estendida sobre um parapeito de concreto. A bandeira tem o logotipo da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (ANATORG) e a palavra BRASIL escrita abaixo. À direita da pessoa, há uma placa grande com o logotipo da Federação Pernambucana de Futebol (FPF). A pessoa está vestida com uma camisa de manga curta bege e calça jeans. A imagem parece ter sido tirada em um dia ensolarado.

Crédito: Divulgação/Anatorg

Até dezembro do ano passado, o publicitário Adriano Costa era coordenador regional da Associação Nacional das Torcidas Organizadas, a Anatorg. Saiu por sentir que precisava encerrar seu ciclo na entidade, no qual enfrentou “desgaste pessoal altíssimo”. Durante os anos em que coordenou a organização, participou de audiências públicas convocadas pela Câmara Municipal do Recife e pela Assembleia Legislativa, articulou diálogos com a OAB-PE, propôs que as autoridades escutassem os torcedores que frequentam os estádios e conseguiu juntar dirigentes das torcidas rivais de Santa Cruz, Sport e Náutico para tentar costurar acordos de paz. Na maioria das vezes, seus esforços foram inúteis.

Em entrevista exclusiva, Costa afirma ter fica perplexo com as dimensões, a intensidade e a crueldade da briga entre as torcidas, mas não pelo fato dela ter acontecido. Na verdade, quem acompanha minimamente as redes sociais, sabia que o clima entre as duas maiores torcidas pernambucanas era o pior possível há alguns dias.

De acordo com ele, as autoridades de segurança pública do estado simplesmente não atuaram. Ele se pergunta “quantos culpados existem pela violência do sábado de Clássicos das Multidões?” e já emenda que existem vários responsáveis, não só aqueles que apareceram nos inúmeros vídeos da selvageria no bairro da Torre.

“Pela Lei Geral de Esportes, o Grupo de Trabalho de Futebol coordenado pelo secretário de segurança, por exemplo, pode ser responsabilizados judicialmente pelos problemas de segurança e organização deste último sábado”, provoca Adriano Costa durante a entrevista que você vai ler a seguir:

Marco Zero – Os vídeos da pancadaria nas ruas da Madalena e da Torre passaram a impressão que a violência entre as torcidas organizadas de Pernambuco mudou de patamar, escalando alguns degraus nas dimensões, na intensidade e, principalmente, na crueldade. O que você pensou e sentiu ao assistir àquelas cenas?

Adriano Costa – Antes de mais nada precisamos repudiar com vigor o que ocorreu ontem [sábado, 1º de fevereiro]. Além de repetitivo, é absurdo que atos como este continuem a se repetir em um estado com histórico tão pesado de notícias no âmbito nacional de violência e mortes entre torcedores organizados. Não tenho nenhuma intenção de eximir a responsabilidade de quem praticou crimes tão violentos e bárbaros, mas é preciso apontar os verdadeiros culpados pelo fato.

E quem são esses culpados?

Para começar, o Estado de Pernambuco, que não tem se colocado no papel de construtor de soluções, são anos evitando o diálogo, criando medidas populistas e inócuas sempre após uma grande crise. A violência de ontem foi prevista, premeditada, repetitiva e, sobretudo, proposital. O Estado promove, permite e proporciona.

Por que é proposital? Em que você se baseia para afirmar isso?

Primeiro, há muita gente interessada em tirar proveito dessa violência. Policiais pressionando por diárias e gratificações de maior valor; gestores públicos querendo “vender” pacotes de soluções e tecnologia; dirigentes de futebol mais interessados em fazer marketing pessoal ou impor um modelo autoritário e excludente nas arquibanacadas. Então, uma briga de grandes proporções atende a muitos interesses.

Mas, vamos aos fatos. Durante a semana já circulava em grupos do futebol e fora dele, vídeos e fotos de um possível furto de instrumentos e bandeiras entre torcidas do Santa Cruz e Sport, uma disputa de quem levava mais, cada lado, tricolor ou rubro-negro, querendo mostrar os seus devidos “troféus” expostos em praça pública, viadutos e ruas.

