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Sarí depõe depois de um ano e defesa alega que ela tentou cuidar de Miguel

Giovanna Carneiro / 15/09/2021
Coletiva após a segunda audiência com ouvida de Sarí Corte Real

Crédito: Giovanna Carneiro/MZ Conteúdo

Por volta das 8h40 da manhã, Sarí Corte Real chegou ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente (Cica) para prestar o seu primeiro depoimento no processo que a acusa de abandono de incapaz com resultado de morte. A audiência, que marca o fim do período de instrução do processo, começou por volta das 9h30. Além de Sarí, foi ouvida uma trabalhadora doméstica funcionária da família da acusada pela morte do menino Miguel. O psicólogo Carlos Costa Júnior também foi convocado pela defesa para depor, mas, depois de um pedido dos advogados de Mirtes, o juiz José Renato Bizerra decidiu anular o depoimento.

Esta foi a primeira vez que Sarí prestou depoimento, depois de um ano e três meses da morte de Miguel Otávio, de cinco anos, em que caiu do nono andar de um prédio após ser deixado sozinho em um elevador. A criança estava sob os cuidados da patroa de Mirtes enquanto ela passeava com o cachorro da família.

“No próprio corpo da acusação diz que Sarí tentou por cinco minutos convencer a criança a sair do elevador e voltar para o apartamento. Cinco minutos é uma eternidade. Ele sai de um elevador para outro e Sarí atrás […] Então, isso não é abandono de incapaz, pelo contrário, revela o cuidado que ela teve”. Esse foi a declaração dada pelo advogado de defesa, Célio Avelino, na manhã desta quarta-feira, 15 de setembro, em frente ao Cica, localizado no centro do Recife.

A audiência durou cerca de 2 horas e terminou por volta das 11h35. Sarí deixou o CICA em um carro com vidros fumê e não falou com a imprensa. Mirtes e seus advogados seguiram para uma coletiva de imprensa no Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP).

De acordo com Mirtes, a defesa de Sarí Corte Real tenta culpar o próprio Miguel pela sua morte, alegando que a mãe não soube educá-lo. “Fiquei muito chateada com a estratégia de defesa querendo tirar a culpa dela (Sarí) e ainda querer colocar em mim, questionando a minha educação, a educação que eu dava ao meu filho, que minha mãe dava. Eles falam de uma forma como se eu fosse a pior mãe do mundo, se eu fosse a pior mãe do mundo não estaria aqui lutando para que ela seja responsabilizada pela morte do meu filho”, declarou.

Célio Avelino negou a culpabilização da criança por parte de sua cliente. “Em nenhum momento Sarí procurou culpar A, B ou C do fato, foi um acidente, como diz a perícia. Miguel era uma criança traquina como toda criança naquela idade, ele era um menino ativo, com energia como toda criança”, disse o advogado. Questionado sobre quais são expectativas para a condenação, Célio afirmou que espera que a justiça seja feita e que Sarí seja inocentada. “Toda conduta de Sarí está filmada, está periciada, os próprios peritos disseram que o caso foi acidente”, declarou.

Sociedade civil continua pedindo justiça

Ato #JustiçaPorMiguel durante a segunda audiência com ouvida de Sarí Corte Real

Crédito: Giovanna Carneiro/MZ Conteúdo

Enquanto Sarí Corte Real prestava depoimento e Mirtes acompanhava a audiência com seus advogados, familiares de Miguel, representantes de movimentos sociais e sociedade civil faziam um ato pacífico em frente ao Centro Integrado da Criança e do Adolescente (CICA).

“É importante ressaltar o racismo que está atravessado nesse caso, porque a defesa de Sarí tenta separar a vida de uma criança que é passiva de cuidado e a vida de uma criança que é passiva de abandono. Eles tentam desumanizar Miguel, tornar Miguel uma criança negra, de cinco anos, responsável pelos seus próprios atos. Por que os filhos dela (Sarí) são passíveis de cuidado? Por que os filhos dela e das amigas dela devem ser cuidadas e Miguel pode ser deixado no elevador? ”, declarou Igor Travassos, da Articulação Negra de Pernambuco.

De acordo com o advogado de Mirtes, Rodrigo Almendra, que acompanhou a audiência desta quarta-feira (15), o depoimento da trabalhadora doméstica convocada pela defesa evidencia ainda mais essa tentativa de atribuir a culpa a Mirtes e a Miguel. “As declarações prestadas pela testemunha foram na mesma direção de outras testemunhas já trazidas pela defesa. Uma tentativa de demonizar Miguel, mostrar que ele é diferente de outras crianças e tinha um comportamento mais rebelde do que o esperado, como se houvesse um patamar em que Miguel fosse excessivo, e que sofreria de uma criação abusadora, colocando uma responsabilidade em Mirtes e Marta, no sentido de serem péssimas mãe e avó, incapazes de criar Miguel”, disse o advogado.

Os advogados que acompanharam Mirtes afirmaram que Sarí se recusou a responder as perguntas feitas pela acusação e só respondeu o que foi questionado pelo juiz. A advogada Maria Clara D’ávila, que presta assessoria jurídica à Mirtes, declarou que mesmo se negando a responder as perguntas da acusação, durante o seu depoimento, Sarí disse, mais de uma vez, que não era racista e se colocou como vítima, afirmando que estava sendo ameaçada pela mídia e por parte da população.

Maria Clara D’ávila afirmou, ainda, que os advogados de Mirtes protocolaram um parecer jurídico, preparado pelo jurista Miguel Reale Júnior. De acordo com a advogada, o documento “aponta como os fatos, a sociedade, os movimentos sociais, a opinião pública e a mídia é capaz sim de interpretar esses fatos (que constam no processo) de acordo com o que a lei prevê e nós (Mirtes e advogados) não estamos buscando nada além disso”.

Andamento do processo

A audiência desta quarta-feira (15) marca o fim da fase de instrução do processo, que até agora ouviu oito testemunhas arroladas pelo Ministério Público de Pernambuco e seis testemunhas de defesa, de forma presencial e remota.

Finalizada a instrução, o Ministério Público de Pernambuco e os assistentes de acusação e defesa devem apresentar as alegações finais. Só então é que o juiz pode proferir a sentença. O prazo para a apresentação das alegações é de cinco dias, mas, de acordo com a advogada Maria Clara D’ávila, o promotor do MP-PE solicitou que o prazo seja estendido e a nova data ainda não foi definida. Apesar das dificuldades no desfecho processo, os advogados de Mirtes acreditam que a sentença deve sair ainda este ano.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.