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Raquel Lyra rompe tradição ao ignorar consulta para a Facepe e preocupa cientistas

Maria Carolina Santos / 14/05/2025
Foto da fachada da Facepe, um edifício histórico com uma arquitetura clássica e sofisticada. Ele tem dois andares e é pintado de branco, com detalhes ornamentais em alto-relevo que decoram sua fachada. As janelas possuem molduras elegantes e sacadas com grades de ferro, contribuindo para um ar refinado. Na entrada há um portão de ferro, sustentado por dois pilares altos. No topo de cada um deles repousa uma imponente estátua dourada de leão, conferindo um aspecto de grandiosidade e prestígio ao local. À esquerda do edifício principal, é possível ver um prédio moderno, também branco, contrastando com a estética clássica da construção histórica. Do lado direito, há uma grande árvore de folhagem verde, trazendo um toque natural ao ambiente.

Crédito: Reprodução Google Maps

Parte da comunidade científica de Pernambuco recebeu com surpresa e certa apreensão a nomeação da professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Flávia Lucena Frédou para a diretoria científica da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe). Não pelo nome escolhido – engenheira de pesca, ela tem ampla experiência tanto acadêmica como em gestão –, mas porque a pesquisadora havia ficado em segundo lugar na lista tríplice entregue à governadora Raquel Lyra (PSD). Até então, o cargo sempre foi ocupado pelo primeiro lugar da lista, que é elaborada após uma consulta aos docentes de pós-graduações do estado.

Principal fonte de bolsas e verbas para pesquisas do Governo do Estado, a Facepe teve um orçamento de mais de R$ 74 milhões para bolsas no ano passado. O cargo mais alto, a presidência, é ocupado por indicação do governo, sem consulta à comunidade científica. A diretoria científica, porém, tem um rito diferente, com a escolha de uma lista tríplice elaborada por meio de uma votação online. É um balanço entre comunidade científica e governo, para evitar que a Facepe fique refém de projetos político-partidários.

Não é uma lei, e nem mesmo uma regra, mas desde 1989, quando a instituição foi fundada, os governadores têm respeitado a decisão da consulta e nomeiam os primeiros colocados da lista tríplice. A diretoria científica tem um papel central em ajudar a presidência da Facepe a elaborar a política científica de Pernambuco, apoiando a Secretaria de Ciências e Tecnologia não só institucionalmente, mas também na própria elaboração da política.

Para concorrer à vaga, pesquisadores e pesquisadoras precisam cumprir as regras do edital, que inclui angariar cartas de recomendação de instituições de Pernambuco. Para ter a inscrição homologada, é necessário ter no mínimo dez apoios. Para esta consulta, quatro pessoas se inscreveram e três tiveram suas inscrições homologadas: Walter Franklin Marques Correia (Centro de Artes e Comunicação da UFPE), Severino Alves Júnior (Centro de Ciências Exatas e da Natureza da UFPE) e a a nomeada, Flávia Lucena Frédou (UFRPE). Na inscrição, Walter saiu bem à frente, colocando 232 cartas de recomendação, enquanto Flávia inscreveu 35 cartas e Severino, 18.

Depois, houve o processo de votação – ou de consulta, como é oficialmente chamado. Dos 2.129 eleitores aptos, 903 votaram eletronicamente – uma abstenção de 57,58%. Também foram contabilizados 11 votos em branco (0,46%) e 4 votos nulos (0,44%). Os resultados foram bem próximos:

1. Prof. Dr. Walter Franklin Marques Correia (UFPE), com 313 indicações válidas (35,25%)

2. Profa. Dra. Flávia Lucena-Frédou (UFRPE), com 289 indicações (32,54%)

3. Prof. Dr. Severino Alves Júnior (UFPE), com 286 indicações (32,21%)

Para a Academia Pernambucana de Ciências (APC) não se trata de comparar currículos. A competência de Flávia Lucena Frédou não está em disputa: é pesquisadora 1D CNPq (nível alto de reconhecimento e experiência na área de pesquisa), doutora em modelagem com formação na Inglaterra e na França, com mais de 140 publicações científicas. Ela também participou da equipe de transição do governo Lula na temática de pesca e foi titular da Secretaria Nacional de Registro, Monitoramento e Pesquisa do Ministério da Pesca e Aquicultura, que é comandado por André de Paula, do mesmo Partido Social Democrático (PSD) da governadora Raquel Lyra.

