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Sem pedir licença, ele chega e muda vidas

Inês Campelo / 24/08/2017
“A gente sempre acha que nunca vai acontecer com a gente. Sempre acha que os outros podem ter e que a gente está imune a qualquer coisa”

SELO Além do vírus QO clichê otimista em relação ao risco é o que orienta o comportamento de milhares de pessoas que vivem com o HIV e não sabem. Era também como pensava Daniel Fernandes, 32 anos, Youtuber, idealizador do canal Prosa Positiva. “Quando você começa um relacionamento sempre vai com aquela ideia de antigamente de que uma pessoa soropositiva é magra, tem cara de doente e coisa e tal e todas as pessoas que me envolvi tem aparência de saudável. Você olha pra mim, por exemplo e não vai falar que eu sou soropositivo, porque HIV não tem cara”.

O resultado positivo de Daniel aconteceu há 7 anos, mas ele desconfia que se contaminou há 11. “Apesar de achar que nunca ia acontecer comigo, aconteceu. Com quem foi que eu peguei? Não interessa, já peguei. Não posso culpar a pessoa já que fui negligente também. Preferi não me ater a isso e cuidar da minha vida. Mas quando soube do meu resultado procurei todas as pessoas com quem me relacionei nos últimos 7 anos para alertá-las”, conta. Daniel também resolveu alertar outras pessoas para o comportamento de risco que pode levar à contaminação. Para isso, criou um canal no Youtube que fala de prevenção e da importância de um diagnóstico precoce.

Daniel Fernandes, , idealizador do canal Prosa Positiva

Daniel Fernandes, idealizador do canal Prosa Positiva

Com os avanços da medicina nas últimas décadas e com acesso e adesão ao tratamento, que é custeado pelo Estado, as pessoas infectadas podem levar uma vida igual à de quem vive sem o HIV, mas isso não significa que não vá enfrentar desafios, principalmente o preconceito, que é um problema unânime nos relatos de quem vive com o vírus. A preocupação é ainda maior com os jovens que – em nome da liberdade sexual – se arriscam em relações sexuais sem prevenção e são hoje a faixa etária que mais contrai o vírus.

Das 5.700 novas infecções por HIV em 2015, 35% ocorreram entre jovens de 15 a 24 anos, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS)

A taxa de detecção de casos entre jovens, homens, de 15 a 19 anos quase triplicou entre 2006 e 2015, de 2,4 para 6,9 casos por 100 mil habitantes. Na faixa etária entre 20 e 24 anos, dobrou de 15,9 para 33,1 casos por 100 mil habitantes. Estima-se que cerca de 830 mil pessoas vivem com HIV no Brasil, segundo o UNAIDS, com base nos dados de março de 2016. Mais de 30 mil, em Pernambuco, de acordo com o Ministério da Saúde, em 2015. A taxa de mortalidade também é grande, hoje morrem duas pessoas por dia em consequência da Aids, em Pernambuco.

Os dados do Ministério da Saúde estimam que 112 mil brasileiros vivam sem saber que têm o HIV. Outros 260 mil já sabem, mas não fazem tratamento. Em 2014, o UNAIDS criou uma meta para acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública. O 90-90-90 objetiva que, até 2020, 90% de todas as pessoas vivendo com HIV conheçam seu estado sorológico positivo para o vírus, 90% de todas essas pessoas diagnosticadas tenham acesso ao tratamento antirretroviral, e que 90% de todas as pessoas em tratamento tenham carga viral indetectável.

Diálogo

Falar sobre sexo na família e na escola, orientar principalmente os jovens sobre prevenção das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), certamente é uma atitude mais coerente do que criticar a “liberdade sexual”, o uso de redes sociais que estimulam os encontros casuais ou até mesmo o Viagra. “Não podemos falar em desinformação, porque hoje em dia as pessoas sabem o que é HIV e AIDS. Ao mesmo tempo, os números crescem. Talvez a falta de propaganda adequada seja parte do problema, já que só vemos durante o Carnaval, e o excesso de informação sobre os avanços do tratamento que melhoraram muito a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV tenha levado as pessoas a baixarem a guarda em relação a prevenção”, explica o médico infectologista Demetrius Montenegro.

“A pessoa que vive com HIV não vai ter nenhuma privação em relação a quem não vive com o vírus, mas viver sem ainda é melhor”, comenta o médico. Ao contrário dos anos 90, quando as primeiras drogas para controlar o vírus surgiram, com efeitos colaterais devastadores, a medicação atual apresenta menos desconforto e mais eficácia. Desde 1996, o Ministério da Saúde custeia todo o tratamento mas a adesão ainda é baixa, assim como é alta a resistência em fazer o exame.

De acordo com o relatório anual sobre o estado da epidemia global de HIV/AIDS, da UNAIDS, divulgado no último 20 de julho, mais de dois terços das pessoas vivendo com HIV conheciam seu estado sorológico positivo em 2016. São 36,7 milhões de pessoas vivendo com HIV no mundo. Cerca de 77% delas estavam em tratamento e 82% das pessoas em tratamento tiveram a carga viral suprimida. Ainda segundo o relatório, não há espaço para comodismo. Ter 53% de todas as pessoas que vivem com HIV em terapia antirretroviral (TARV) significa dizer que os outros 17 milhões de pessoas com HIV não estão em tratamento.

Apesar de ainda ser um país de baixa renda, o Brasil tem uma das maiores coberturas antirretrovirais. Isso significa que cerca de 64% das pessoas vivendo com HIV estão em tratamento, segundo dados do Ministério da Saúde, enquanto a média mundial é de 46%, segundo o UNAIDS. Ainda de acordo com esses dados, cerca de 90% das pessoas em tratamento estão com a carga viral indetectável, que é quando a pessoa tem uma quantidade do vírus mínima no organismo diminuindo em mais de 95% as chances de contaminação.

AUTOR
Foto Inês Campelo
Inês Campelo

Formada em Jornalismo pela Unicap. Apaixonada pela fotografia, campo que atua profissionalmente desde 1999. Atualmente é freelancer e editora de imagens do Marco Zero.