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Alfredo Vizeu: “Cabe a cada cidadão protestar, ir para as ruas e mudar as leis da comunicação social”

Laércio Portela / 15/06/2016

O professor de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e fundador da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Alfredo Vizeu, não tem dúvidas: muitos dos aspectos básicos da profissão foram e continuam sendo desrespeitados na cobetura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Parcialidade, direcionalidade e seletividade na apuração dos fatos chamam a atenção de Vizeu e comprometem a credibilidade dos veículos de comunicação.

Mas o vice-coordenador do programa de Pós-Graduação de Comunicação da UFPE, com 18 anos de experiência em redações de jornal e TVs de Porto Alegre e Rio de Janeiro, acredita que a sociedade hoje está mais bem preparada para fazer o julgamento crítico do trabalho da imprensa. E ele defende o ativismo dos movimentos sociais como forma de pressionar a mídia. “Acredito que a sociedade hoje está noutro patamar. Sabe distinguir entre o joio e o trigo. Tem bem mais claro, por exemplo, quando a Rede Globo está manipulando ou distorcendo uma notícia. Cabe a cada cidadão e cidadã interagir, protestar, ir para as ruas, mudar as leis da comunicação social – a televisão é uma concessão pública”.

Se, por um lado, Vizeu reconhece que os preceitos do bom jornalismo estão sendo comprometidos na cobertura política, ele afirma nesta entrevista à Marco Zero Conteúdo que o momento atual também pode revigorar a atividade. “Vejo o jornalismo como um campo de tensões e lutas. Sai ferido, mas também mais revigorado, mais forte. A crítica da sociedade fortalece o jornalismo. Ainda mais hoje que a sociedade é um agente ativo no processo de produção da notícia. Quanto ao jornalismo, vai continuar existindo enquanto houver uma demanda social por notícias”.

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Como avalia o comportamento da grande mídia na cobertura política recente da Operação Lava-Jato e do processo de impeachment da presidenta Dilma?

Aspectos básicos do Jornalismo como a preocupação da busca da verdade dos fatos e de uma objetividade possível, que garantem uma informação ética e de qualidade numa sociedade democrática, não foram observados. Houve desde o princípio do processo uma preocupação da mídia em construir antecipadamente o impeachment de Dilma Roussef que ainda está em andamento. Também Lula encontra-se agora diante do fogo cruzado da mídia diante da possibilidade de disputar a eleição em 2018. E, mais uma vez o Jornalismo afasta-se das suas características. As questões que envolvem o ex-presidente não podem ser tratadas de uma forma superficial. É  preciso rigor. Ir ao fundo das investigações. Recolher todos os fatos confirmados disponíveis bem como tudo o que se opõe à falsificação, à deformação, à mentira. Outro aspecto a  chamar atenção na cobertura da grande mídia é que ao se deter no  impeachment ela ao mesmo tempo ocultou do País um fato relevante que parlamentares de outros partidos também estão envolvidos na operação Lava-Jato: o senador Aécio Neves e o presidente do senado Renan Calheiros.

Considerando seus trabalhos na área da cobertura televisiva, o que especificamente você destacaria da cobertura da Operação Lava-Jato e do impeachment da Dilma produzida pelo telejornalismo brasileiro?

Tanto a cobertura da Operação Lava-Jato e do impeachment de Dilma dão ênfase basicamente aos parlamentares e as pessoas envolvidas com PT. Dessa forma, o que temos é a apresentação parcial de uma realidade. Parlamentares homens e mulheres de outros partidos são simplesmente apagados do processo. A realidade é ocultada deliberadamente. Com isso, milhões de cidadãos e cidadãs brasileiros ficam privados de aspectos importantes que contribuiriam para a compreensão da totalidade dos fatos. Dessa forma, acreditamos que eles teriam mais condições de emitir um juízo livre, pessoal, completo e não dirigido com relação aos fatos em questão.

A TV aberta brasileira ainda se constitui na referência informativa dos brasileiros? Você acredita que ela teve um papel relevante no agendamento do debate público sobre o governo Dilma e o processo de impeachment? De que forma isso aconteceu?

