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Velho “toma lá, dá cá” garante aprovação da reforma que dificulta a aposentadoria

Marco Zero Conteúdo / 11/07/2019

Crédito: Rodrigo Maia/Flickr

Por Vasconcelo Quadros (Brasília)

O discurso de um novo estilo de governabilidade, prometido durante a campanha e reafirmado à exaustão nos primeiros seis meses de governo pelo presidente Jair Bolsonaro, caiu por terra nas 48 horas que antecederam à votação da reforma da previdência, aprovada em primeiro turno às 20h07 desta quarta-feira, com 379 votos a favor e 131 contrários. Não há nada de novo na relação do novo governo com o Congresso. O “toma lá, dá cá” voltou com cara amarrotada e com mais força.

Para garantir a aprovação, foram empenhados, desde o início de julho, mais de R$ 2,5 bilhões (quase o dobro de tudo o que foi empenhado e liberado nos seis primeiros meses do ano) em emendas parlamentares, parte desse valor com uma característica inédita no novo balcão de negócios: para mais de R$ 1 bilhão em emendas empenhadas entre segunda e terça-feira não há nem previsão orçamentária.

Uma das emendas, de 93 milhões, foi aprovada e está registrada na Comissão de Seguridade Social da Câmara em valor infinitamente inferior, de 2 milhões, o que levou a bancada da oposição, liderada pelo PT, a ingressar com denúncia no Ministério Público Federal (MPF) por suspeita de improbidade administrativa com base na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que proíbe a liberação de recursos para interferir em decisões do Legislativo.

As suspeitas, as manifestações controladas à força pelas polícias legislativa e militar, com o uso de gás pimenta e bloqueios que impediram o ingresso de grupos contrários à reforma pelo Anexo II da Câmara, não impediram a vitória acachapante da confusa base parlamentar.

Embora o governo tenha pago a conta, os louros foram para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apontado por todos os líderes, inclusive o do PSL e o do governo, como o grande “construtor” e “condutor” da agenda que deu na aprovação de uma reforma. Se confirmada pelo Senado, a PEC tirará 80% de R$ 1 trilhão de economia, prevista para os próximos 10 anos, de trabalhadores que estão no Regime Geral da Previdência, com teto de R$ 5,8 mil, mas que recebem, em média, pouco mais de R$ 1,2 mil.

O texto aprovado, no geral, cria idade mínima para aposentadoria (65 anos para homens e 62 para mulheres), aumenta o tempo de contribuição (homens 20 anos, mulheres 15 anos), estabelece cinco faixas de transição para quem já está no mercado de trabalho, reduz benefícios como abono salarial, pensões para viúvos ou herdeiros e impõe regras de transição para os setores público e privado, segundo as quais, será necessário trabalhar o dobro do tempo que hoje falta para se aposentar.

“É uma ação do Executivo com o Legislativo. O protagonismo do Parlamento não sublima o Executivo ”, disse o deputado Major Vitor Hugo, para quem, embora tenha evitado citar Maia, o Legislativo passa a ter o papel de contraponto ao governo. O líder governista foi isolado pelo presidente da Câmara desde maio, quando compartilhou em suas redes sociais uma charge em que Maia aparece negociando com deputados portando uma mala de dinheiro. O líder do partido de Bolsonaro, Delegado Waldir (PSL-GO), foi mais enfático sobre o papel de Maia.

“A reforma não existiria sem Rodrigo Maia”, disse, num reconhecimento implícito de que não há base governista articulada. A “Nova Previdência”, tecla mais batida pelo líder governista, depende do Congresso e não mais do Executivo, embora o governo tenha recorrido ao estilo de governabilidade baseado na distribuição de recursos de emendas, surrado método patrimonialista de relacionamento político que, se é previsto em lei, também é fontes de corrupção, como nos escândalos dos “Anões do Orçamento” e “Sanguessugas”.

Ao discursar pouco antes de anunciar o resultado da votação, Maia afirmou que Bolsonaro, que não tocou no tema durante a campanha, não tinha compromisso com a reforma da previdência e aproveitou para alfinetar o governo e seus apoiadores, que até nas manifestações de rua pedem o fechamento do STF e do Congresso. “Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”, cutucou.

A deputada Jandira Feghali, líder do PC do B, acha que o “é dando que se recebe” reeditado pelo governo, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), caracteriza crime de responsabilidade por Bolsonaro e mostra que a aprovação da PEC da previdência só foi possível graças a “venda de direitos por tostões”, entregando aos bancos o que era uma proteção garantida pela Constituição de 1988. “Mentirosos, hipócritas. É canalhice”, afirmou a deputada, puxando o coro “reforma injusta”, entoado pelos oposicionistas. “Não vai jorrar dinheiro. Vai jorrar povo pobre”, afirmou.

O líder da oposição, Alessandro Molon (RJ) lembrou que, ainda que tenha votado em bloco contra a reforma, a oposição conseguiu afastar do texto-base injustiças mais graves, como a redução do BPC (Benefício de Prestação Continuada, destinado a idosos e deficientes), a redução da aposentadoria rural, a desconstitucionalização da Previdência e o sistema de capitalização, sonhos de consumo do ministro da Economia, Paulo Guedes. “É uma reforma que olha para os números. Nós estamos olhando o que está atrás dos números, que são as pessoas. É irresponsabilidade social”, acusou Molon.

Líder do PSB, o deputado Tadeu Alencar (PE) disse que a reforma é um reajuste fiscal, não combate privilégios e passaria porque “o povo está anestesiado”, sem entender os “efeitos dramáticos” que serão produzidos assim que a lei for sancionada.

“É o primeiro passo. Depois virão a reforma tributária e o pacto federativo”, justificou o deputado pernambucano Silvio Costa Filho, líder do PRB que, ao contrário do pai, que foi vice-líder do governo da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara, “pensando na próxima geração”, enfileirou-se junto aos bolsonaristas. “Se pensasse na próxima eleição seria mais cômodo votar contra”, disse, abrindo os braços de seu partido para possíveis dissidentes do PDT, como a deputada Tabata Amaral (SP), e do PSB, que estão ameaçados de expulsão por se aliarem aos reformistas. “Se essa reforma não passar, o Brasil vai quebrar”, acredita Costa Filho.

Até ser sancionada por Bolsonaro, a PEC da Previdência precisa ainda ser aprovada em segundo turno na própria Câmara dos Deputados depois que forem afastados todos os destaques que, teme o governo, pode desidratar o projeto. Graças a um cochilo de governistas e reformistas pró-Rodrigo Maia, que no momento comemoravam a vitória, a oposição por pouco não conseguiu aprovar um destaque que retirava os professores da reforma aprovada. O placar da votação que poderia incluir a emenda ao texto foi de 265 votos favoráveis contra 187, o que levou Maia a suspender a sessão, transferindo a decisão para esta quinta.

Maia quer resolver o texto-base em primeiro turno até o final de semana, com a íntegra do que foi aprovado na Comissão Especial. Depois, a proposta segue para o Senado onde, segundo o futuro relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deve incluir estados e municípios numa proposta de reforma paralela que deve ser enviada separadamente para a Câmara para não mexer no que já foi aprovado.

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Marco Zero Conteúdo

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