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Suape se recusa a formalizar acordo para salvar manguezal do rio Tatuoca

Débora Britto / 27/10/2020
Suape canal de mangue fechado pelo porto

Crédito: Débora Britto/MZ Conteúdo

No último dia 20 de outubro, a administração do Complexo Industrial Portuário de Suape se recusou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que tornaria oficial um acordo que vinha sendo construído há meses para desbloquear o fluxo do Rio Tatuoca até junho de 2021.

O passo atrás de Suape causou indignação nas organizações da sociedade civil e comunidades atingidas, que não confiam na palavra da empresa e convivem até hoje com os impactos das obras do complexo. 

Esse problema é antigo. Em 2008, o Rio Tatuoca, localizado em Ipojuca, teve o curso interrompido por um dique. A administração de Suape bloqueou o rio para  construir uma estrada que seria usada para levar materiais e máquinas para construir o Estaleiro Atlântico Sul. 

No papel, essa construção que represou o rio e asfixiou o manguezal, deixando apenas três canaletas para a água passar, duraria apenas um ano e seis meses. Já se passaram 12 anos.

Sem qualquer licenciamento, o rio continua represado e a comunidade quilombola de Mercês, localizada ao lado do manguezal, viu árvores, peixes, frutos do mar e crustáceos morrerem. Nas palavras dos moradores, o mangue foi morrendo aos poucos ao longo desses anos. A luta pela reabertura do fluxo do rio é, principalmente, para permitir que o manguezal se recupere e a comunidade pesqueira possa restaurar seus modos de vida.

Para construção do acordo, participaram ativamente das reuniões o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e a Defensoria Pública da União, a Associação Quilombola Ilha de Mercês e Fórum Suape.

Acordo buscava solução com diálogo

De acordo com as últimas atas de reuniões mediadas pelo MPF, que está a frente da mediação nos últimos meses, todos os termos e compromissos que compõem o TAC foram discutidos com representação da empresa. No entanto, foi apenas no dia da assinatura que Suape recuou. De acordo com o MPF, Suape alegou que não teria obrigação de assumir o compromisso.

A procuradora federal Natália Soares, do MPF, confirmou que a proposta do TAC foi elaborada em reunião no dia 29 de julho deste ano na qual “representantes do Complexo de Suape reconheceram a necessidade de retirada do enrocamento  provisório,  bem  como  a  possibilidade  de  realizaçãoda  retirada,  diante  da existência de outro acesso ao Estaleiro Atlântico Sul, e que formalizava um compromisso baseado em cronograma apresentado pelo próprio Complexo”, afirma a procuradora. Segundo ela, apesar da “aparente predisposição dos representantes do Complexo de Suape em retirar voluntariamente o enrocamento, a ausência de compromisso formal torna o mesmo muito frágil, diante dos possíveis impactos socioambientais que a obra vem causando nos últimos anos”, reconhece. 

O Presidente do Complexo de Suape foi notificado oficialmente pelo MPF para  encaminhar  cópia  da  licença  ambiental  que autoriza  a  manutenção  do  dique  até  março  de  2021. Além disso, a procuradora deu 10 dias de prazo para posicionamento e assinatura do TAC. A ausência de resposta será entendida como recusa.

Sem o TAC, o compromisso de Suape é apenas retórico, sem amarras jurídicas ou garantia de transparência. O cronograma elaborado e apresentado pela própria empresa já havia sido alterado nos últimos meses, sem explicações específicas. 

Ainda assim, a procuradora Natália Soares afirma que, se a empresa cumprir o cronograma apresentado, a retirada parcial do barramento poderia acontecer até o final de 2021.

A posição de Suape

Por meio de sua assessoria de comunicação, a gestão do Complexo de Suape respondeu assim ao questionamento da Marco Zero, contradizendo as informações repassadas pelo MPF:

“A administração do Complexo Industrial Portuário de Suape informa que mantém o diálogo com o MPPE, MPF e DPU e que não recebeu, até o presente momento, notificação por parte do MPF a respeito desse tema.

