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Resíduos de óleo ainda contaminam 467 localidades no Nordeste e no Sudeste

Mariama Correia / 10/01/2020

Cabo de Santo Agostinho, praia de Suape. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo.

Apesar da aparente limpeza, muitas praias que foram atingidas pelo derramamento de petróleo no Nordeste continuam contaminadas. De acordo com o boletim do Ibama divulgado esta semana, vestígios esparsos de óleo foram encontrados em pelo menos 467 localidades (áreas com até 10 quilômetros de extensão) nos nove estados da região, mais Espírito Santo e Rio de Janeiro. Nesses locais o nível de contaminação é de até 10% da área total.

Em Pernambuco, o Ibama encontrou vestígios de óleo em pelo menos 18 áreas, nas praias de Boca da Barra; Ponta da Gameleira; Janga; Ponta das Ilhotas; Várzea do Una; Praia do Porto; Nossa Senhora do Ó; Gaibu; Paiva; Mamucaba; Cupe; Suape; Abreu do Una; Ilha de Santo Aleixo e Ilha do Francês. Os riscos que esses resíduos representam para os ecossistemas e para os banhistas ainda não estão claros, embora o Governo Federal insista em dizer que as praias que já foram “limpas” das manchas de óleo estão próprias para banho.

Tentar entender os impactos dos resíduos de petróleo deixados na natureza é a tarefa que o SOS Mar iniciou nesta sexta-feira (10). Formado por pesquisadores da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), o grupo venceu um edital da Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco), no valor de R$ 10 mil, e vai estudar durante um ano os impactos do óleo nos ecossistemas.

“Vamos coletar dados e fazer análises químicas de organismos, algas e sedimentos das praias de Carneiros, Suape e Catuama. Essas áreas foram escolhidas por terem sido impactadas pelo petróleo e pela disponibilidade de estudos anteriores – o que facilita a comparação dos dados do antes e depois da tragédia ambiental”, explicou a pesquisadora Juliane Bernardi, que é pós-doutoranda em Oceanografia.

O fato é que, depois de cinco meses do aparecimento das primeiras manchas de óleo no litoral brasileiro, mesmo os pesquisadores que acompanham o caso desde o início ainda tentam entender todos os desdobramentos do desastre de proporções inéditas. Beatrice Padovani, do departamento de Oceanografia da UFPE, diz que, embora a maior parte do material tenha sido removida, as frações do óleo que não são facilmente vistas, porém ainda presentes nas praias, mangues e rios, têm efeitos tóxicos tanto para os banhistas quanto para organismos dessas regiões.

Em áreas onde o petróleo afundou, a pesquisadora lembra que o material pode ser remobilizado pelas marés e correntes, mantendo um ciclo de contaminação. É o que pode ter acontecido no Ceará, onde manchas de óleo voltaram a aparecer em dezembro passado.

Neste Verão, quando as praias do Nordeste são muito frequentadas pelos turistas, Beatrice recomenda aos banhistas que evitem o contato direto com fragmentos do óleo visíveis. “Devemos proteger, sobretudo, as crianças desse contato”, orienta. “Queremos que as praias estejam limpas, mas qualquer um que diga que todos os riscos do contato com esse material estão esclarecidos neste momento não está falando a verdade. Não dá para dizer nem que é possível frequentar as áreas atingidas sem qualquer possibilidade de intoxicação, nem o contrário”, avalia.

Praia limpa?

Itapuama, no município do Cabo de Santo Agostinho, Litoral Sul de Pernambuco, está na lista de 530 localidades impactadas pelo óleo que foram consideradas limpas pelo Ibama. Ou seja, nesses lugares não foram mais observados resíduos de petróleo. A informação oficial contrasta com o depoimento de Estevão Santos da Paixão, responsável pelo projeto de preservação ambiental Onda Limpa para Gerações Futuras. Ele conta que os fragmentos continuam aparecendo na praia, embora ações de retirada dos resíduos não estejam mais sendo feitas pelo poder público.

