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Crédito: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
por Jorge Cavalcanti
Treze deputados federais de Pernambuco votaram a favor do projeto de lei do fura-fila da vacina, aquele que autoriza empresas a comprar, com incentivos fiscais, imunizantes contra a covid-19 que ainda estão indisponíveis em quantidade suficiente para o resto da população. Na prática, permite que empresários e seus parentes possam receber as doses antes de concluída a vacinação de todos os grupos de maior risco de morte. A proposta despertou reação de setores da sociedade civil, que avaliam como perigosa a possibilidade de “privatização” da vacina. Mas não foi o suficiente para convencer os 13 parlamentares.
E o que mais eles têm em comum, além do voto sim ao PL 948/2021? São homens, quase todos brancos, empresários, herdeiros do espólio político de familiares e costumam votar da mesma maneira em questões cruciais que impactam a vida da população mais vulnerável .
Dez dos 13 parlamentares que votaram a favor do projeto de lei de autoria do colega Hildo Rocha (MDB-MA) são também empresários. À Justiça Eleitoral, por exigência da legislação, apresentaram a declaração de bens e informaram participação societária em empresas. São eles: André Ferreira (PSC), Augusto Coutinho (Solidariedade), Daniel Coelho (Cidadania), Felipe Carreras (PSB), Fernando Filho (DEM), Fernando Monteiro (PP), Luciano Bivar (PSL), Ricardo Teobaldo (Podemos), Sebastião Oliveira (PL) e Silvio Costa Filho (Republicanos). Nenhum deles é novato no Parlamento.
Outros dois são líderes religiosos do segmento neopentecostal conservador: pastor Eurico (Patriotas) e bispo Ossesio Silva (Republicanos). A exceção do grupo é Fernando Rodolfo (PL). Único estreante no exercício de mandato parlamentar, não é empresário nem liderança religiosa, mas teve a eleição para o Congresso Nacional impulsionada por outro fenômeno: o midiático. Jornalista, era apresentador de TV de uma emissora local afiliada ao SBT com audiência em Caruaru e outros municípios do Agreste pernambucano.
A Marco Zero Conteúdo preparou um pequeno perfil de cada um dos 13 deputados que votaram sim ao projeto de lei do fura-fila da vacinação contra o Covid-19. E fez um resgate de como cada parlamentar se posicionou em plenário em outras cinco votações importantes: impeachment de Dilma Rousseff, PEC do Teto dos Gastos, Reforma Trabalhista, rejeição da denúncia contra Michel Temer, na legislatura anterior, e a Reforma da Previdência, já na atual.
As informações sobre patrimônio e participação societária em empresas usadas na reportagem são públicas, constam no site do Tribunal Superior Eleitoral e podem ser acessadas pelo link: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2018/2022802018/PE/candidatos .
Além disso, esclarecemos que, pela legislação, é válida a autodeclaração, o que explica a possibilidade do bem ser listado abaixo do valor de mercado ou a participação societária não informar o nome da firma.
A Marco Zero Conteúdo pediu para o cientista político Caio Santos avaliar o caso específico da votação do PL 948/2021 por parte do grupo dos 13 deputados federais por Pernambuco. Para ele, é nítido a mistura dos interesses público e privado. “Isso pode ser explicado pelo fato da maioria dos eleitos ainda ser de origem familiar ou do setor empresarial, como o agronegócio. Eles possuem o mesmo perfil. Na grande maioria, homens brancos, o que gera uma hiper representação deste grupo social nos espaços institucionais de poder, como o Parlamento, quando representam cerca de 20% da população, segundo o IBGE”, avalia.
Também integrante do Coletivo Afronte, formado por profissionais e pesquisadores negros egressos da Universidade Federal de Pernambuco com o objetivo de fortalecer o debate antirracista para além do ambiente acadêmico, Caio Santos destaca a participação das igrejas no processo político eleitoral. “No Brasil, as igrejas são instituições de muito dinheiro e poder. Talvez sejam hoje o maior vetor de ascensão para políticos negros, de origem pobre ou periférica. Mas, quando eleitos, esses políticos se mostram alinhados aos interesses da elite”, avalia.
Do grupo dos 13 deputados por Pernambuco que votaram a favor do PL do fura-fila da vacinação, o único negro é o bispo Ossesio Silva. À Justiça Eleitoral, Pastor Eurico se declarou pardo, juntamente com Fernando Rodolfo e Ricardo Teobaldo. Os outros nove parlamentares e empresários, no quesito cor/raça, declararam “branca”.
Para a psicóloga e presidenta do Conselho Estadual de Políticas de Álcool e Outras Drogas (Cepad), Priscilla Gadelha, significa ignorar a ciência votar a favor de uma proposta que altera a ordem da vacinação contra o Covid-19, estabelecida no Plano Nacional de imunização (PNI) priorizando os grupos populacionais de maior risco. “Já está provado que não é esse o caminho que nos levará à melhor forma de imunizar a população. Quem votou a favor do fura-fila desconsiderou a realidade brasileira”, afirma ela.
Priscilla Gadelha também é co-fundadora da Escola Livre de Redução de Danos, organização não governamental que trabalha os direitos humanos de grupos sociais como as pessoas em situação de rua, que ainda não receberam a vacina. Ela ressalta que o processo de imunização precisa estar em sintonia com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O PNI não pode sofrer interferência dessa lógica liberal. As pessoas não são apenas mão de obra. Elas são também familiares, moradoras de determinado bairro e município, interagem em outros espaços, exercem outros papéis. Isso me lembra a obra de José Saramago (Ensaio sobre a cegueira), mas no sentido de não conseguir ou querer compreender as coisas.”
Dos 13 deputados, apenas Felipe Carreras e Luciano Bivar responderam aos contatos feitos pela reportagem. O deputado do PSB rechaçou a expressão “fura-fila”. “A verdade é que o governo assinou a compra de mais de 500 milhões de doses de seis laboratórios. O projeto prevê que o setor privado poderá adquirir vacinas que foram contratadas pelo governo. Enquanto as entregas não forem 100% executadas, o setor privado não poderá comprar. É uma oportunidade de garantir imunização de milhares de trabalhadores”, argumentou.
O presidente nacional do PSL desconsiderou o possível conflito de interesses. “Se você fizer uma análise macroeconômica, tudo que for bom para a economia será bom para os empresários. É uma visão míope achar que seria um conflito de interesse. Meu desejo comunga com o interesse social, sanitário e brasileiro. Não vejo porque suscitar essa possibilidade.”
Na Câmara dos Deputados, o PL 948/2021 foi aprovado por 317 votos contra 120 contrários, no último dia 7. Seguiu para o Senado, onde não tem data para ir a plenário. A proposta altera a Lei 14.125, sancionada há menos de dois meses. Pela legislação atual, empresas já podem adquirir imunizantes registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e para vacinas com autorização emergencial, excepcional ou temporária, com uma condição: desde que façam a doação de todas as doses para o SUS direcionar para o PNI.
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