O cronograma de execução do desenrocamento parcial do acesso à ilha de Tatuoca elaborado pela atual gestão está mantido. Ele foi dividido em etapas, que vão até junho de 2021, obedecendo aos prazos necessários para realizar os processos licitatórios.

Está em andamento a licitação para contratação do estudo de avaliação de impacto ambiental que vai indicar qual a intervenção mais adequada. Depois de concluído, o estudo será encaminhado para a CPRH, juntamente com o projeto-executivo, para que o órgão ambiental autorize a execução da obra e Suape possa licitar e contratar a empresa que vai fazer o desenrocamento parcial.

Vale salientar que processos de licenciamentos recentes recomendam a manutenção do enrocamento. No entanto, em função da demanda da comunidade, a própria gestão de Suape em reunião com o MPF informou a disposição voluntária de efetuar o desenrocamento e apresentou o cronograma.

Considerando que a obra está acobertada por recomendações do órgão ambiental e a disposição voluntária e tempestiva de Suape, a gestão não entendeu como necessária a assinatura de um TAC, propondo, portanto, um acordo de cooperação, onde seria possível ao MPF e à comunidade acompanhar a execução do cronograma.

Reforçamos que a administração de Suape continua à disposição dos órgãos fiscalizadores MPPE e das comunidades de Suape”.

Sociedade civil quer compromisso

Mariana Vidal, assessora jurídica do Fórum Suape, afirma que o a organização não se surpreende com a postura do complexo portuário de recuar no momento em que deveria assinar um documento oficial que reafirmaria as negociações de meses. “Não nos surpreendemos porque o histórico da empresa revela esse perfil de prometer melhorias, mas de nunca se comprometer realmente e de nunca efetivá-las de fato”, critica. 

Para a organização que atua junto às comunidades atingidas a justificativa de Suape não é satisfatória e não contribui para confiar na palavra da empresa.

“Quando Suape precisa se comprometer, de modo que se descumprir fica sujeita a sanções, Suape tira o corpo fora”, afirma Vidal. Para a advogada, esse comportamento também revela a pouca importância que Suape dá aos processos de diálogo.

“Essa situação atesta mais uma vez que na prática é muito difícil confiar e manter diálogos com Suape acreditando que a empresa vai se comprometer e cumprir sua palavra no sentido de fazer melhorias quando ela toma uma atitude de que não está disposta a levar a cabo o que está dizendo que vai fazer”, critica. 

Segundo ela, tanto as comunidades atingidas, como o MPF fizeram concessões, a pedido de Suape, com a intenção de resolver o problema de maior impacto, mas a postura da empresa não favorece a resolução. “Há mais de 12 anos essa estrada está ali e está matando o rio, matando o manguezal. Então Suape age como se estivesse fazendo um favor, como se estivesse sendo bondosa e caridosa, quando não esta fazendo nada além de obrigação de quem está irregular, de quem cometeu uma grave infração. Algo inclusive que se enquadra em crime ambiental”, afirma a advogada.

Dique construido por Suape causou prejuízo à pesca artesanal (Foto: Débora Britto)

Comunidades atingidas

Questionada se MPF considera atuar para garantir a reparação dos últimos 12 anos de danos e prejuízos às comunidades tradicionais que vivem do rio Tatuoca, a procuradora afirma que estudos socioambientais ainda estão sendo elaborados sobre a questão, mas não descarta a possibilidade. 

“Estão sendo elaborados estudos socioambientais para documentar os impactos que o barramento do rio Tatuoca tem causados na comunidade quilombola Ilha de Mercês e, caso comprovados, esses impactos serão objeto de possível ação judicial sim”

Não só a comunidade quilombola de Mercês, que está ao lado do rio e manguezal, sofre com o fechamento do rio. Moradores e pescadores relatam indícios de contaminação  das águas, morte de peixes e espécies diversas que utilizam o manguezal como estuário.

A Marco Zero contou a história dessa e de outras comunidades atingidas por Suape na reportagem especial Suape pelo Avesso.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.