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A Rede de Observatórios da Segurança divulgou, nesta terça-feira, 17 de junho, o boletim Além da Floresta, que traz um panorama sobre crimes e conflitos socioambientais no Brasil. O relatório aponta que, entre 2023 e 2024, foram registrados 41.203 crimes ambientais nos estados de Pernambuco, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
O boletim destaca que há um verdadeiro “deserto de informações” sobre crimes e conflitos socioambientais em todo o país. As secretarias de segurança pública não classificam a violência contra povos tradicionais como crime ambiental, o que compromete tanto a análise quanto o enfrentamento desses problemas. Além disso, os números não consideram os impactos gerados por ações legalizadas, como abertura de estradas, mineração autorizada, desmatamento para agropecuária e grandes empreendimentos que afetam diretamente tanto o meio ambiente quanto às populações vulneráveis.
Pernambuco aparece como um dos poucos estados que apresentaram informações detalhadas sobre os crimes ambientais e os conflitos fundiários. Segundo o relatório, foram registrados no estado 413 crimes contra a fauna durante o período analisado. No entanto, chama atenção o fato de que, oficialmente, nenhum dos registros realizados em 2023 e 2024 foi classificado como crime ambiental.
O estado também foi um dos únicos, junto com Pará e Piauí, a fornecer dados sobre conflitos fundiários. Aqui, esses conflitos foram registrados como motivadores de outros delitos, como homicídios, e não como crimes específicos, refletindo a ausência de uma tipificação legal adequada para esse tipo de violação. Pernambuco também foi o estado com o menor número de conflitos socioambientais registrados, com apenas duas ocorrências.
Apesar disso, Pernambuco apresentou uma queda de 32,04% nos crimes ambientais entre 2023 e 2024, a maior redução percentual entre os estados analisados. Ainda assim, essa diminuição não necessariamente reflete uma melhora real na proteção socioambiental, já que os dados são inconsistentes e não abrangem a totalidade dos conflitos e seus impactos.
No levantamento geral, os nove estados analisados apresentaram uma redução média de 2,94% nos crimes ambientais. Pernambuco e Amazonas foram os que apresentaram as maiores quedas, com 32,04% e 31,31%, respectivamente. Na sequência, Ceará apresentou uma redução de 23,82%, seguido da Bahia e Rio de Janeiro com, 11,26% e 9,93%, respectivamente. Maranhão e São Paulo foram os únicos a apresentarem aumento, 26,19% e 7,09%, respectivamente. Pará e Piauí mostraram relativa estabilidade com variações próximas a zero.
No entanto, especialistas alertam que essa queda pode estar mais relacionada à subnotificação e à falta de dados consistentes do que a uma efetiva melhora no cenário ambiental.
Entre os tipos de conflitos mais comuns no país estão o desmatamento (13% das ocorrências), a invasão de territórios de povos tradicionais (81 casos) e a violência direta contra essas populações (78 casos).
Na Bahia 87,22% dos crimes ambientais ocorridos em 2023 e 2024 foram contra a flora. Já no Amazonas crimes contra a fauna se destacaram com 58,78% dos casos. O Maranhão apresentou acréscimo de 26,19% do total de crimes ambientais de um ano para o outro, o maior aumento entre os estados monitorados. No Pará, os pesquisadores observaram crescimento de 127,54% nos crimes de incêndio em lavouras, pastagem, mata ou florestas. Já São Paulo registrou 246,03% a mais em registros de crimes de incêndio em mata ou floresta, sendo também o estado com o maior número de crimes ambientais – 17.501 casos.
Em todo o Brasil, foram identificados 34 casos de ameaças a lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhas, além de registros de extorsão, roubos e até homicídios relacionados a disputas por terra e recursos naturais.
A cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios, ressalta que a ausência de estatísticas oficiais robustas sobre os impactos socioambientais e a vitimização das populações tradicionais é uma falha grave do Estado. “Não é possível, em pleno avanço da destruição ambiental no Brasil, que não tenhamos dados rigorosos sobre os impactos sobre quilombolas, indígenas, ribeirinhos e outras comunidades”, alerta.
O boletim aponta ainda para uma baixa cobertura da mídia sobre crimes e conflitos ambientais. Entre 2023 e 2024, apenas 495 casos foram noticiados, o que corresponde a pouco mais de 1% dos crimes registrados oficialmente pelas autoridades de segurança.
O boletim foi divulgado a poucos meses da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 30, que será realizada em novembro, no Pará. O relatório indica que, embora haja avanços pontuais em alguns estados, o Brasil ainda enfrenta um cenário de apagamento institucional dos crimes ambientais e das violações contra povos tradicionais.
Diante do cenário crítico, a Rede de Observatórios da Segurança propõe uma série de medidas que possam contribuir para enfrentar os problemas relacionados aos crimes ambientais e às violações contra povos tradicionais. Uma das principais recomendações é a padronização dos dados coletados pelas secretarias de Segurança Pública e outros órgãos competentes. A ideia é que os registros passem a incluir, de forma clara e objetiva, informações sobre as vítimas pertencentes a povos e comunidades tradicionais, bem como a natureza dos delitos, se são ambientais ou não.
O relatório também defende a criação de órgãos públicos especializados no monitoramento e combate aos delitos cometidos contra povos tradicionais. Segundo os pesquisadores, isso se faz necessário porque esses crimes possuem características e especificidades que não são contempladas pelas estruturas tradicionais de segurança, tampouco pela legislação vigente, que não os enquadra adequadamente como crimes ambientais.
Por fim, a Rede aponta que a adoção de indicadores comparáveis entre os estados brasileiros seria fundamental para a formulação de políticas públicas efetivas. Esses indicadores permitiriam não apenas acompanhar a evolução dos crimes ambientais e dos conflitos, mas também forneceriam uma base sólida para ações de proteção ambiental e de defesa dos direitos dos territórios tradicionais.
“Leis como a de combate à violência de gênero não foram criadas de forma repentina; são frutos de muita luta, diálogos e embates para produzir mudanças relevantes tanto no campo da segurança pública como nas comunicações, levando os veículos de imprensa a compreender a importância de cobrir eventos inaceitáveis. São essas mudanças profundas que buscamos para os conflitos socioambientais”, concluiu Silvia Ramos.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.