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Urbanistas apontam erros de projeto em parque alagável às margens do rio Tejipió

Giovanna Carneiro / 01/07/2024
A imagem retrata uma cena tranquila de um rio com águas calmas refletindo o céu e o ambiente ao redor. Do outro lado do rio, há vários prédios que parecem ser casas ou pequenas estruturas, com diferentes estilos arquitetônicos e estados de conservação. Os prédios estão bem próximos uns dos outros, sugerindo uma área densamente povoada. Há vegetação em ambos os lados do rio, incluindo várias árvores grandes com folhagem exuberante. O céu acima está parcialmente nublado, com tons quentes perto do horizonte, indicando o nascer ou o pôr do sol. No canto superior esquerdo da imagem, um avião está visível em pleno voo contra o fundo do céu.

Crédito: Divulgação / FASE

Ao tomar como referências projetos urbanísticos de cidades da China, Estados Unidos e Chile, a Prefeitura do Recife planeja inaugurar nos próximos meses o primeiro parque alagável da capital pernambucana. O parque faz parte do projeto de urbanização das margens do rio Tejipió e deve ser entregue no segundo semestre deste ano.

Em visita às obras do parque, localizado no bairro do IPSEP, no dia 18 de junho, técnicos da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), acompanhados por representantes da rede de pesquisa Inciti – Pesquisa e Inovação para as Cidades, de comunidades ribeirinhas e ativistas ambientais, puderam tirar dúvidas sobre a execução do projeto com funcionários da Autarquia de Urbanização do Recife (URB).

A visitação fez parte das atividades do seminário “Soluções e Inovações para Comunidades Ribeirinhas do Recife”, da Fase em parceria com a UFPE e a Secretaria Nacional das Periferias, vinculada ao ministério das Cidades.

A interação entre o engenheiro responsável pela obra e os urbanistas teve momentos constrangedores.

Logo na chegada ao local houve questionamentos sobre os cálculos utilizados pelos engenheiros para delimitar em qual nível o rio pode chegar em caso de cheia e enchentes. De acordo com o engenheiro da obra e funcionário da URB, Antônio Teixeira, foi considerada a medida de 2,70 m, que é a cota mais alta da maré registrada no último ano.

Procuramos a URB para conferir se a informação repassada pelo engenheiro estava correta, mas até o fechamento da matéria não obtivemos resposta.

Ou seja, apenas a alta da maré integraram os cálculos, o grande volume de chuvas não foi considerado. De acordo com Ana Raquel Meneses, arquiteta, urbanista e pesquisadora do Inciti, esse erro pode resultar em graves consequências para as comunidades ribeirinhas: “é um projeto que foi feito para atender uma situação atual, mas que não foi embasado em cálculos da dimensão do volume de água, foi de observação só, então não tem uma base de cálculos segura para saber se o projeto realmente vai dar conta do que precisa. É um investimento que tende a ficar obsoleto logo”.

Um engenheiro otimista

“A gente tem um grande volume de água de chuvas e a gente sabe que com as mudanças climáticas isso tende a crescer, com esse volume de eventos climáticos, a intensidade deles, mas o projeto não previu isso. Então, se as expectativas se realizarem, esse projeto não vai atender à demanda que teremos daqui a dois, cinco anos, a gente vai ter que rever de novo”, concluiu a arquiteta.

Ao ouvir os questionamentos de Ana Raquel, o engenheiro da URB hesitou em responder e tentou argumentar dizendo que é preciso ser mais otimista. “Vocês estão muito pessimistas”, diz Antônio Teixeira ao grupo que realiza a visita ao parque. “Este é um projeto que só terá efeito junto com outras ações como o processo de dragagem do rio. O principal objetivo é dar vida útil ao local e evitar que a comunidade invada e ocupe novamente essa área que já tem um histórico de alagamento”, afirmou Teixeira.

Para o arquiteto, urbanista e educador social da Fase, André Araripe, falta embasamento de estudos com dados atualizados sobre os impactos das mudanças climáticas na construção do parque: “a gente tem um programa importante para a cidade, que é o Promorar, que está realizando diversos estudos, inclusive estudos hidrológicos aqui da bacia do rio Tejipió e traz cálculos das marés com projeções futuras, casando isso com precipitações mais severas de chuva. É fundamental que essas informações façam parte dos projetos de urbanização do Recife, mas parece que falta uma comunicação entre os órgãos municipais”.

