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Crédito: noname_13/Pixabay
por Paulo Arthur Monteiro*
Conceitualmente, a liberdade de expressão está ligada ao direito de manifestação do pensamento, possibilidade de o indivíduo emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação, sem interferência ou eventual retaliação do poder estatal.
A liberdade de expressão é garantida pela Constituição de 1988, principalmente nos incisos IV e IX do artigo 5º. Enquanto o inciso IV é mais amplo e trata da livre manifestação do pensamento, o inciso IX foca na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
O artigo 5º é um dos mais importantes da nossa Constituição e contém os direitos fundamentais, difundidos entre seus 78 incisos, que têm o objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos e cidadãs do País.
Pois bem, após um logo período de ditadura militar, durante a qual a população brasileira esteve sujeita ao totalitarismo dos Atos Institucionais. Os Atos Institucionais foram as normas elaboradas no período de 1964 a 1969, que permitiram a institucionalização e radicalização do regime militar, suspendendo direitos e garantias individuais e permitindo perseguições, prisões ilegais, tortura e assassinato pelo Governo Brasileiro. Foram estes o Ato Institucional de 1964, AI-2 (1965), AI-3 (1966), AI-4 (1966) e, o AI-5 (1968).
Nesse momento da história brasileira, havia a censura prévia de toda forma expressão: de letras de músicas, poemas, peças teatrais, jornais, revistas, programas de rádio e televisão, etc, tudo estava sujeito ao olhar rigoroso do sistema ditatorial, no combate ao que julgassem de caráter subversivo e, por conseguinte danoso ao regime militar. Foram anos difíceis e de muitas perdas, pois os excessos inevitavelmente conduzem ao resultado morte, de ideais, pensamento e pessoas.
Após um longo período de luta pela volta à democracia, com o clamor popular do movimento nacional “Diretas Já”, voltamos a ter um presidente civil, no ano de 1985, ainda que eleito de forma indireta.
E, na sequência, após a eleição da Assembleia Constituinte, finalmente consolidamos nossa democracia, em 05 de outubro de 1988, com a promulgação de nossa Carta Cidadã, renovando-se todos os sonhos de nossa nação, na busca de mais igualdade, justiça social e oportunidade a todos.
Feitos estes esclarecimentos, nossa Constituição Federal já deu provas de sua robustez, já passou por dois processos de impeachment, teve três presidentes reeleitos, sequencialmente aos respectivos mandatos. Contudo, um dos seus maiores testes foi em 8 de janeiro de 2023, onde a grande maioria da população brasileira, independentemente da corrente ideológica partidária, se portou contra os atos antidemocráticos que ocorreram em Brasília-DF.
O que assistimos foi uma minoria raivosa, extremista e movida por fake news, desde a ineficácia e falta de seriedade de nosso sistema eleitoral, a imparcialidade da Justiça Eleitoral e, o mais grave, que “o grito de socorro” pela manutenção da democracia, precisaria da ruptura do regime democrático, o que se tem como um absurdo contrassenso.
É nesse cenário de divisão do país e ebulição mundial, que é reavivado o PL 2630 de 2020, o “PL das Fake News”. Importante se destacar, o levantamento da Comscore (empresa de avaliação de mídia que está sediada em Reston, Virgínia, EUA, com escritórios em todo o mundo.) que mostra que o Brasil é o primeiro da América Latina em acesso às plataformas das redes sociais, o equivalente a 131,5 milhões de pessoas. Chegando-se à informação, que dá conta que o Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais em todo o mundo
Justamente é nesse cenário, que se torna prioritário o Projeto de Lei 2630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail. Além do que, as medidas apenas valerão para as plataformas com mais de dois milhões de usuários, inclusive estrangeiras, desde que ofertem serviços ao público brasileiro.
Entre outras medidas, a proposta restringe o funcionamento de contas geridas por robôs, e determina a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet.
Seriam as inovações do PL 2630/2020, uma ameaça à liberdade de expressão e o do fim de nossa democracia? Ao nosso entender, não.
Senão vejamos, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, dispõe: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Enfim, significa que é garantida a liberdade de expressão, mas que o anonimato do autor é proibido, ou seja, ele deve ser identificado.
Nesse contexto é que deve cingir-se a discussão constitucional, ou seja, as redes sociais e aplicativos de mensagens, estariam colocando em risco a democracia brasileira e quiçá as demais ao redor do mundo? Trilho pelo entendimento que sim.