“A surpresa foi a governadora – que tem um perfil de defesa da democracia – ter escolhido o segundo nome, e não o primeiro. Em hora alguma questionamos a competência da nomeada. Aliás, qualquer um dos três da lista tem competência para o cargo”, afirma o presidente da APC, o professor Anderson Gomes, do Departamento de Física da UFPE. A entidade tampouco pede que haja mudança na nomeação. “É um fato consumado, não estamos pleiteando nenhuma revogação “, diz.

Situação do IPA é preocupante

Há ainda outra insatisfação da comunidade científica com o Governo de Pernambuco, que é o sucateamento do Instituto Agronômica de Pernambuco (IPA), que tem sido usado por vários governos como cabide de políticos. “É uma situação totalmente diferente da Facepe”, pondera Gomes.  “O IPA é uma instituição eminentemente técnica. Até não tem um problema ser um gestor político com uma equipe extremamente técnica trabalhando, nós não vemos problema”, diz Gomes. “Mas não é isso o que está acontecendo”. 

No final de março, o governo nomeou o advogado Miguel Duque para a presidência do órgão. Ele é filho do deputado estadual Luciano Duque (Solidariedade). “O problema é que o IPA tem perdido o protagonismo que ele já teve. Já é a segunda ou terceira vez que a nós, enquanto academia, nos reportamos ao IPA, porque ele está sendo muito mal usado. E essa reclamação é procurando contribuir para o protagonismo que a ciência pode fazer pelo Estado”, diz Gomes.

A APC, contudo, alerta para dois fatores. Um é a abertura de um precedente que pode ser perigoso, com o não cumprimento da vontade da comunidade científica, abrindo brecha para uma futura indicação política para um cargo técnico. Gomes cita como exemplo o que aconteceu durante o governo Bolsonaro, em que listas tríplices de indicações para reitores de universidades federais foram ignoradas, em uma afronta à democracia e à autonomia das universidades.

O outro fator é que, uma vez que há a consulta à comunidade científica, deve haver também a devolutiva, com a indicação da vontade da comunidade. “A escolha é uma prerrogativa da governadora, que poderia ter escolhido qualquer um da lista, ou até nem atendido a lista. Mas é importante ressaltar que ela não quis nomear o primeiro colocado. O fato da comunidade científica ser consultada e indicar uma pessoa não tem mais importância? Como é que vamos nos mobilizar se o governador ou a governadora faz o que quiser?”, questiona Gomes.

Um abaixo-assinado foi lançado online solicitando que “diante da gravidade do ocorrido” e “em favor da democracia, da decisão da comunidade científica e da autonomia institucional da Facepe”, a governadora Raquel Lyra reconsidere a sua posição e emposse o primeiro lugar. O documento já tem 539 assinaturas.

Apesar das críticas, uma carta de apoio à nomeação foi publicada no Jornal do Commercio desconsiderando essas ponderações e colocando a nomeação de Flávia como uma vitória, por ela ser uma mulher. A carta foi assinada por 17 professores, a maioria da UFRPE, incluindo a reitora Maria José de Sena. Foi a primeira vez que um docente da UFRPE foi escolhido pelo governo para o cargo.

