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Foto externa das obras do parque da Tamarineira. A imagem mostra uma área urbana ao ar livre durante o dia. Um céu claro e árvores verdes estão ao fundo. Uma cerca verde de construção está em primeiro plano, separando a calçada da rua de um local de construção ou renovação. O local contém terra e detritos, com algumas estruturas de tijolos visíveis. Edifícios altos podem ser vistos ao fundo, além das árvores. Parece ser um dia ensolarado e a calçada adjacente à cerca está bem mantida e limpa.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Serviços de saúde mental poderão continuar na Tamarineira?

Maria Carolina Santos / 19/04/2024

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Desde que começaram as obras do parque Tamarineira os funcionários do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano e do Centro de Prevenção Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo (CPTRA) estão em espera. Com o início das obras, sem diálogo algum, se tornou evidente que não há intenção da prefeitura do Recife em conciliar um parque em um bairro de classe média com o atendimento médico e psicológico a pessoas com doenças mentais.

Na semana passada, em uma reunião com gestores da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), os servidores do Centro de Prevenção Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo (CPTRA) foram comunicados que, eventualmente, terão que se mudar. Não foi informado para onde, nem quando. No Ulysses Pernambucano, o fechamento ou a saída do casarão histórico também é dada como certa pelos funcionários, ainda que não haja nenhuma comunicação oficial.

A construção de mais um parque na zona norte é uma ideia que atravessa mandatos de vários prefeitos. Mas, em 2011, a coisa começou a engrenar quando a gestão de João da Costa fez um concurso para escolher um projeto de arquitetura e paisagismo para o futuro parque. O projeto vencedor foi do escritório de arquitetura Luciana Raposo, mas passou anos engavetado.

Era um projeto grandioso. Tinha de labirintos a cafeteria e restaurante, uma praça na Avenida Norte (onde hoje funcionam três lojas), preservação da mata, fontes d’água, playgrounds, campo de futebol. O casarão histórico, que precisa urgentemente de uma reforma, viraria um complexo cultural. No projeto original, tudo isso funcionaria em harmonia com um “complexo hospitalar”, com emergência psiquiátrica e a manutenção do CPTRA.

“O hospital continuaria funcionando, mas não exatamente naquele edifício histórico, seria deslocado para a rua Cônego do Barata e seria só para atendimentos mais agudos, de acordo com as mudanças da política de saúde mental”, conta a arquiteta Luciana Raposo, do escritório que ganhou o concurso. “Recentemente, a prefeitura veio com o resgate do projeto para poder construir apenas na parte da frente do hospital”, diz ela. Um dos arquitetos que participou do projeto está hoje na Emlurb, acompanhando a execução da obra.

“O projeto era para ser uma grande ode à saúde mental. A própria ideia de se ter labirintos era para se perder para se achar, sabe? Também deveria haver essa integração entre a ressocialização de quem já não está em um estado tão agudo, mas que tem suas terapias no espaço”, diz Luciana.

O projeto que está em execução pela Emlurb tem alterações. “A Emlurb nos disse que, de fato, quer honrar com o concurso, mas tem coisa que não consegue fazer. Íamos despoluir um riacho que passa por lá, ia ter um espelho d ‘água, centro de sustentabilidade e talvez isso não possa ser feito”, diz Raposo.

A Marco Zero solicitou à prefeitura do Recife o cronograma e o projeto da obra, mas não obteve retorno. Fizemos então uma solicitação pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e estamos esperando a resposta.

Diálogo zero

A execução das obras passou bem longe da ideia de um projeto de “ode à saúde mental” e gerou uma forte reação dos servidores do Hospital Ulysses Pernambucano. Em cartas abertas e posts nas redes sociais denunciaram desde a falta de diálogo com a Emlurb – teve até a colocação de uma cerca bloqueando a entrada do Hospital Ulysses Pernambucano – à importunação e assédio dos trabalhadores da obra contra pacientes do hospital.

A Marco Zero esteve no canteiro de obras e é gritante a falta de privacidade dos pacientes: sem muros, seguem expostos aos olhares tanto dos trabalhadores da obra como de quem passa nas avenida Rosa e Silva e Cônego Barata. Além disso, há muitas poças com água e lixo espalhado.

