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No dia seguinte à apresentação da denúncia que pede a cassação dos seus mandatos na comissão de ética da Assembleia Legislativa de Pernambuco, os deputados estaduais Clarissa Tércio (PSC) e Joel da Harpa (PP), enfrentaram um clima hostil na reunião da comissão de saúde e assistência social.
A reunião, cuja pauta deveria ser a atuação do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), acabou se transformando em ato de apoio à atuação da equipe da maternidade no caso do aborto legal da menina de 10 anos estuprada continuamente pelo tio. E serviu para dar ideia do isolamento enfrentado pela dupla de parlamentares evangélicos que, junto a grupos de fanáticos religiosos, expuseram e intimidaram tanto a criança quanto a equipe do hospital na tentativa de impedir o aborto legal autorizado pela Justiça.
Convidados para participar e dar suas versões dos fatos, o secretário estadual de Saúde, André Longo, e Socorro Cavalcanti, vice-reitora da Universidade de Pernambuco (UPE), instituição a qual a maternidade está vinculada, aproveitaram para demonstrar apoio ao obstetra Olímpio Barbosa de Moraes.
O médico, que também é diretor do Cisam, não se intimidou diante dos questionamentos de Clarissa Tércio e Joel da Harpa. Ele foi enfático: “Primeiro, era necessário ter sigilo. Essa criança já vinha sofrendo há mais de 2 semanas com procedimentos contrários à lei. Ela foi maltratada por forças políticas que não queriam que a família e a menina tivessem o tratamento adequado. Maternidade, unidade de saúde, não é lugar de deputado. Podia ser presidente da República, não entrava”.
O tom da intervenção de Joel da Harpa indicava o quanto ele percebeu o isolamento em que se encontrava. Cauteloso, disse que foi até a maternidade apenas para saber porque o aborto seria realizado em Pernambuco. “A documentação que veio da Justiça do Espírito Santo, a gente precisa ter acesso a ela. Qual é realmente essa decisão? Quem pagou essa vinda da menina?”.
Ao concluir, disse que entraria com pedido de informação ao Governo do Estado e, se fosse o caso, registraria queixa para que a Polícia Civil investigasse o episódio, esquecendo que o processo está sendo acompanhado pelo Ministério Público capixaba e que o sigilo de uma ação judicial envolvendo uma criança vítima de abuso não pode ser quebrado por parlamentares.
Clarissa Tércio manteve postura mais ofensiva, porém acabou revelando saber mais do que poderia sobre um caso mantido sob sigilo: “Considero vergonhosa a violação dos direitos daquela menina que estava no ventre sendo gerada, que já estava formada, pesava 600 gramas e tinha 23 semanas de gestação”. Em seguida, a deputada admitiu que tentou impedir o aborto e queixou-se porque, na condição de parlamentar, não pôde entrar no hospital. O obstetra, como visto acima, respondeu que os procedimentos dentro de uma unidade de saúde são decididos pela equipe de saúde.
A deputada Tereza Leitão (PT) não deixou passar a inconfidência da evangélica. Após citar as legislações que preveem o aborto em casos de estupro e que preserva a identidade da criança, a petista chamou a atenção para “a necessidade de se investigar quem vazou as informações, para quem vazou e com qual finalidade. E agora sou surpreendida com os detalhes de que o feto pesava 600 gramas, que era uma menina, que estava assim, estava assado. E onde se pegou essas informações? É bom incluir isso na investigação”.
O isolamento da dupla ficou claro quando o deputado Cleiton Collins, que apesar de também integrar a bancada evangélica e ser correligionário de Joel da Harpa, foi evasivo. Ele nem chegou a usar todo o tempo de fala (5 minutos para cada) e se resumiu a explicar que foi ao centro médico no domingo para verificar o que estava acontecendo, mas não tomou parte da ação dos grupos organizados contrários ao procedimento. Na defensiva, explicou que só ficou sabendo do tempo de gestação pela Rede Globo.
A julgar pelo que disse o deputado e ex-prefeito do Recife, João Paulo (PCdoB), Clarissa Tércio e Joel da Harpa vão enfrentar dificuldades nas próximas reuniões e no processo que irá tramitar na comissão de ética. “Alguns deputados envergonharam essa Casa ao desrespeitar a Constituição, desrespeitar o Código Penal, desrespeitar trabalhadores da saúde, desrespeitar uma criança a tachando de criminosa. Isso gerou insatisfação em muitos deputados. A Assembleia vai ter de tomar uma posição sobre esse caso”.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.