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Fernanda Falcão ativista pelos direitos humanos
Deixar o próprio país para continuar viva. Foi o que fez a técnica de enfermagem e ativista pelos direitos humanos, Fernanda Falcão após sofrer uma tentativa de sequestro e ter sua casa metralhada por disparos de arma de fogo. Antes de tomar essa decisão extrema, Fernanda tentou ser protegida pelo estado de Pernambuco e pela polícia, mas não conseguiu a segurança que precisava para continuar o seu trabalho humanitário. Por isso, depois de pedir ajuda ao consulado da Espanha, ela recorreu uma campanha para arrecadar doações para conseguir sair do Brasil
Mulher trans, preta e moradora da Região Metropolitana do Recife, Fernanda integrou diversas organizações de luta pelos direitos da população LGBTQIA+, entre elas o núcleo LGBT da Secretaria de Desenvolvimento Social de Recife e a coordenadoria estadual de políticas afirmativas para travestis, transexuais e bissexuais. A ativista coordenou também o Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) e a Rede Nacional de Travestis e Transsexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV e AIDS (RNTTHAP).
Com uma trajetória de vida árdua, Fernanda já enfrentou prostituição, cárcere, tortura, abusos sexuais e até uma tentativa de homicídio que a deixou entre a vida e a morte após ser atingida por um disparo de arma de fogo, mas foi o seu papel de defensora dos direitos humanos que a fez encarar mais uma violência: o exílio.
Agora, segura e amparada na Espanha, Fernanda Falcão conversou com a Marco Zero sobre a transfobia e o doloroso processo de deixar a terra natal:
Marco Zero Conteúdo – O que te fez tomar a decisão de deixar o país?
Fernanda Falcão – O meu corpo era um corpo que já estava fragilizado e já tinha várias violações há muito tempo e essas violações sempre estiveram ligadas à minha vida enquanto travesti periférica. Quando aconteceu essa última vez, nós [defensores dos direiros humanos] havíamos retirado 22 meninas de uma casa de prostituição em Abreu e Lima, mas, depois disso, tudo ficou mais difícil. Eu não conseguia mais ir a rua sozinha, tentaram me sequestrar, metralharam a frente da minha casa, ficaram vigiando os espaços que eu frequentava e então eu realmente não tive outra saída, tive que sair.
Você conhece outras pessoas trans que precisam deixar ou deixaram o Brasil por medo de serem assassinadas?
Vivenciando o momento político que temos hoje no Brasil várias pessoas trans com certeza precisam sair do país e eu conheço algumas delas, mas prefiro não falar os nomes. O risco de vida é muito iminente, o ódio, a exclusão, a dificuldade de acesso aos espaços sociais. Hoje vivenciamos uma guerra silenciada, uma guerra diferenciada, porque na guerra pelo menos se tem o direito de lutar e hoje nós estamos sendo exterminadas, sem direito algum de lutar ou nos defender. Conheço várias pessoas que saíram do Brasil, uma delas é a Maria Clara Sena, ela foi quem me deu alicerce e estrutura para que eu saísse também. Por uma melhoria de vida, para viver em um espaço onde não queiram lhe matar constantemente por ser quem você é, acredito que muitas pessoas têm saído por esses motivos.
Você mencionou “o momento político que temos hoje no Brasil”, você acha que o aumento da violência e hostilidade com as pessoas trans no país está ligada a eleição de Jair Bolsonaro em 2018?
O presidente é uma pessoa que incentiva o ódio, que massifica o ódio e faz ele ser permitido e aceito por todos, que diz que matar e exterminar é a solução e é isso que ele vem fazendo. Sempre se matou a população trans, isso começou lá atrás, com a própria Inquisição. A escravidão dos nossos corpos só mudou de nome, mas continua da mesma forma, acabando cada dia mais com nossos direitos e nossa permissão de viver. Até quando nós, cidadãs e cidadãos brasileiros, vamos permitir essa crueldade, esse extermínio?
Como defensora dos direitos humanos, como você se sente tendo que deixar o seu país por um motivo pelo qual você luta para pôr um fim?
É muito triste a gente ter que abrir mão do que ama. Lá atrás, eu me considerava uma pessoa morta depois de ter sido estuprada, torturada, e decidi, a partir disso, doar minha vida para melhorar a vida de outras pessoas. Hoje, eu me sinto impotente para continuar tudo que eu comecei. É um silenciamento que nos dói na carne. Contando a minha história para as pessoas que estão aqui [na Espanha] chega a causar estranhamento porque não é a vivência das pessoas daqui, não é o que eu quero que as pessoas vivam aí [no Brasil].
Você ainda está precisando de doações para se manter na Espanha?
Eu me sinto incapaz de pedir ajuda quando hoje eu já consigo ter alimento, uma casa e já não tenho mais medo de ir às ruas. A ajuda que eu peço é a consciência da sociedade brasileira em entender que a população trans está sendo exterminada, que seus privilégios possam ser uma porta para que outras pessoas não morram, que o privilégio da heterocisnormatividade possa ser parceiro nesse momento e dizer não à morte e a exclusão social da população trans.
Você pretende voltar ao Brasil?
Eu não queria nem ter saído do país. Ficaram aí a minha família, meus amigos, tudo que eu produzi durante anos, todos os meus sonhos, tudo que foi construído com muita dificuldade e minha própria ideologia de vida. Se eu pudesse, voltaria pro Brasil agora, se a polícia se interessasse minimamente em concluir o processo de investigação dos atentados contra mim. Passei seis meses no Brasil e eles nem iniciaram a investigação, isso só legitima que meu corpo e minha identidade não tem nenhuma importância para o Estado.
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.