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Refinaria Abreu e Lima emite gás tóxico além do permitido

Raíssa Ebrahim / 10/02/2021

População do entorno vem lutando desde 2018 com problemas de saúde (crédito: Petrobras)

Problemas de saúde como enjoo, tontura, vômito, dor de cabeça e dificuldade para respirar não são recentes entre a população que vive nos arredores da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), no Complexo de Suape, litoral Sul de Pernambuco. Pelo menos desde 2018, a população luta para ser ouvida após sucessivas entradas no sistema de saúde. 

Pela primeira vez desde então, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), que renovou recentemente a licença ambiental do empreendimento, autuou nesta quarta-feira (10), a refinaria, em R$ 50 mil, por descumprir os padrões de emissão de gases. O problema atinge mais de três mil pessoas que vivem em casas, condomínios e engenhos no entorno, além da comunidade quilombola da Ilha de Mercês, que resiste dentro do complexo.

A técnica ambiental Sidinara Marques, de 38 anos, conhecida como Yara, perdeu as contas da quantidade de vezes que já passou mal. Uma vez precisou ficar três dias internadas. Nascida e criada na Bahia, se mudou para a região com a família no final de 2017 para que ela e o marido ficassem mais próximos do trabalho. Já de cara começou a se sentir mal e percebeu que não se tratava de uma queixa isolada. 

A luta por direitos que a voz de Yara representa acumula denúncias no Ministério Público de Pernambuco (MPPE), na CPRH, Polícia Civil e Prefeitura de Ipojuca. “Numa noite, eu tive uma crise de tosse e vômito tão grande que acabei desmaiando no banheiro”, relembra. “Se a refinaria aumentar a produção, vamos ter um genocídio aqui”, alerta.  

Apesar do histórico de fortes odores, sensação de língua “pinicando”, garganta ressecada e ardência relatado por quem vive a poucos quilômetros da refinaria, os relatórios dos últimos anos vinham mostrando que a Rnest atuava dentro da legislação. Isso dificultava o aprofundamento das ações de contestação por parte do órgão ambiental e também do MPPE, segundo o que foi relatado à reportagem pelas respectivas autoridades.

Foto mostra fumaça densa que sai da Refinaria Abreu e Lima (crédito: Yara Marques)

No entanto, de acordo com a CPRH, entre os dias 25 de dezembro de 2020 e 13 de janeiro de 2021, foram identificadas emissões de gás sulfídrico acima do permitido. A substância (H2S), também chamada de sulfeto de hidrogênio, é perigosa, costuma afetar as mucosas do nariz, da garganta e dos olhos, causando irritações. 

A detecção foi feita através de um medidor instalado pela Petrobras em julho do ano passado no Condomínio Cupe, na Reserva Ipojuca, após muita reclamação da comunidade e de uma pactuação em audiência pública. A medição é de responsabilidade da refinaria e os relatórios são enviados quase diariamente à CPRH.  

Além do gás sulfídrico, as análises da época mostraram que caiu a qualidade do ar medida por uma estação de monitoramento em Ipojuca, que ficou com conceito “moderado”, o que pode já trazer riscos para quem tem mais sensibilidade.

Equipe da CPRH em fiscalização (crédito: CPRH)

Segundo o diretor de controle de fontes poluidoras da CPRH, Eduardo Elvino, o órgão já havia exigido que a Petrobras utilizasse um petróleo mais nobre, com menos enxofre, e fizesse adequação da planta. “O empreendimento já nos solicitou um aumento na quantidade de toneladas diárias de emissão de enxofre, mas não permitimos”, relembra Elvino afirmando que, caso o problema se repita, a agência pode solicitar que a refinaria faça novas adequações.

Desde 2014, ano da fundação, a implantação da Unidade de Abatimento de Emissões, chamada Snox, está parada na Rnest. Trata-se de um dos equipamentos mais importantes da planta, essencial para que o empreendimento possa produzir combustíveis sem enxofre. Como ela ainda não está em operação, em decorrência de problemas contratuais com empresas licitadas, a refinaria opera abaixo de sua capacidade desde a fundação.

A via crúcis da população

Yara Marques, técnica ambiental que mora perto da Refinaria Abreu e Lima, é símbolo da luta da população (crédito: arquivo pessoal)

Sem unidade básica de saúde na área, o que dificulta o acompanhamento e a vigilância em saúde, a população do entorno da Refinaria Abreu e Lima costuma recorrer à Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Infelizmente eles nos dão Tramal, Dipirona e nebulização, fazem exames de sangue e urina e nos mandam para casa sem um diagnóstico preciso”, detalha Yara Marques, que conseguiu abrir um inquérito na Polícia Civil.

Ela mora no Condomínio Cupe, onde está instalado o medidor de qualidade do ar da Petrobras. Da janela de casa, vê diariamente a fumaça preta que sai da Rnest e chega a atingir o centro de Ipojuca, onde ela trabalha. Em 2018, Yara resolveu fazer um documento reivindicatório e recolher um abaixo-assinado dos moradores. “Sai com minhas filhas e uma amiga de porta em porta durante dois dias. Levei para a promotoria, protocolei, mas a denúncia foi arquivada em menos de 15 dias por falta de indícios”, recorda a técnica ambiental.

Yara Marques, de vermelho à esquerda, em audiência pública com representantes da Petrobras, CPRH, MPPE e Prefeittura do Ipojuca (crédito: arquivo pessoal)

“Só depois o processo foi reaberto e, em 2019, tivemos uma audiência após uma reportagem no NETV (TV Globo) e a repercussão da morte da minha vizinha por insuficiência respiratória. Ela faleceu no dia 22 de janeiro daquele ano, quando várias pessoas deram entrada na UPA nesse período, inclusive eu. Fiquei debilitada e não pude nem ir ao enterro”, conta.