Foto do portão de entrada do hospital Ulysses Pernambucano, cujo nome está no alto de um pórtico no centro da imagem. A entrada está em estado de desordem, com uma pilha de entulho e madeira empilhada na frente. Uma placa amarela indica que o acesso de pedestres e veículos está temporariamente interrompido. O cenário é ao ar livre, com árvores visíveis ao fundo.

Obras começaram sem aviso, surpreendendo até diretoria do hospital

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A carta aberta, publicada no começo do mês, também denunciava a falta de informações sobre a permanência dos serviços de saúde no local. Foi como uma resposta a esse quesito que aconteceu na semana passada que aconteceu a reunião da Emlurb com os funcionários do CPTRA.

“Passamos recentemente por uma grande reforma. Hoje, funcionam aqui dois CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), com duas equipes diferentes. Foram feitas muitas adaptações e agora vem essa história de mudança. Mas era esperado. A classe média recifense não iria querer conviver com as pessoas pobres, muitas vezes moradoras de rua, que são atendidas aqui”, lamentou um servidor público, que participou da reunião e pediu que não divulgasse seu nome, com receio de retaliações. Na reunião, foi ventilada a possibilidade do CPTRA ir para o Hospital Helena Moura, que fica a alguns metros de lá.

Por nota, a prefeitura afirmou que “os serviços de saúde que funcionam no terreno (hospitais Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, Pediátrico Helena Moura e o Centro de Prevenção, Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo-CPTRA) continuam à disposição da população e terão acessos independentes das atividades do Parque”. Não informou até quando.

Nota da Prefeitura do Recife

A Prefeitura do Recife está realizando as obras do Parque da Tamarineira através da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb). Atualmente as obras englobam a primeira etapa do projeto, em um trecho beneficiado que mede 24,7 mil m2 e equivale à frente do terreno. O atual projeto foi adaptado a partir do concurso público realizado em 2011 e que inclui praças internas, quadra poliesportiva, academia para a terceira idade, pista de cooper, playground infantil e banheiros. O trecho equivale à parte da frente do terreno, com acesso de pedestres pela avenida Rosa e Silva, não impactando nos serviços de saúde que funcionam no local. A intervenção deve ser entregue ainda no primeiro semestre de 2024.

A primeira fase do parque terá três praças internas, quadra poliesportiva, academia para a terceira idade, pista de cooper com extensão de 600m, playground infantil e banheiros femininos, masculinos e para a família. A guarita e o antigo pórtico de entrada serão restaurados e todos os equipamentos serão acessíveis às pessoas com deficiência. Os muros antigos serão removidos e trocados por gradil, permitindo maior permeabilidade visual, e a calçada da Avenida Rosa e Silva será requalificada e alargada, ganhando também área de embarque e desembarque. Os carros vão acessar o estacionamento pela Rua Cônego Barata.

O eixo principal receberá tratamento especial, ganhando praças com labirintos de vegetação arbustiva que fazem alusão à complexidade da mente humana. A primeira é a praça da fonte interativa, também conhecida como fonte seca, com jatos d’água que saem do piso e proporcionam oportunidade de diversão, principalmente para as crianças. A segunda contém o playground infantil. Já a terceira praça, de caráter contemplativo, garante a preservação dos bancos históricos e da estátua com o busto do médico Ulysses Pernambucano.

O projeto inclui elementos de sustentabilidade, como os jardins de chuva, que utilizam uma técnica de compensação sustentável para drenagem urbana com o propósito de retenção de águas pluviais e redução do escoamento superficial. A área de solo natural é de aproximadamente 15 mil m2, ou 60% do terreno da primeira etapa. Com relação à arborização, serão implantadas 70 novas mudas de espécies nativas, sem afetar as extensas áreas gramadas, que remetem aos pomares de sítios antigos.

Os serviços de saúde que funcionam no terreno (hospitais Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, Pediátrico Helena Moura e o Centro de Prevenção, Tratamento e Reabilitação de Alcoolismo-CPTRA) continuam à disposição da população e terão acessos independentes das atividades do Parque.

O Governo do Estado foi igualmente vago. “A Secretaria ressalta que por efeito das obras do parque no terreno ao lado do Hospital Ulysses Pernambuco (HUP), não existe a possibilidade de mudança de local da unidade de saúde psiquiátrica”, diz nota da Secretaria Estadual de Saúde. A secretaria também informou que “aguarda um cronograma da Prefeitura do Recife (PCR) com informações detalhadas e fornecimento das fases das obras do Parque da Tamarineira, indicando etapas futuras e intervenções a realizar até a conclusão dos trabalhos”. Confira a nota completa ao final deste texto. 

