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Sindicato e empresa de tecnologia assinam acordo para reduzir jornada de trabalho sem corte nos salários

Inácio França / 07/07/2022
Bancada com duas mulheres e dois homens jovens, trabalhando em computadores com grandes monitores em uma sala bem iluminada. O foco está na jovem mais próxima à câmera, que está sorrindo e usando camisa preta e calça azul. As outras três pessoas da bancada estão desfocadas, mas também usam camisas pretas. O primeiro rapaz, de cabelos curtos, usa fones de ouvidos que cobrem toda a orelha. Em primeiro plano, há um planta sobre a bancada, porém sem foco, com contornos pouco nítidos.

Crédito: Ascom Gerencianet

Os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação (Sindpd-PE) ficaram com a pulga atrás da orelha quando chegou o convite de uma empresa mineira de tecnologia com escritório no Recife. O conteúdo parecia inacreditável para os sindicalistas acostumados à tensão e aos impasses das campanhas salariais: os representantes da Gerencianet queriam negociar com o Sindicato um acordo para reduzir a jornada de trabalho, porém preservando os salários e benefícios dos seus funcionários em Pernambuco.

Parecia bom demais para ser verdade. “Nossa primeira reação foi pensar que se tratava de uma armadilha da empresa. Lemos, relemos e pensávamos ‘onde tá a pegadinha nisso aí´”, conta a presidenta do Sindpd, Sheyla Lima. Quando a minuta da proposta chegou, o departamento jurídico da entidade concluiu que não havia nada oculto nas entrelinhas do documento. Telefonemas para os dirigentes sindicais de Minas Gerais e de São Paulo confirmaram que o mesmo texto estava sendo discutido nesses estados com a empresa.

As negociações avançaram rapidamente durante os meses de maio e junho. “Foi tudo muito leve, ficamos ainda mais surpresos com aquilo que escutamos do pessoal da empresa”, admitiu a sindicalista, pois a proposta havia sido elaborada com a participação dos empregados. “Com a nossa experiência em mesa de negociação, a gente percebe logo quando as propostas são feitas de cima para baixo ou com representantes de funcionários dominados pelos patrões. Não foi esse o caso”.

Durante o processo, o Sindicato ainda conseguiu incluir no acordo alguns itens que não constavam na proposta inicial. O mais importante foi garantir que novos funcionários que, eventualmente venham a ser contratados, possam usufruir imediatamente dos benefícios. “E eles também concordaram que a gente divulgasse aqui pelo Recife. Vai ser um exemplo para os empresários de visão curta do Porto Digital e do resto do estado, que só pensam em cortar salários e tirar o sangue dos empregados”, antecipou a presidenta.

O acordo tem caráter experimental, com validade por seis meses, contados a partir de 1º de julho, quando a nova jornada de trabalho foi implantada para os 300 funcionários da empresa, todos contratados com carteira assinada no regime da CLT.

Grupo com dezenas de pessoas juntas, usando roupas diversas, com os braços direitos levantados e punhos cerrados, por trás de uma faixa branca onde se lê em letras pretas Trabalhadores de TI não vão pagar pela crise. As pessoas estão no meio de uma rua de paralelepípedos, ladeada por prédios antigos e por trás de um carro de som branco com alto-falantes no alto.

Sindicato irá usar acordo para pressionar empresas pernambucanas na campanha salarial. Crédito: Ascom SINDPD-PE

Objetivo é lucrar mais

Procuramos então a Gerencianet. Apesar da iniciativa ser típica de uma empresa de países como Dinamarca ou Noruega, o sotaque mineiro do fundador e CEO Evanil Rosano de Paula descartou a probabilidade do empresário ter raízes nórdicas. “Faço questão de esclarecer: não somos uma ONG, somos capitalistas e nosso objetivo é maximizar os lucros. E, há 15 anos ininterruptos, desde a empresa foi criada, alcançamos esse objetivo com resultados bastante positivos. Porém, o nosso caminho para o lucro sempre foi apostando em pessoas, valorizando nossa equipe de funcionários, pagando salários acima da média e garantindo benefícios que impactam em qualidade de vida das famílias dos nossos colaboradores.

Evanil assegura que a decisão de reduzir a jornada de trabalho de 40 para 32 horas semanais não foi aleatória. Seria, na verdade, uma consequência da cultura corporativa, que começa já no processo de seleção de pessoal. “Nunca tivemos aporte financeiro de investidores, por isso, desde o primeiro momento focamos nas pessoas. Como estamos cercados de boas universidades, direcionamos nossos processos seletivos para jovens engajados, interessados em crescer conosco e fazer parte de um projeto maior”, explica o empresário, que tem, em sua equipe, profissionais formados nos cursos de Economia, Administração de Empresas, Estatística, Ciência da Computação, Engenharia e Jornalismo das universidades mineiras.

A “cultura” mencionada pelo empresário inclui restaurante que garante a custo zero café da manhã, almoço e lanche da tarde para a equipe, pagamento de cursos de idioma e qualificação profissional, além de algo ainda mais incomum no meio empresarial brasileiro: custeio de todas as mensalidades escolares dos filhos dos funcionários até a conclusão do Ensino Médio.

“Já perguntaram quais os resultados que esperamos com isso. Respondi dizendo que tomamos a decisão olhando para trás, a partir dos resultados que obtivemos com essa cultura. A empresa e a equipe estão prontas para isso, pois a redução da jornada exige uma mudança das relações de trabalho dos dois lados, tanto do empregado quanto de quem emprega. Nós entregamos qualidade vida, o colaborador entrega eficiência, qualidade dos serviços em tempo hábil”, conta.

Aqui, Evanil faz uma ressalva, pois não gosta de falar em prazos, pois, segundo ele, a imposição de prazos adoece o empregado. “Nossa expectativa é que a pessoa faça seu melhor”.

Para ilustrar o sucesso da cultura adotada pela sua empresa, o empresário lembra que a Gerencianet foi a primeira empresa de tecnologia do país a oferecer o PIX nos padrões estabelecidos pelo Banco Central (BC), o que aconteceu no mesmo dia do lançamento nacional do PIX, além de ter sido a 5ª empresa homologada como iniciadora de pagamentos pelo BC.

Auxílio home office

Outro aspecto da cultura corporativa da Gerencianet que os sindicalistas pernambucanos vão usar como argumento na campanha salarial deste ano é a concessão do auxílio home office. Ao saber que a empresa mineira – além de fornecer mesa e cadeira egonômicas – paga os gastos com internet e energia elétrica dos seus 230 funcionários que passaram a trabalhar em casa durante a pandemia, Sheyla Lima decidiu usar esse fato como trunfo nas negociações com as empresas pernambucanas. “Em 2021, as empresas recusaram pagar R$ 30,00 de auxílio para quem estava trabalhando em casa, apesar da economia que isso significa para elas e de estarem ganhando muito mais dinheiro depois da pandemia”, critica.

Procuramos a entidade que representa as mais de 2.900 empresas de tecnologia no estado, o Sindicato das Empresas deProcessamentode Dados do Estado de Pernambuco (Seprope), mas sua diretoria não quis comentar o acordo.

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AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.