Ontem, antes do ocorrido, entre 09h e 10h da manhã, já era possível receber em grupos de WhatsApp e páginas de Instagram, vídeo de pequenos focos de correrias em bairros na perfiferia da Região Metropolitana, além de uma grande concentração de torcedores tricolores na avenida Caxangá. Ao meio-dia, a cidade inteira já sabia do confronto na rua Real da Torre, a cinco quilômetros de distância do Arruda.

Depois, já à noite, a Explosão Inferno Coral divulgou um documento que tinha protocolado no Comando Geral da PM e no Batalhão de Choque solicitando escolta policial e informando o trajeto com plano de acesso aos torcedores, cumprindo aquilo que diz a nova legislação da Lei Geral do Esporte. O ofício enviado à PM detalhava os pontos de concentração de torcedores, rotas seguras para deslocamento até o estádio do Arruda para evitar qualquer encontro entre torcidas organizadas adversárias, solicitação de escolta policial, garantindo um trajeto controlado e livre de conflitos. Então, porque a Polícia Militar não agiu?

A violência de ontem foi prevista, premeditada, repetitiva e, sobretudo, proposital. O Estado promove, permite e proporciona.

Então a culpa é apenas da PM?

Não só. Veja o caso do Grupo de Trabalho Coordenado pelo Secretário da Segurança Pública. É inoperante, não se reúne, não planeja, não ouve os verdadeiros atores do espetáculo esportivo e, sobretudo, tem caráter autoritário populista e ineficaz. Em geral toma atitudes – quando toma – que promovem e colaboram com a cultura de violência em dias de jogos de futebol, além de medidas que se desloca da realidade da arquibancada e, por essa razão, toma decisões irresponsáveis.

Pela Lei Geral de Esportes, o GT pode ser responsabilizados judicialmente pelos problemas de segurança e organização deste último sábado. Afinal, segundo o artigo 151 da nova Lei Geral de Esportes, que diz “é direito do espectador a implementação de planos de ação referentes a segurança, a transporte e a contingências durante a realização de eventos esportivos com público superior a 20.000 (vinte mil) pessoas”.

Se a lei diz que o torcedor tem esse direito, qual sua opinião sobre a decisão da governadora Raquel Lyra de determinar que Santa Cruz e Sport joguem sem torcida?

A Governadora Raquel Lyra está cassando um direito dos torcedores que não brigaram, que vão incentivar seus times de coração. Ao centralizar a decisão e proibir que qualquer torcedor veja os jogos de seu time por cinco partidas, até que seja implementado o reconhecimento facial nas catracas, é um atestado de incapacidade do Estado e de falta de assessoria do executivo estadual. Ora bolas, equipamentos da SDS, não fazem reconhecimento facial? Eles estão funcionando? Como não viram com antecedência a possibilidade de encontro de torcedores naquele bairro? O comando da PM não viu o oficio de uma das torcidas organizadas?

Cabe perguntar então quanto tem de responsabilidade dos clubes neste cenário, a ponto de serem prejudicados com portões fechados? Para o Santa Cruz pode representar a inviabilidade total, pois vai ficar sem renda quando está em recuperação judicial. Para o futebol de Pernambuco é a inviabilidade total do campeonato estadual, pois pode ter uma decisão sem sem público. Para a Federação será uma grande perda de arrecadação. Isso sem falar no prejuízo para os trabalhadores formais e informais, comerciantes, ambulantes, motoristas de transporte por aplicativo, seguranças privados e públicos que dependem financeiramente desta atividade econômica, pois o futebol movimenta a economia local.

Cabe à governadora Raquel Lyra e a SDS/PE intervir e reorganizar com urgência as forças policiais que fazem a segurança dos eventos esportivos em Pernambuco, com a abertura de um canal direto com a sociedade civil e comunidade pernambucana de torcedores. Especialmente na criação de um batalhão da PM especializado em eventos esportivos.

Por falar em federação, qual o papel do presidente da Federação Pernambucana de Futebol?

O Presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Evandro de Carvalho, poderia ser o grande fiador de um fórum de diálogo e planejamento que fortaleça o futebol local, reunindo com antecedência, chamando atores dos clubes e da arquibancada que entendam sobre operação de jogo, logística, segurança e transporte, além disso poderia trazer técnicos, profissionais e torcedores com experiência e vivenciam de arquibancada, permitindo analisar o grau de tensão que cada jogo representa. Poderia, mas, ao contrário, ele tem incentivado atos de violência chamando torcedores para trocar tapa e a bala, como no áudio vazado nesta última semana. Sempre com seu caráter autoritário, me parecer ter um vício em microfone e aparições públicas que gerem noticia e visibilidade para satisfazer seu ego.

A imagem mostra uma sala de aula ou pequeno auditório de paredes claras com várias homens jovens sentados em cadeiras com pranchetas. Os homens são integrantes de torcidas organizadas do Sport Recife, Náutico e Santa Cruz e estão vestidos com camisetas de cores variadas, principalmente amarelas, vermelhas e brancas, e algumas delas têm bonés. No fundo da sala, há um banner com o logotipo de uma organização sindical. A sala tem um teto com iluminação embutida e um projetor pendurado. As pessoas estão olhando para a frente, como se estivessem assistindo a uma apresentação ou aula.

Adriano organizou encontros entre torcedores organizados para fazer acordos de paz

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Qual a responsabilidade dos clubes?

Sinceramente, os clubes têm a cada dia menos a ver com os atos de violência que acontecem longe da arena esportiva e, equivocadamente, são os que tem recebido a represália pela má gestão da governadora. No entanto, ao serem convocados como ouvintes pelo GT, têm enviado representantes que não sabem nada do sentimento da arquibancada e do jogo, são representantes meramente protocolares e burocráticos, pessoas que não tem um pingo de entendimento de operação de jogo e que sempre assistiu ao jogo pela TV ou camarote, gente que vai ao estádio de carro e o estaciona com segurança em vagas privadas dentro do próprio clube.

Você vislumbra uma solução possível?

Sim. E qualquer solução passa pela participação da sociedade civil, incluindo aí a representação de torcedores, torcedoras e torcidas. Esse é o primeiro pilar para encontrar um caminho.

Apesar de críticas que podem existir à Anatorg, ela foi a única instituição que tem conseguido reunir as maiores organizadas arquirrivais para, minimamente, dialogar e tentar construir coletivamente ações e debates em torno de soluções para evitar mortes, confrontos e garantir o direito de torcer.

Medidas como torcida única, futebol sem torcida, já se comprovaram ineficazes. A autoridade pública que defender isso, como a governadora Raquel Lyra, achando que vai receber vários likes se engana. Impor jogos sem torcida é demagogia barata. Quem vive e participa diretamente do futebol sabe que não é esse o caminho.

O segundo pilar é a punição direta aos indíviduos, aos CPFs dos responsáveis, a transferência de responsabilidade para as entidades ou torcidas organizadas enquanto CNPJ, já se mostrou inútil. Pior ainda é transferir a culpa para os clubes. É esconder o problema debaixo do tapete. Não há neste governo nem no anterior interesse em construir ações que minimizem a violência entre as organizadas. Nem no âmbito estadual muito menos no nacional.

Por fim, há um terceiro pilar: o incentivo a política cultural da arquibancada, incentivar a festa, a música, as cores, a dança, a alegria e a alegoria, essas são as soluções básicas sociais que diminuem a violência, não há metodologia “inglesa” que dê certo em um país de culturas, tradições e desigualdades totalmente diferentes como é o Brasil.

Pernambuco precisa entender a importância da cultura torcedora pulsante na arquibancada, e o poder que ela tem para reforçar e expandir a cultura pernambucana, basta ver os exemplos dos estados de Bahia e Ceará, onde as organizadas fazem belas festas na arquibancada. Nesses estados têm violência? É claro que tem, mas seus gestores que é um problema de sociedade de forma geral, não uma exclusividade do futebol ou do torcedor.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.