“Continuo recolhendo partículas de óleo na área da sede do projeto, que serviu de depósito dos resíduos meses atrás. A Prefeitura do Cabo, inclusive, despejou o material no terreno, que é particular, sem aviso prévio. Demoraram 15 dias para retirar 400 toneladas de óleo que estavam lá”, conta.

Na época, Estevão teve sintomas de intoxicação pelo contato com o produto tóxico. Sentiu dificuldade de respirar e precisou procurar atendimento médico. Ele disse que não está sendo monitorado pelo Sistema Público de Saúde. Estevão, que é muito atento aos sinais da natureza e conhece bem a praia de Itapuama, atribui a morte de dois coqueiros no terreno do projeto à contaminação do solo pelo petróleo. Inclusive, o espaço do Onda Limpa fica muito próximo a uma área de desova de tartarugas, e o ambientalista teme que os animais possam ser contaminados.

Estevão mostra pedações de óleo que recolheu na praia de Itapuama

“Não está sendo feito o monitoramento da toxicidade da área pelo poder público. Pedi apoio da CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente) e da Prefeitura do Cabo, mas estão ignorando a situação”, reclama. A CPRH informou que está apoiando as prefeituras na destinação dos resíduos de óleo, mas que a “primeira ação de verificação e armazenamento de resíduos oleosos encontrados na praia é de responsabilidade municipal.”

A Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco informou por nota que “ainda são necessárias ações de limpeza em pontos específicos no Litoral Sul e Norte, aonde é constatado um quadro de contaminação crônica com a presença de vestígios de petróleo fragmentados e dispersos, ora secos e aglomerados às areiase conchas, ora viscosos acompanhando a linha de praia”.

A secretaria reforçou que o trabalho de limpeza está sendo coordenado pelas prefeituras, com apoio técnico do Governo Federal, segundo a secretaria. A nota ainda informa que em Itapuama e nas praias de Xaréu (Litoral Sul) e do Janga (Litoral Norte), as rochas estão com óleo incrustado e que está sendo “estudada uma nova técnica para a limpeza, uma vez que o método com jato d’água não surtiu efeito.”

A Prefeitura do Cabo não respondeu nossos questionamentos até a publicação desta reportagem.

Destino dos resíduos

Como ainda há resíduos de petróleo nas praias, as operações de destinação do material continuam sendo realizadas. Até agora mais de cinco mil toneladas de óleo foram retiradas do litoral brasileiro, de acordo com o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), formado pela Marinha do Brasil (MB), Agência Nacional de Petróleo (ANP) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Apenas no Ceará, cerca de meia tonelada de petróleo foi retirada do litoral desde dezembro passado, quando uma nova mancha de óleo atingiu o estado. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente do município, ainda não se sabe se o material é o mesmo encontrado nos meses anteriores, mas a principal hipótese é a de que ainda seja resquício da massa de petróleo que começou a se espalhar pelo litoral brasileiro a partir de agosto do ano passado.

No Ceará, os resíduos de óleo estão sendo destinados a uma fábrica de cimento, onde são usados para abastecer fornos industriais.As cimenteiras têm sido o destino final do petróleo na maioria dos estados nordestinos. A exceção é Alagoas, onde o produto está sendo armazenado até a composição em uma central de tratamento.

As prefeituras são responsáveis pela limpeza das praias. Essas operações têm se mostrado falhas, como no caso de Itapuama e em outras situações, a exemplo de municípios da Bahia, onde o material tóxico chegou a ser armazenado em uma escola por algum tempo. O transporte para estações de tratamento é feito pelos estados e, em alguns casos, pela Petrobras. Em Sergipe, a petrolífera também tem atuado na gestão do material – desde o armazenamento temporário, transporte até o tratamento.

Em Pernambuco, entretanto, a Petrobras não assumiu o transporte dos resíduos, que é feito pelo Governo do Estado para a estação de tratamento Ecoparque. O governo paga à Ecoparque R$ 150 por tonelada de óleo. Até agora, nem a Petrobras, nem os governos locais foram ressarcidos pela União por esses custos, nem pelas ações de descontaminação das praias, como foi prometido pela Marinha.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).