No papel, um projeto ousado

O parque alagável é um projeto urbano que está em consonância com as diretrizes das cidades-esponja, uma iniciativa de adaptação climática voltada para a gestão de águas pluviais e fluviais fortalecendo a infraestrutura ecológica e os sistemas de drenagem.

O projeto do parque alagável apresentado pela prefeitura prevê a absorção da água da chuva retendo, liberando, filtrando e liberando-a lentamente. Desse modo, o escoamento da água acontece em uma velocidade menor e assim o sistema de drenagem ganha tempo para receber o volume de água gradualmente.

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A cidade-esponja é uma cidade que tem a capacidade de integrar a gestão da água urbana nas políticas e projetos de planejamento urbano, com iniciativas projetadas para absorver um grande volume de água.

Para isso, as obras devem ser realizadas com materiais de cobertura de solo resistentes e adaptáveis à água. Além disso, devem ser utilizadas espécies de plantas adequadas para funcionar como barreira ripária em inserções de grandes áreas de solo natural. O projeto da PCR prevê ainda a instalação de vários equipamentos para uso da comunidade no parque alagável, são eles: pista de cooper; área com mesas de jogos; playground; academia; mini-campo; áreas de convivência e área para piquenique.

A ideia é que o parque tenha total funcionalidade em períodos de chuvas amenas e escassas.

Moradora do bairro do IPSEP há 30 anos, Ana Maria Silva, está confiante na melhoria que o projeto pode trazer para a comunidade, mas afirma estar mais interessada na dragagem e para conter o avanço das águas do que com o parque em si. “Ainda não tiveram chuvas tão fortes quanto aquelas [de maio de 2022], né? Por isso não alagou ainda, mas nesses dias choveu aqui e encheu tudo, o rio subiu, e eu fiquei com medo que invadisse minha casa de novo”. A moradora perdeu todos os móveis na enchente de 2022.

No local das obras, é possível encontrar telas de contenção para lixo, arrimo de rachão telado e contenções de gabião e de alvenaria estrutural, em torno do rio. Arrimo de rachão e contenção de gabião, apesar dos nomes bem diferentes, são dois tipos de muros de arrimo. A instalação das estruturas dos equipamentos do parque ainda estão em fase inicial e o local tem um solo batido.

De acordo com a URB, o parque será coberto por um concreto poroso o que garanta a efetividade do projeto da cidade-esponja. Contudo, a arquiteta Ana Raquel Meneses contesta a efetividade do material a longo prazo: “esse concreto poroso entope fácil com a sujeira, até com a poluição difusa que vem da areia ele entope, então ele perde essa característica porosa com um pouquinho mais de uso. E se tiver alagamento, vai se perder ainda mais rápido, e a manutenção desse solo não está prevista ainda no pacote de obras. A própria URB diz que deve ser a Emlurb a realizar essa manutenção, mas não há nada certo ainda”.

Oo parque alagável vai ocupar uma área de 3,9 mil metros quadrados e incluem ainda o alargamento da calha e a pavimentação da rua Vitória da Conquista. De acordo com a PCR, a obra custará R$ 2,4 milhões. A gestão municipal afirmou que já alargou esse trecho do Tejipió – no bairro do IPSEP – de 10 para 30 metros, com a desapropriação de cerca de 100 imóveis que estavam situados às margens do rio.

“Outras intervenções na bacia do rio Tejipió já estão com licitações em andamento, no âmbito do Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar), maior projeto de requalificação urbana e social da cidade. Em 2024, serão investidos cerca de R$ 40 milhões para obras de alargamento e dragagem do rio, construção de reservatórios e outro parque alagável para acumular as águas fluviais no período de chuvas fortes. Ao longo dos seis anos do programa ProMorar, estão previstos investimentos de R$ 500 milhões na bacia”, declarou a Prefeitura do Recife em nota enviada à Marco Zero.

Para André Araripe, além de amenizar os impactos das enchentes, a PCR deve se preocupar em realizar desapropriações de forma segura para os moradores de comunidades ribeirinhas. Questionamos a URB sobre os valores das desapropriações que ocorreram no entorno do rio Tejipió, de acordo com a gestão municipal, “cada imóvel foi avaliado individualmente e recebeu um valor que varia de acordo com questões como existência de documentação legal, área construída e benfeitorias realizadas pelos moradores”.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.