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Três oficiais mais nove PMs viram réus na Justiça por suspeita de envolvimento na Chacina de Camaragibe (PE)

Ministério Público denunciou três oficiais e nove praças por envolvimento na chacina, em setembro de 2023.

Marco Zero Conteúdo / 07/03/2024
Foto da fachada de um edifício de apenas um pavimento, pintado de amarelo claro e branco. A parede externa do edifício exibe várias inscrições, incluindo “SECRETARIA DE DEFESA SOCIAL”, “POLÍCIA MILITAR DE PERNAMBUCO” e “BATALHÃO CEL PM ALUÍZIO DE MELO VIANA”. O edifício está protegido por uma parede de pedra baixa com arbustos verdes crescendo atrás dela. O céu acima do edifício parece nublado, sugerindo um dia nublado ou chuvoso. A estrada à frente do edifício parece tranquila, sem tráfego visível.

Crédito: Reprodução/Google Maps

por Jorge Cavalcanti*

A 1ª Vara Criminal de Camaragibe, no Grande Recife, aceitou, nesta quinta-feira, 7 de março, denúncia do Ministério Público estadual transformando em réus 12 policiais militares de Pernambuco por suspeita de envolvimento na Chacina de Camaragibe. Três deles são oficiais da PM. Para os promotores que investigam o caso, o grupo planejou e executou por vingança o assassinato de familiares de Alex da Silva Barbosa, 33 anos. Ele era suspeito de ter matado a tiros dois policiais militares, no bairro de Tabatinga, em setembro do ano passado. Alex foi baleado e morreu no dia seguinte no hospital.

Passam a ser réus o 1º tenente Thiago Aureliano e os tenentes-coronéis Fábio Rufino e Marcos Túlio. Rufino comandava o 20º Batalhão à época, onde eram lotados os policiais mortos no tiroteio, e Marcos Túlio ocupava o segundo posto de comando na inteligência da PM. A decisão judicial decreta ainda a prisão preventiva de cinco dos 12 policiais agora denunciados. São eles: Paulo Henrique Ferreira Dias, Dorival Alves Cabral Filho, Leilane Barbosa Albuquerque, Emanuel de Souza Rocha Júnior e Fábio Júnior de Oliveira Borba.

Esses cinco PMs já estavam detidos preventivamente, a pedido da Polícia Civil. Seguirão retidos por conta da decisão da 1ª Vara Criminal de Camaragibe.

Os três oficiais e os nove praças (classe militar formada por soldado, cabo e sargento) foram denunciados à Justiça por triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e emboscada). A ação é referente à investigação da morte de dois irmãos e uma irmã de Alex Barbosa. Parte do crime chegou a ser transmitida ao vivo por conta de uma live que Ágata Ayanne da Silva, 30 anos, fez no Instagram, na qual registrou a própria execução. Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos, também foram assassinados na ocasião. O crime aconteceu na madrugada de 15 de setembro de 2023.

À época, o caso ganhou repercussão nacional por conta das imagens, que viralizaram, e forçou um pronunciamento público da governadora Raquel Lyra (PSDB) e do secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, então recém-empossado no cargo. O vídeo registrado por Ágata tem menos de um minuto. Nele, as três vítimas parecem estar rendidas por homens encapuzados de arma em punho. Um dos executores ordena: “Bota a mão na cabeça, porra. Ajoelha, filho da puta”. Em seguida, o som de cinco disparos.

Pouco depois da transmissão ao vivo, os corpos da mãe e da esposa de Alex foram encontrados num canavial na cidade vizinha de Paudalho. Elas foram identificadas como Maria José Pereira da Silva e Nathália Nascimento, respectivamente.

Como a denúncia do Ministério Público diz respeito apenas ao triplo homicídio da irmã e dos dois irmãos de Alex Barbosa, é possível concluir que o número de policiais envolvidos em toda chacina pode ser maior do que os 12 policiais militares agora transformados em réus, pois é provável que outros PMs tenham executado a mãe e a esposa de Alex.

Uma chacina, duas investigações

À época, duas frentes de trabalho foram abertas, com o objetivo de entender a dinâmica dos fatos criminosos e apontar os responsáveis pela autoria do planejamento e da execução deles. Uma ficou a cargo da Polícia Civil, mais precisamente do Grupo de Operações Especiais (GOE). Outra foi tocada por promotores do MPPE.

O delegado Ivaldo Pereira e a equipe do GOE tomaram o depoimento de testemunhas e fizeram busca por imagens de câmeras de segurança e monitoramento que pudessem ajudar na identificação dos responsáveis pela sequência de mortes violentas intencionais (MVIs).

À época da chacina, o envolvimento direto de policiais na morte de cinco familiares já era uma hipótese a ser investigada. A forma como os homens encapuzados se comportaram na live sem saber que estavam sendo filmados foi considerada um indício.

