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Crédito:Alice Mafra/Prefeitura de Olinda
É carnaval, mas não há festas nas ruas, não há música alta, não há desconhecidos se abraçando nas ladeiras. Por conta da alta da pandemia da covid-19, mais um ano se passa sem que a maior festa popular brasileira seja realizada. Para os foliões, tristeza e frustração. Para quem tem no carnaval a maior fonte de renda do ano, os sentimentos se multiplicam. Com o decreto que proíbe festas e shows, privados ou públicos, com qualquer quantidade de pessoas, durante o que seria a folia de momo, milhares de pessoas perderam a fonte de renda.
Não há dúvidas de que o cancelamento foi uma decisão acertada do ponto de vista epidemiológico. As prefeituras de Olinda (R$ 3 milhões) e Recife (R$ 10 milhões) e o Governo do Estado (R$ 6,3 milhões), pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), vão conceder auxílios para artistas e grupos culturais.
Mas nenhum centavo vai estar disponível neste carnaval.
Para Nilo Oliveira, diretor da Associação de Maracatus de Olinda, não há nada de novo nisso. “O governo sempre pagava um ou dois meses depois do carnaval”, lembra. A diferença nesses dois últimos anos é que também não há as festas privadas, que garantiam o dinheiro na hora, a gordurinha no orçamento para o ano todo. “A gente estava com apresentação marcada em várias festas privadas, que pagam de imediato. Mas entendemos a situação da pandemia”, lamenta.
O mais complicado é que, para muitos grupos populares, não se trata só da festa, argumenta Nilo. Maracatus, caboclinhos, tribos de índios, escolas de samba, entre outros, têm profundas conexões culturais com as comunidades. Os ensaios, as aulas, a confecções de adereços e roupas servem para fortalecer pactos sociais.
“Os jovens das comunidades estão ociosos, muitos indo por caminhos errados. Temos projetos sociais, não é só festa. Um maracatu envolve de 40 a 200 pessoas, e suas famílias. É o ano de todo de gastos. O auxílio é uma ajuda, mas não dá conta da nossa função”, acredita Nilo. “Daqui da minha janela de casa, em Peixinhos, olho para rua e não tem um barulho. É uma tristeza”, diz.
A prefeitura de Olinda disponibilizou neste ano R$ 3,5 milhões para o auxílio de artistas, agremiações, grupos e ambulantes. O projeto de lei, enviado no dia 11 de fevereiro para a Câmara de Vereadores, já foi sancionado e a informação que tem sido repassada para os beneficiários é de que o pagamento já começa semana que vem.
Por nota, a Prefeitura de Olinda não confirma o pagamento rápido, mas afirma que “o projeto foi votado, aprovado e sancionado pelo prefeito da cidade, Professor Lupércio. Agora, será iniciado, na próxima semana, o processo de inscrição das agremiações e artistas que se apresentaram no último carnaval. Cada uma deve apresentar a documentação para que o dinheiro seja liberado. A regra serve também para os ambulantes”.
Filho do maestro Oséas e administrador da orquestra de frevo comandada pelo pai, Robson Leão lamenta que as regras para receber o auxílio não sejam tão claras. “Não tocamos em 2020 porque nos colocaram em horários que não poderíamos ir, e aí não recebemos o auxílio no ano passado. Neste ano, disseram que a orquestra iria receber, mas ainda não temos certeza”, conta.
Durante o período em que as festas e os shows estavam liberados, a Orquestra do Maestro Oséas conseguiu fazer várias apresentações, para se manter. “Mas para juntar dinheiro, não. Isso só no carnaval, que é quando a gente consegue algum dinheiro para aguentar o ano. São 30 dias tocando, 15 dias sem parar”, afirma Robson. “É horrível, horrível não ter carnaval. Mais pela festa em si do que pelo auxílio, que ajuda, mas não se compara”, completa.
O auxílio do Governo do Estado/Fundarpe só deve ser pago em abril. E ficou de fora a cadeia produtiva do carnaval que fica nos bastidores, como aderecistas e costureiras. Como nos projeto de Olinda e do Recife, só quem participou dos carnavais anteriores está incluído no auxílio, que conta no total com R$ 6,3 milhões. Um das novidades deste ano, nos três projetos de lei de auxílio carnaval, é uma menor carga de burocracia, que foi apontada pelos entrevistados da MZ.
Há uma expectativa de que aconteça uma espécie de carnaval fora de época quando a pandemia ceder. O anúncio do Plano Recife AMA Carnaval, da Prefeitura do Recife, que tem auxílio para artistas e outros trabalhadores do carnaval, inclusive sugere isso. Apesar do lançamento ter sido em janeiro e o projeto de lei ter sido aprovado no dia 15 de fevereiro pela Câmara dos Vereadores, somente nesta sexta-feira (25) foi publicado no Diário Oficial.
A Marco Zero perguntou à prefeitura sobre a previsão de lançamento do edital e do pagamento do auxílio de carnaval, mas a nota enviada afirma apenas que “serão contemplados desde agremiações e atrações artísticas que participaram de edições anteriores da festa, em 2019 ou 2020, até brincantes envolvidos nos concursos carnavalescos, entre outros trabalhadores que atuam na programação cultural de Momo. Atrações e coletivos, como agremiações da cultura popular, terão direito a 100% da subvenção ou cachê (valor unitário) recebido pela participação na programação”.
A nota segue afirmando que na categoria de beneficiários individuais, será pago um valor fixo, tendo como referência um salário mínimo. “A iniciativa representa mais do que o triplo do valor injetado nas cadeias culturais no mesmo período do ano passado, quando o poder público municipal investiu R$ 4 milhões para reduzir o impacto deixado pelo primeiro cancelamento dos festejos carnavalescos da história da capital pernambucana”, afirma.
Para Rominho, músico da banda Som da Terra, a ideia de ter um edital com o compromisso posterior de uma festa fora de época pode ser complicado. “Porque você paga um música contratado hoje e na hora ele não consegue, aí vai ter que pagar outro. Mas vamos esperar o edital sair para ver como vai ser”, diz. “Muitos músicos já venderam ou estão vendendo os instrumentos e aparelhos e partindo para outras profissões. Virando vendedores de porta em porta, motoristas de aplicativo”, acredita.
O prefeito do Recife, João Campos, já afirmou que pode haver carnaval fora de época em maio, junho ou julho. Para Robson Leão, a expectativa agora é só pelo São João. “Se a pandemia estiver estabilizada, vai ser o nosso carnaval”. Nilo Oliveira prefere ir passo a passo. “Estou vivendo o hoje. O amanhã estamos sempre sendo pegos de surpresa”.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org