A TV aberta brasileira com todos os aspectos negativos que apresentei não pode mais que a sociedade brasileira que elegeu duas vezes Lula e Dilma. É patrimônio do povo brasileiro. O poder midiático tem seus limites, a sociedade organizada, os movimentos sociais, entre outros. Por isso, parto do princípio do que vou denominar de audiência ativa, interativa não é uma tábua rasa. Os milhões de brasileiros e brasileiras que estão vendo televisão em todo o Brasil não são caixas vazias. Acredito que a sociedade hoje está noutro patamar. Sabe distinguir entre o joio e o trigo. Tem bem mais claro, por exemplo, quando a Rede Globo está manipulando ou distorcendo uma notícia. Cabe a cada cidadão e cidadã interagir, protestar, ir para as ruas, mudar as leis da comunicação social – a televisão é uma concessão pública. O que devemos é lutar para que a mídia seja democrática e não dizer: “não vejo mais” e cruzar os braços. Nesse sentido, compartilho com o que Paulo Freire disse sobre o poder midiático e é o que penso sobre o telejornalismo: “Não sou contra a televisão. Acho, porém, que é impossível pensar o problema dos meios sem pensar a questão do poder. O que vale dizer: os meios de comunicação não são bons nem ruins em si mesmos. Servindo-se de técnicas, eles são o resultado do avanço da tecnologia, são expressões da criatividade humana, da ciência desenvolvida pelo ser humano. O problema é perguntar a serviço de quê e a serviço de quem os meios de comunicação se acham. E esta é uma questão que tem a ver com o poder e que é política, portanto. A convicção que tenho, é a de que, resolvida essa situação, de fato problemática, do ponto de vista técnico você tem solução.”(FREIRE,P.,GUIMARÂES,S. Sobre educação (Diálogo- Volume 2) Rio : Paz e Terra, 1984. p.14

Até que ponto o jornalismo independente na Internet e a sociedade civil organizada podem fazer um contraponto informativo à grande mídia?

A idéia de contraponto não me agrada. Acredito que o jornalismo da internet e a sociedade civil organizada podem produzir informações que são ocultadas, apagadas e sonegadas pela grande imprensa. Acredito que podem também dar voz aqueles milhões, bilhões de pessoas que não tem voz. Podem ser um lugar para o debate e a reflexão de temas que não são debatidos em outros lugares. Contraponto remete-me a algo que responde a alguma coisa. Entendo que não é este o papel da produção de informações na internet. Ela deve ser abrir as muitas vozes, as diferenças, as diversidades, entre outras questões que estão aí. Você deve ter reparado que não falei em Jornalismo independente. Não acredito nisso. Todo Jornalismo tem uma intenção, busca uma ação. Há uma intencionalidade, uma ideologia. E isso não é mau. Para mim, não existe discurso neutro nem independente. Independente do quê? É importante que as pessoas saibam de que lugar falamos. Considero este um princípio ético fundamental.

O jornalismo sai ferido desse processo? Por que os jornalistas que tudo questionam têm tanta dificuldade em refletir e questionar o seu próprio trabalho?

Vejo o Jornalismo como um campo de tensões e lutas. Sai ferido, mas também mais revigorado, mais forte. A crítica da sociedade fortalece o Jornalismo. Ainda mais hoje que a sociedade é um agente ativo no processo de produção da notícia. Quanto ao Jornalismo vai continuar existindo enquanto houver uma demanda social por notícias. Por que os jornalistas tem dificuldade em refletir seu trabalho? Trabalhei 18 anos como profissional em redação e uma das questões centrais para a falta de reflexão é o tempo. Sem dúvida, nenhum jornalista pode reclamar do tempo é um fenômeno inerente a nossa atividade. No entanto, o ritmo de trabalho que somos submetidos nas redações dificulta a reflexão. O que fazer. Ter uma sólida formação jornalística e isso só se consegue num curso superior de Jornalismo que contribua na formação do profissional tanto do ponto de vista prático como teórico, um sindicato atuante que se preocupe com a formação dos jornalistas, mas mais do que isso com as condições de trabalho que ele é submetido, salários, entre outros. O jornalista deve ter a preocupação constante em se aperfeiçoar e as empresas devem oferecer locais de trabalho e salários dignos bem como cursos de atualização. Essas são algumas sugestões. Outra questão é que o(a) jornalista participe cada vez mais dos movimentos sociais presentes na sociedade. É preciso uma forte formação cultura, social, histórica, política, econômica e tecnológica.

Faz sentido falarmos numa crise de credibilidade do jornalismo brasileiro? Ou da mídia brasileira?

De uma maneira geral, a Pesquisa da Brasileira de Mídia 2015 da Secretaria de Comunicação Social, da Presidência da República, mostra que não é alto o nível de confiança das pessoas nas notícias. A média na televisão, rádio, jornais, revistas, sites, blogs e redes sociais é de 41%. As pessoas disseram confiar sempre ou muitas vezes nas informações jornalísticas nesses suportes midiáticos. Dentro deste contexto, um dados interessante a chamar atenção é que Praticamente a metade dos brasileiros, 48%, usa internet. O percentual de pessoas que a utilizamtodos dos dias cresceu de 26% na PBM 2014 para 37% na PBM 2015. O hábito de uso da internet também é mais intenso do que o obtido anteriormente. Os usuários das novas mídias ficam conectados, em média, 4h59 por dia durante a semanae 4h24 nos finais de semana – na PBM 2014, os números eram 3h39 e 3h43 –, valores superiors aos obtidos pela televisão. Particularmente, e este comentário não tem base em nenhuma pesquisa, é possível se atribuir a falta de credibilidade no Jornalismo a uma queda na qualidade da informação e a falta de ética na cobertura dos fatos.

 

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República