Ambas investigações se valeram de quebras de sigilos telefônico e telemático. E fizeram uso também de levantamento e cruzamento de dados de georreferenciamento (GPS). Ao final do inquérito policial, o GOE conseguiu alcançar cinco policiais militares, todos praças. Eles chegaram a ser presos preventivamente, a pedido da Polícia Civil, para que não atrapalhassem as investigações.

painel com fotos dos rostos dos 8 mortos - cinco homens e três mulheres - dos dias 15 e 16 de setembro de 2023.

Todas as pessoas mortas na sequência de crimes de setembro de 2023. Crédito: Reprodução/WhatsApp

MP vai além e chega aos oficiais

Os promotores conseguiram avançar no trabalho investigativo e, com isso, chegaram à suspeita de envolvimento na chacina de mais sete policiais. Dois deles com cargo de destaque, os tenentes-coronéis. Esse passo adiante foi considerado importante por buscar identificar toda a cadeia de comando envolvida no caso.

O Ministério Público montou uma espécie de força-tarefa para investigar o caso, diante da gravidade do episódio. Participam da investigação promotores dos Grupos de Atuação Conjunta Especial (Gace), de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a 1ª Promotoria Criminal de Camaragibe.

Uma das atribuições constitucionais do Ministério Público é o controle externo das atividades policiais. Esse é um mecanismo importante para responsabilizar agentes que tenham cometido abusos, irregularidades ou crimes.

“Existem também duas resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público que tratam disso. Esse controle externo pode requisitar informações, pode ter acesso à ordem de missão policial (OMP) e às dependências da polícia. É um contrapeso necessário, principalmente em contextos de violência flagrante que temos hoje em todo território nacional”, contextualiza Edna Jatobá. Ela é cientista social e coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).

“Crimes bárbaros”, disse Raquel Lyra

Na tarde do dia 15 de setembro, no Palácio do Campo das Princesas, a governadora Raquel Lyra fez um comunicado à imprensa. “Vim aqui me pronunciar sobre os crimes que aconteceram nas últimas 24 horas. A polícia está investigando como são: crimes bárbaros”. Em seguida, a palavra foi passada ao secretário de Defesa Social.

A ocasião foi a primeira vez em que Raquel falou sobre o episódio. A revelação de que três oficiais, entre eles dois tenentes-coronéis, e mais nove PMs tornaram-se réus é forte o suficiente para exigir da governadora do Estado um novo posicionamento público.

Quando falou na coletiva à imprensa depois da governadora, foi Alessandro Carvalho quem estabeleceu a ligação entre a morte dos dois policiais sucedida pela execução de cinco parentes do homem suspeito de ter efetuado os disparos contra o soldado Eduardo Roque e o cabo Rodolfo José da Silva, lotados no 20º Batalhão.

“Nós não temos como descartar nenhuma hipótese. O que sabemos é que dois policiais foram assassinados ao atender uma ocorrência e, depois disso, cinco pessoas ligadas ao suspeito foram mortas em menos de 12 horas. Existe uma correlação entre os fatos e é isso o que nós vamos investigar”.

As mortes violentas intencionais ocorridas em sequência nesse episódio foram a primeira chacina registrada em Pernambuco no governo Raquel Lyra. É também a maior chacina no Estado nos últimos cinco anos. Ao todo, nove pessoas morreram: dois policiais militares que estavam de serviço, seis pessoas de uma mesma família, e, posteriormente, uma jovem vizinha de parentes de Alex Barbosa que estava grávida.

  • A cronologia dos fatos:

14 de setembro de 2023: Por volta das 21h, dois policiais morrem em serviço durante tiroteio em Camaragibe. O suspeito de ter atirado contra os agentes é identificado como Alex da Silva Barbosa. Um adolescente e uma jovem grávida ficam feridos, ela em estado grave.

15 de setembro de 2023: Por volta das 2h, dois irmãos e uma irmã de Alex são executados por homens encapuzados, no mesmo bairro onde ocorreu o tiroteio. Antes de morrer, Ágata posta nas redes sociais que a mãe foi sequestrada por mais de dez homens encapuzados e, em seguida, transmite ao vivo a emboscada.

15 de setembro de 2023: Às 11h, Alex Barbosa é encontrado por policiais e baleado; morre no dia seguinte no hospital. A polícia disse que ele resistiu e trocou tiros. Depois, os corpos da mãe e da esposa dele são encontrados num canavial.

21 de outubro de 2023: A jovem grávida morre, após passar mais de um mês internada em estado grave. Vinte dias antes, a pedido da família, a equipe médica realiza o parto e Ana Letícia Carias da Silva, 19 anos, dá à luz uma menina. Com isso, subiu para nove o número de pessoas mortas de forma violenta no caso.

14 de dezembro de 2023: Cinco praças (policiais militares de baixa patente) são presos pela Polícia Civil na condição de primeiros suspeitos de participação na série de execuções.

*Jornalista com 20 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

AUTOR
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Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.