“Eles só falam que estão trabalhando dentro da normalidade. Mas que normalidade é essa em que a população é prejudicada? Se houvesse normalidade, não afetava a população”, contesta Yara sobre a obediência aos parâmetros que vem sendo apresentada pela Petrobras nos últimos anos.

Petrobras nega irregularidades

Em nota, a Petrobras disse que os “resultados verificados por meio de estações de monitoramento da qualidade do ar demonstram que a Refinaria Abreu e Lima opera estritamente dentro dos padrões ambientais estabelecidos pelos órgãos fiscalizadores. A refinaria opera normalmente e não há registro de nenhuma intercorrência na operação da unidade que possa colocar em risco a saúde da comunidade do entorno. A Petrobras monitora a qualidade do ar na região em tempo integral”. 

“A Petrobras informa, ainda, que irá apresentar defesa esclarecendo que atende os parâmetros da legislação nacional”, diz o texto enviado pela assessoria de imprensa. A Petrobras terá prazo de 20, após a notificação, para apresentar defesa administrativa perante o órgão ambiental.

MPPE relata falta de informações

Antes da mais recente autuação da CPRH, a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ipojuca já havia oficiado, a prefeitura do município e o Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Pernambuco (Ciatox), da Secretaria Estadual de Saúde, para que os órgãos avaliem a situação de saúde da população do entorno da Rnest. O objetivo é haver um estudo mais aprofundado para saber se há relação entre os problemas relatados e os gases emitidos pela Petrobras.

Em entrevista à Marco Zero Conteúdo na última segunda-feira (8), antes da notícia da multa do órgão ambiental, a promotora Márcia Amorim, que assumiu a promotoria em maio de 2019, explicou que ainda não há informações suficientes para dimensionar o problema. 

As diligências ainda estão em andamento e algumas não puderam ser feitas por causa da pandemia, o que vem atrasando o processo de apuração dos fatos. O MPPE não tem em mãos ainda, por exemplo, a perícia solicitada à Secretaria Municipal de Saúde do Ipojuca.

“Estamos procurando outras diligências e outros órgãos para tentar entender a situação. Mas temos dificuldades técnicas e se trata de uma questão nova”, comenta a promotora dizendo que o que tem em mãos ainda não permite fazer uma avaliação do que está acontecendo. Ela diz que também não encontrou ainda nenhuma reclamação, em outros territórios, que faça referência a odores que estariam prejudicando a saúde da população, ainda que as medições de qualidade do ar estejam dentro dos parâmetros legais.

A reportagem voltou a procurar a assessoria de imprensa do MPPE no início da tarde desta quarta (10), mas, até aquele momento, a promotoria de justiça do Ipojuca não havia sido informada nem havia recebido o parecer da CPRH. Já mais para o final da tarde, quando buscamos atualizações, o MPPE orientou que a reportagem faça uma nova consulta no prazo de 30 dias, “quando será possível informar as medidas tomadas com base nos novos fatos”.

Prefeitura do Ipojuca cobra CPRH

Procurada, a Prefeitura do Ipojuca se pronunciou através de nota. “A prefeitura acolhe as queixas da população da Vila do Estaleiro e cobra da CPRH, que é o órgão licenciador e fiscalizador da refinaria, um posicionamento ao longo dos anos”, diz o texto.

A gestão informou que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Controle Urbano (Semac), recebe denúncias dos moradores da Vila do Estaleiro e arredores desde o segundo semestre de 2019, mas que a competência da licença e a fiscalização ambiental estão a cargo do governo do estado, através da CPRH. A gestão diz ainda que já oficiou a CPRH, em 2019 e 2020, pedindo providências. Na época, foi informada pela agência e também pela refinaria que a operação estava dentro dos parâmetros ambientais exigidos.

A prefeitura em seguida montou uma tenda na Vila do Estaleiro para ouvir os relatos da população e as queixas sobre o odor e enviou o relatório ao MPPE e ao CPRH. A Marco Zero Conteúdo solicitou acesso a esse relatório, mas não recebeu até o fechamento da matéria.

Sobre a responsabilidade com a saúde da população, a Secretaria de Saúde do Ipojuca afirma que realizou capacitação em intoxicação exógena para os agentes epidemiológicos do município para identificação de casos quando houver compatibilidade clínica e história epidemiológica.

Também orientou a população a procurar os serviços de saúde com qualquer sintoma que julguem ser referentes a intoxicação por gás expelido pela refinaria. Contrariando o relato dos moradores da região, a prefeitura diz que há servidores com a atribuição de identificar esses casos e notificá-los (portaria 264 de 17/02/2020). 

No entanto, até hoje não há registros de intoxicação que se enquadrem clinicamente na definição de caso da ficha de notificação de intoxicação exógena do Sistema de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan).

Secretaria estadual não tem registro de casos

Procurado, o Centro de Informação de Assistência Toxicológica (Ciatox), da Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE), informou que já enviou resposta à promotoria de Justiça e se colocou à disposição do órgão em cooperar tecnicamente. Esse serviço é uma central de atendimento que atua remotamente no auxílio aos profissionais de saúde do atendimento especializado e na orientação da população em casos de intoxicações e acidentes com animais peçonhentos.

“Os pacientes em questão devem, então, procurar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) da sua área de domicílio como porta de entrada no serviço público. Após ser feita a avaliação pelo médico da UBS (história clínica, exame físico e laboratoriais), e após o médico considerar que o paciente apresenta alterações clínicas e/ou laboratoriais que sugiram a hipótese de intoxicação exógena, o profissional deve entrar em contato com o Ciatox”. Até o momento, segundo a SES-PE, não houve registro de casos.

Atualizado em 11/2/21, às 00h51

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com