“A nomeação da Dra. Frédou corrige uma grave distorção histórica. Em toda a trajetória da Facepe, apenas duas mulheres presidiram a Fundação. No cargo que será ocupado por Frédou, apenas uma outra mulher — e por um curto período de um ano — esteve presente. Sua chegada representa, portanto, um avanço institucional e simbólico incontornável”, diz trecho da carta, que defende também a governadora: “a consulta, como é sabido, tem natureza consultiva e não deliberativa. A decisão cabe, portanto, à governadora, que, ao optar por Flávia Frédou, não apenas respeita as regras institucionais como reafirma sua visão estratégica e de futuro para a ciência no Estado”.

Governo diz que decisão foi “estratégica”

Docente do Departamento de Design da UFPE e professor no Programa de Pós-graduação em Design (PPGDesign), o primeiro colocado da lista, Walter Franklin, já ocupou diversos cargos de gestão, sendo por oito anos o diretor do CAC. Foi a primeira vez em que um docente da área de Ciências Humanas foi o mais votado na lista tríplice.

“Isso [ser da área de humanas] foi algo que pesou muito para os colegas que foram para a consulta”, disse Walter à MZ, lamentando a falta de transparência. “Não houve nenhuma manifestação da Facepe ou da governadora para a comunidade científica sobre qual foi o motivo de não seguir a ordem da lista. A nomeação saiu na véspera do feriadão de primeiro de maio, numa jogada estratégica para não ter nenhuma repercussão”, acredita Walter, que está fazendo um pós-doutorado até novembro na Holanda. “Mas se eu tivesse sido nomeado eu voltaria para o Recife para assumir o cargo”, diz.

Em nota para a Marco Zero, o governo reiterou o resultado apertado da consulta, falou da carreira exitosa de Flávia Lucena Frédou e que a nomeação dela levou em conta “critérios técnicos, estratégicos e alinhados às diretrizes da atual gestão”. Ao pontuar o currículo da nova diretora, a nota do Governo de Pernambuco destaca a participação dela em organizações nacionais e internacionais, “o que foi considerado um diferencial relevante para o projeto estratégico da Facepe nos próximos anos”, diz a nota.

Confira a nota completa que o Governo de Pernambuco enviou para a Marco Zero:

O Governo de Pernambuco, através da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti/PE), ressalta que a nomeação da professora Flávia Lucena Frédou para a Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) foi feita a partir de lista tríplice homologada pelo Conselho Superior da Facepe, elaborada com base em ampla consulta à comunidade científica pernambucana, seguindo os trâmites legais e levando em consideração critérios técnicos, estratégicos e alinhados às diretrizes da atual gestão.
 
Com o resultado da consulta ao setor científico estadual, identificou-se que os três nomes tiveram praticamente o mesmo percentual (pouco mais 30%) de indicações válidas, o que indica que todos estavam referendados pelo corpo científico do Estado para ocupar o cargo de direção da Facepe. 
 
A professora Flávia Lucena Frédou é doutora em modelagem com formação na Inglaterra e na França, professora titular da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) com mais de 140 publicações científicas e extensa atuação em redes de pesquisa nacionais e internacionais. Seu perfil combina a área científica com a gestão, tendo atuado como secretária nacional no Ministério da Pesca e Aquicultura e incluindo representações em órgãos nacionais, como o Grupo Técnico Científico do Ministério da Pesca e Aquicultura, e internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas (ICCAT) e Institut de Recherche Pour Le Développement (Ird), o que foi considerado um diferencial relevante para o projeto estratégico da Facepe nos próximos anos.
 
É importante reforçar que o processo de escolha para a Diretoria Científica da Facepe não se trata de uma eleição nos moldes tradicionais, como as realizadas para cargos políticos. O processo é uma consulta à comunidade acadêmica e científica, cujo objetivo é subsidiar a gestão estadual com indicações qualificadas e representativas. Portanto, de forma transparente, institucional, republicana e democrática, o Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, reafirma que todos os trâmites em volta da nomeação da nova diretoria científica da Facepe obedeceram ao rigor da lei.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org