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Se o amor não morre o poeta também não pode morrer

Giovanna Carneiro / 14/01/2022
Japa

Andreyvson Richard da Silva, conhecido como Japa. Crédito: Arquivo Pessoal

“Eu acho que é sobre isso, transformar o luto em luta”. As palavras de Adelaide Santos poderiam se referir a diversos casos de violência e racismo que aconteceram em Pernambuco nos últimos anos, mas, dessa vez, foram usadas para falar sobre a morte de um amigo e companheiro de arte.

Poetisa e integrante do coletivo Boca no Trombone, Adelaide acompanhou de perto a trajetória artística de Japa Rua, nome artístico de Andreyvson Richard da Silva, jovem negro assassinado no final da noite do dia 6 de janeiro, na rua Mamede Simões, área central do Recife.

Com apenas 25 anos de idade, Japa participava ativamente das manifestações culturais da cidade e se tornou uma figura conhecida do movimento hip hop através de suas rimas e poesias. Além de participar das batalhas de rima e dos encontros culturais, o jovem poeta recitava nos transportes públicos a fim de conseguir uma renda.

A partida precoce de Japa deixará uma lacuna não apenas para o movimento hip hop, mas também para toda a cultura do Recife, que perdeu um poeta ávido e “cheio de luz”, como relatam os amigos e artistas que conviveram com ele. “As pessoas precisam ver a dimensão da cultura, do hip hop e da poesia de Pernambuco e saber o quanto Japa estava presente nesses movimentos”, afirmou Tuca Duarte, integrante do coletivo de arte Point Bomb.

Atravessando a cidade com sua arte

Morador de Jaboatão dos Guararapes, Japa fazia questão de se deslocar até o Recife, sejano Centro ou nas áreas periféricas da cidade, para participar das ações sociais e culturais e, assim, tornou- se conhecido por muitos.

Sua participação no recital Boca no Trombone, que acontece no bairro de Águas Frias, na Zona Norte do Recife, teve início em 2018 e, em pouco tempo, o artista ganhou destaque entre os poetas graças às suas palavras de evocação ao amor. Em um contexto de violência das periferias da cidade, Japa resolveu confrontar a dor daquela realidade e pregar a paz.

“No Boca no Trombone a gente tem muita poesia de protesto, porque a gente ‘tá’ na favela e muitas vezes falamos sobre a violência, e Japa trouxe uma calmaria que fez uma grande diferença para o movimento, porque ele veio mostrar que a gente podia falar de amor, todas as poesias dele falavam muito sobre o afeto, sobre ser mais paciente. Ele sempre foi muito pacífico”, afirmou Adelaide Santos.

“Japa sempre teve papos muito interessantes sobre tudo. Era um menino muito tranquilo, alegre e através da poesia ele pregava muito a questão do amor, do afeto e da paz”, reforçou Tuca Duarte.

Arte em homenagem a Japa / Crédito: Adelson Boris

Basta ler ou ouvir uma das poesias de Japa para compreender os depoimentos de suas amigas. Confira o trecho de uma delas:

Pensei que não brilhava, até que olhei pro céu.

Estava me decompondo, mas hoje estou vivo.

O mundo era cinza, até me deram tintas e um pincel

Andando certo com errado.. Sim

Mas porque aceito que não consigo ser perfeito

.Antes eu queria ter sorte

E hoje eu sou meu próprio amuleto

Paz.

Comoção e revolta

Graças a sua vida e sua trajetória artística, a maneira como Japa foi assassinado chocou a todos. O artista foi esfaqueado após uma discussão que ocorreu em uma bar da rua Mamede Simões, conhecida por ser um ponto de encontro de jovens do Recife. Na ocasião, Japa estava acompanhado de seu amigo, e também artista de rua, Teteu Batatinha.

Teteu, que está extremamente abalado com o que aconteceu, afirma que fará de tudo para manter viva a memória do amigo e seguirá lutando por justiça.

Nas redes sociais, amigos e integrantes dos coletivos sociais que Japa fazia parte se revoltaram com a falta de comoção que o caso teve e muitos afirmaram que se o ocorrido envolvesse uma pessoa branca a repercussão seria diferente.

“O caso só gerou comoção a partir da nossa incessante tentativa de trazer visibilidade ao fato, porque a gente começou a publicar nas redes sociais, já que ninguém tinha comentado sobre o ocorrido. As publicações que a gente viu no Twitter sobre o que aconteceu eram de pessoas falando que elas não podiam mais beber em paz nem curtir o rolê. Então, a gente vê como não somos bem-vindos ali [na Mamede], os nossos corpos geram um descontentamento, um estranhamento e não gera nenhuma comoção”, afirmou Tuca Duarte.

Não demorou para que os amigos de Japa se unissem em um movimento de cobrança por justiça e também em busca de acalanto diante da dor causada por seu assassinato. “Depois da morte de Japa eu tenho notado uma forte união em busca da justiça social, vários movimentos se uniram por ele, pessoal do grafite, da música, do hip hop em geral, a gente conseguiu se unir através do luto e só uma pessoa muito querida como ele pode fazer isso”, disse Adelaide Santos.

Um ato em homenagem a Japa e para cobrar justiça pelo seu assassinato estava marcado para acontecer na rua Mamede Simões, porém, os organizadores preferiram mudar o local da manifestação.

“Pessoas negras do movimento hip hop não se sentem seguras e acolhidas nesse espaço [Mamede], porque a gente vê a diferenciação quando está lá, a gente sente que a rua não foi feita para nós, pessoas negras, dos movimentos sociais, pobres, então a gente não pode fazer a homenagem a Japa em um lugar onde ele não era representado e nem a gente”, afirmou Tuca.

Ao invés do ato na Mamede, integrantes dos coletivos de arte e amigos de Japa optaram por realizar um sarau em memória do artista. O encontro aconteceria nesta sexta-feira, às 17h, na rua Bulhões Marquês, na Boa Vista, – conhecida como “beco do poeta”, e contaria com recital de poesias, distribuição de livros e a elaboração de uma pintura no muro de um dos bares frequentados por Japa, mas foi adiado devido as chuvas intensas. A nova data de realização do sarau será divulgada em breve.

“Ele era um poeta e nada melhor do que homenagear ele no lugar em que ele se sentia confortável e onde ele era amado e acolhido por todos”, ressaltou Tuca Duarte.

Até o momento, ninguém foi preso pelo assassinato de Japa. Em nota enviada à Marco Zero, a Polícia Civil de Pernambuco afirmou que registrou a ocorrência do homicídio, mas não deu nenhum detalhe das investigações, apenas declarou que “o autor teria desferido golpes de faca na vítima e fugido em seguida. As investigações foram iniciadas e seguem até elucidação do crime. Caso segue em investigação pela 1a DPH/DHPP”.

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Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.