As redes sociais e os aplicativos de mensagens não são algo próximos ao conceito do paraíso bíblico. São plataformas comerciais, extremamente monetizadas e, com seus poderosos programas e algoritmos, identificam nos usuários: perfis de consumidores, direcionam gostos e opções comerciais, nos induzem a curtir, assistir, comentar, seguir e o principal, compartilhar informações.
Eis a linha divisora na liberdade de expressão, pois nas redes sociais, em muitas das vezes não há pessoas exercendo seu constitucional direito, mas sim robôs, programas de computador direcionados à propagação de informações que podem ser verossímeis, contudo, não há controle em relação às notícias falsas, as famigeradas fake news.
Para que não pairem dúvidas, as fake news são efetivamente notícias falsas, divulgadas principalmente nas redes sociais e aplicativos de mensagens. Essas divulgações têm informações falsas que apelam para o emocional do leitor, do usuário desavisado que sequer tem a cautela de checar a fonte da informação recebida.
Por que surgem os críticos ao PL 2630/2020, com a alegação de censura prévia, ação inibidora do Estado e o pior, que estar-se-ia a violar a liberdade de expressão?
Asseveram os críticos ao PL 2630/2020, que no ordenamento jurídico pátrio, já há os instrumentos jurídicos e legais para investigar e para punir excessos e infratores, de forma satisfatória. Indaga-se, será?
Ao nosso ver, não. A velocidade das informações nas redes sociais e app de mensagens é algo, por incrível que pareça, ainda desconhecido pela maioria da população. Sendo, não forçoso acreditar que a perspectiva de ruptura democrática a partir das fake news, busca atingir três pilares: Poder Judiciário, através de ataques ao STF Supremo Tribunal Federal; ao Sistema Eleitoral, diante de descredibilizar as urnas eletrônicas e o consequente resultado das eleições; e, atacar a imprensa, em sua liberdade e independência.
A fragilização da democracia não ocorre de imediato, mas é uma construção, através de narrativas e notícias falsas, exercendo as fake news nas redes sociais e app de mensagens, essa função com maestria, tudo com a proteção do possível anonimato.
O anonimato que é o distanciamento da constituição federal, portanto o PL nº 2630/2020, não viola qualquer garantia ou direito constitucional de liberdade de expressão, liberdade da atividade de imprensa, muito menos estabelece um senso comum do que seria a verdade, a partir de certas premissas ideológicas. Entretanto, coíbe a proliferação da desinformação, ou seja, aquilo que jamais existiu se tornar verdade, causando danos inimagináveis inclusive à nossa democracia.
Destarte, no universo das redes sociais e app de mensagens, imaginar que os algoritmos apenas conseguem identificar nossos gostos e hábitos, condição econômica, social, localidade, orientação sexual, nível de escolaridade, etc., mas não conseguem identificar com a mesma precisão, perfis (robôs) e aqueles divulgadores de notícias e informações falsas, discurso de ódio, racistas, xenofóbicos, neonazistas e demais práticas criminosas, se mostra estranho, para não se conceituar absurdo, quase uma fake news.
Não podem ser um terreno fértil à impunidade, as redes sociais e app de mensagens exigem regramento, uma resposta precisa e robusta da sociedade, indo além do Marco Civil da Internet, Lei n° 12 965, de 23 de abril 2014, que é a norma legal que disciplina o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem faz uso da rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado.
A propósito o Brasil com o PL 2630/2020 apenas trilha por caminho, já percorrido pela Europa. Destaca-se que a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) foi aprovada pela Comissão Europeia em abril de 2022. Referida nova legislação europeia, impõe que empresas de tecnologia com mais de 45 milhões de usuários sejam enquadradas como grandes plataformas, por sua vez devem seguir regras mais restritivas que as demais empresas.
A nossa Constituição Federal, que em outubro do corrente completará 35 anos, no início de 2023 passou por um grande teste, uma real tentativa de ruptura, a partir dos atos antidemocráticos do 8 de janeiro. Para o bem da nação, nossa Constituição Federal segue forte e como um grande instrumento de transformação, de cidadania, direitos e garantias individuais dos cidadãos e cidadãs brasileiros, em um estado democrático de direito.
O PL nº 2630/2020, em que pese a opinião do ferrenhos críticos, não põe riscos à liberdade de expressão, muito menos reduz a importância da dignidade humana e demais liberdades do regime democrático. Posto regular, não significa tolher direitos, mas sim, agir na sua preservação. O Brasil apenas se alinha à Europa, combatendo os excessos e absoluta falta de controle, quase uma imputabilidade das redes sociais e app de mensagens como vetores de fake news.
*Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional de Pernambuco) e Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados de Pernambuco (IAP)
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