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Crédito: Andréa Rego Barros/PCR
Há aproximadamente um mês Pernambuco estava novamente em um pico da longa onda da pandemia do novo coronavírus. A média de novos casos explodia acima de 3.150 por dia, a mais alta no estado em toda a pandemia. As mortes diárias chegavam a 135, outro recorde. De lá para cá, o que se vê é uma queda gradual e lenta. Hoje, a média móvel de novos casos segue em queda, no patamar de 1.357. A média móvel de mortes despencou para 42 por dia. Esses dados podem ser reflexo do aperto nas restrições impostas a partir do final de maio.
Bastou a taxa de leitos de UTI – hoje, com ocupação em 73% – ter um respiro que o Governo do Estado iniciou uma nova flexibilização. É hora para amenizar as restrições? Teremos um novo período de baixa, como aconteceu no segundo semestre do ano passado? Ou ainda nos espera uma nova onda, antes que a vacinação atinja a maioria da população?
Para o estatístico e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Gauss Moutinho Cordeiro, não dá para dizer se teremos outra baixa nos próximos meses. Uma nova onda – ou novo pico – é o mais provável. “Por conta das aglomerações das festas juninas, as férias de julho, as novas variantes e o percentual ainda baixo de vacinados com as duas doses”, enumera.
Desde o início acompanhando diariamente os dados da pandemia em Pernambuco, o pesquisador e epidemiologista do Instituto para Redução de Riscos e Danos de Pernambuco (IRRD) Jones Albuquerque pontua que alguns dados comumente usados para definir o estado da pandemia podem não ser os ideais.
“Observamos uma ligeira queda nos índices clássicos como média móvel e taxa de reprodução. Entretanto, devemos observar que tais métricas parecem não ser realistas para medir o risco de estarmos em infecção e contaminação. Quando observamos outros dados, nós esperamos que tendam a subir novamente”, diz Jones, lembrando das medidas restritivas, que, mesmos parciais, refletem nos “índices clássicos”.
Um dado que permanece em alerta é o risco pandêmico tanto do Brasil quanto de Pernambuco, que não apresentam queda. Esse índice é utilizado apenas para acompanhar pandemias, sendo construído com base nos números de casos em cidades do mundo todo e calculado geometricamente em função deles. “É como se medíssemos quão ‘tracionado’ pela pandemia o Brasil e Pernambuco estão em função do número de casos aqui e no resto do mundo. O Brasil segue ‘esticado’, no máximo de tração, desde sempre. De setembro do ano passado a fevereiro, tivemos uma ligeira queda, e dito e feito, reacendemos tudo de novo”, diz.
No ano passado, Pernambuco passou de agosto a outubro do ano passado com ocupação de UTIs oscilando abaixo dos 70%. Em novembro já estava acima de 80%, chegando acima dos 90% em fevereiro, de onde só saiu nas últimas semanas, após filas de espera em março, abril, maio e junho. Nas coletivas de imprensa do Governo do Estado, a ocupação das UTIs sempre é colocada como um parâmetro para a abertura ou restrição das atividades econômicas.
Em release divulgado para a imprensa hoje, por exemplo, o Governo do Estado “comemora” a ocupação de de leitos de UTI, que diz estar em 71%, “menor índice registrado desde novembro do ano passado. O número de pessoas em leitos de terapia intensiva recuou para o mesmo patamar de 100 dias atrás, e não há fila de espera por assistência”, diz a publicação.
Colocar a ocupação dos leitos de UTI como um dado para a reabertura da economia é considerado um erro por especialistas. “Porque estamos observando o fim do ciclo da doença, quando o paciente chega a ocupar um leito de UTI. O risco de se adotar essa medida é que podemos levar as pessoas a óbito. Esperamos toda a infecção e,aí sim, começamos algumas medidas para frear a ocupação dos leitos, e não a infecção em si. É uma estratégia que o Brasil como um todo tem adotado. Em outros países, é com dados da infecção, tentando evitar ao máximo os óbitos”, explica Jones.
Segundo análise do grupo CoronaVírus Brasil, na semana entre 14 e 20 de junho, as mortes no mundo por covid-19 caíram 12%, mas subiram 7% no Brasil. Novos casos de contaminação sofreram retração de 6% na média mundial, já no Brasil, um salto de 11% no número de novos infectados.
O Brasil segue com a vacinação em ritmo lento, com menos de 13% da população vacinada com as duas doses. A variante Delta, que tem provocado surtos até em países com alto percentual de vacinados, tem se provado resistente à primeira dose. Só com a segunda é que a imunização é eficiente contra a cepa, identificada originalmente na Índia e hoje já presente em pelo menos 85 países.
Israel, que vacinou mais de 60% da população duas doses, voltou a exigir máscara em locais fechados, dez dias após retirar a exigência. Considerada muito mais transmissível ( até 60% mais), ainda não há indicação de que a Delta produza uma infecção mais severa.
Para Jones, países que se dedicaram a mitigar o vírus, e não a conviver com ele, estão colhendo hoje melhores resultados, mesmo diante das novas variantes. “Os países que estão em área verde têm fôlego de até dois meses para adotar medidas para não ir para vermelho. O Brasil em vermelho mostra que o país não tem tempo algum para tomar medidas de prevenção. Todas as medidas são para tentativas para remediar: ampliar leitos, abastecer oxigênio, essas são medidas de contenção, e então de prevenção. Hoje, os países que investiram em prevenção têm vida econômica, social e sanitária muito melhor que o Brasil”, diz.
Mesmo com a expectativa da vacinação acelerar o ritmo nas próximas semanas, as outras medidas de prevenção devem ser mantidas até o fim da pandemia. “Uma nova variante muda tudo em qualquer previsão. Por exemplo, quem esperaria que o número de novos infectados no Reino Unido começaria a crescer em 27 de maio passando de 2.773 casos neste dia para 19.021 casos ontem? Esse aumento decorreu por conta da Delta, que responde por 99% dos casos combinada pelo relaxamento das máscaras”, alerta o professor Gauss Cordeiro.
No Brasil, já foram identificados duas mortes relacionadas à variante Delta. Alguns países adiantaram de 12 para oito semanas o espaço de tempo entre as duas doses da maioria das vacinas. Para a cientista Mellanie Fontes-Dutra, acelerar as doses deve ser uma decisão pensada pelos órgãos de saúde pública. “Porque vacinaríamos mais gente com duas doses, mas a variante P1 segue sendo a predominante no Brasil. Independente do caminho, deve ter estratégia e coordenação”, diz.
Com vacinação lenta, sem restrições alfandegárias e ainda em alto risco pandêmico, o Brasil – e Pernambuco – seguem na contramão do mundo. “Isso tudo sugere que seremos inundados por novas variantes e sofrermos novos picos de infecção e, mais uma vez, não estaremos preparados. O Brasil está com 70 mil, 80 mil novos casos confirmados por dia. Isso é muito sério. Ao que tudo indica, sofreremos ainda mais com a covid-19”, afirma Jones.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org