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Grupo Pankará recebe doações de evangélicos
Um grupo de cerca de 130 famílias Pankará da Aldeia Serrote dos Campos, zona rural de Itacuruba, se opôs à denúncia feita por uma liderança indígena do território de que evangélicos da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (Advec), do Pastor Silas Malafaia, surpreenderam a aldeia para evangelizar os indígenas em visita no último sábado (25).
Cerca de 50 fiéis da unidade Caxangá da Advec viajaram 500 quilômetros do Recife ao Sertão levando a palavra de Deus e doações de cestas básicas e brinquedos e terminaram sendo impedidos de entrar na aldeia, como mostrou matéria da Marco Zero Conteúdo ontem (29).
O cacicado de Cícera Pankará diz ter autorizado a visita dos evangelizadores como convidados e que não vê problema nesse tipo de iniciativa, que levaria o grupo Pankará a uma ação social com diversas atividades e doações.
A cacique Cícera se manifestou no Instagram no início da tarde desta quinta-feira (30), através da conta @resistir.existir.pankara. A reportagem não conseguiu contato direto com ela nesta quinta (30) até o fechamento desta matéria nem na quarta (29) durante a apuração da denúncia.
“Nós Povo Pankará do Cacicado de Cícera Cabral e do Pajé Manezinho Cacheado somos defensores e cultuamos nossas tradições, nossa religião, nossas raízes na tradição indígena, vivenciadas no nosso dia a dia. Porém, a palavra de Deus será sempre bem-vinda seja ela proferida por quem for”, diz trecho da nota.
A organização interna na aldeia é complexa. O povo indígena Pankará da Aldeia Serrote dos Campos está dividido em dois grupos: um sob a liderança da cacique Cícera e o outro sob a liderança da cacica Lucélia, que protocolou denúncia no Ministério Público Federal após o ocorrido. Foi ela quem deu entrevista na quarta (29) à Marco Zero Conteúdo e informou que, apesar de haver dois grupos distintos, existe uma pactuação sobre a necessidade de anuência de ambos os lados para receber ações externas, o que teria sido desrespeitado no sábado (25).
Lucélia alega que o pastor teria “comprado” o apoio do outro grupo com presentes. Por outro lado, Francisca Pankará, do cacicado de Cícera, rebate, em conversa com a reportagem. “A gente vive também num momento de fragilidade, o país inteiro está numa crise econômica muito grande. Então qualquer cesta básica que chegue para as famílias já é uma ajuda. A gente não podia negar o direito das pessoas de escolherem e o nosso grupo escolheu receber os evangélicos. Nós temos uma cacique que é do povo, ela pede a opinião do seu povo para saber o que fazer e todos nós aceitamos a visita. Então não foi uma invasão, foi uma visita consentida por todos nós do cacicado de Cícera”.
Francisca também rebateu a acusação da cacica Lucélia de que a relação com os evangélicos comprometeria a cultura tradicional indígena, que não seria permitida pela igreja.
“Nossa luta é para o desenvolvimento e por dias melhores. Nós vivemos num país laico, mas defendemos nossa cultura, nosso povo, nossas tradições. Nós dançamos nosso toré, mas também respeitamos as pessoas e vivemos em comunidade. A gente tem tanta convicção do que a gente é que não temos medo de receber outros visitantes que têm outra denominação”, afirmou.
Francisca detalha que, desde março de 2019, as 130 famílias, insatisfeitas com a liderança que dizem ser centralizadora da cacica Lucélia, resolveram mudar de cacicado.
“Esses evangelizadores vieram fazer um trabalho social, do tipo que até a igreja católica e a prefeitura fazem, com cestas básicas e brinquedos. A gente achou que não era demais, por termos convicção do que nós somos, defendemos e mostramos isso em qualquer lugar. Então não temos problemas em receber visitantes”, opina.
Os Pankará lutam pela demarcação de terras há 15 anos. A manutenção da cultura indígena viva é justamente um forte fator para a demarcação e proteção de seu território. Parte da área está debaixo d’água, foi inundada para a construção da Barragem de Itaparica/Luiz Gonzaga, em Petrolândia, em 1988.
A esse processo que deixou marcas e expulsou pessoas de suas terras, soma-se agora a possibilidade de construção de uma usina nuclear, às margens do Rio São Francisco. O plano de erguer seis reatores, que também impacta a etnia Tuxá, veio novamente à tona em 2019 com um anúncio do Governo Bolsonaro.
A chegada do grupo externo de evangelizadores terminou gerando um conflito interno na aldeia e instaurou um clima de tensão fragilizando a unidade do povo e acirrando rivalidades.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com