E que em uma reunião realizada nesta semana com a prefeitura “também ficou estabelecido que a SES-PE será informada, todas as sextas-feiras, sobre a programação das ações da semana posterior, a fim de impedir maiores transtornos a todos que fazem parte do Ulysses Pernambucano”, diz a nota.

Especialistas defendem rede descentralizada

O fechamento do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano já deveria ter acontecido. E não por conta do parque, mas pelas políticas antimanicomiais. É o que defende quem luta pela saúde mental. Mas não é fechar e pronto. “Em paralelo ao fechamento desse tipo de serviço, a gente propõe a implantação de uma rede psicossocial fortalecida em tudo”, afirma a psicóloga e ativista antimanicomial Telma Melo. Hoje, o HPUP conta apenas com a emergência e internação breve, de até 15 dias.

“Por mais que a gente tenha avançado na rede de saúde mental, a gente não conseguiu ainda ter emergências descentralizadas nos grandes hospitais e nas UPAs, para atender pessoas que precisam de atendimento psiquiátrico, principalmente para álcool e drogas. As UPAs têm total possibilidade de fazer essa abordagem”, afirma a psicóloga.

Telma Melo não acredita que os serviços de saúde mental irão ocupar o mesmo espaço do parque, que deve ter sua primeira etapa entregue ainda neste primeiro semestre. “É muito pouco provável que isso aconteça, principalmente da forma como está sendo feito, sem diálogo. Porque se realmente houvesse essa intenção, as pessoas, o movimento, teriam que estar participando. O que não está ocorrendo. Inclusive, nós temos propostas concretas para o prédio do Ulysses Pernambucano. Um memorial da saúde mental em Pernambuco e um espaço que promovesse formação para a reinserção social”, afirma.

O psicólogo e consultor Rafael West, que faz parte do Comitê Judiciário Antimanicomial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), reforça que o Governo do Estado tem que participar mais efetivamente da rede de saúde mental. “Hoje a gente tem dispositivos possíveis para poder fazer uma transição e fechar o hospital psiquiátrico. Há opções de residências terapêuticas, unidades de acolhimento, novos centros de atenção psicossocial. Temos a possibilidade de fazer essa transição de uma maneira que respeite a dignidade, os direitos humanos e o que preconiza a saúde mental brasileira, que é fechamento dos hospitais psiquiátricos e abertura de serviços de modelos substitutivos”, detalha.

“Estado e prefeituras deveriam estar em comunicação para seguir esse fluxo que se chama desinstitucionalização. Algo que sempre defendemos é que o Estado possa financiar mais esses serviços da rede municipal. Precisamos estruturar melhor a emergência psiquiátrica 24 horas que existe em Pernambuco. A única porta de entrada hoje é ali, na Tamarineira. Precisamos de uma reestruturação e, do ponto de vista da própria legislação da saúde mental, abrir vagas em UPAs, hospitais gerais, para que estejam preparados para poder lidar com situações de crise na saúde mental. O Governo do Estado tem que ter essa meta”, afirmou.

Nota do Governo de Pernambuco

A Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE) destaca a importância da única emergência psiquiátrica do Estado, o Hospital Ulysses Pernambucano (HUP), que atende hoje mais de mil pacientes por mês, e reforça com os órgãos de controle a necessidade da garantia da segurança e privacidade das pessoas atendidas da unidade, uma vez que são pacientes com maior vulnerabilidade.

Atualmente, o Hospital é a expressão do cuidado mental do Estado, juntamente com a assistência que deve ser dividida com os municípios e a União. Por isso, a SES-PE informa que aguarda um cronograma da Prefeitura do Recife (PCR) com informações detalhadas e fornecimento das fases das obras do Parque da Tamarineira, indicando etapas futuras e intervenções a realizar até a conclusão dos trabalhos.

Em reunião realizada essa semana entre a Secretaria e Prefeitura também ficou estabelecido que a SES-PE será informada, todas as sextas-feiras, sobre a programação das ações da semana posterior, a fim de impedir maiores transtornos a todos que fazem parte do Ulysses Pernambucano.

A Secretaria ressalta que por efeito das obras do parque no terreno ao lado do Hospital Ulysses Pernambuco (HUP), não existe a possibilidade de mudança de local da unidade de saúde psiquiátrica.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org