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Crédito: Inês Campelo
As regras e critérios de como usar e ocupar quase 38% do território do Recife não foi nem será discutida nas oficinas temáticas, consultas e audiências públicas para a revisão do Plano Diretor do Recife. Essa porção da capital pernambucana é ocupada por 25 unidades de conservação da natureza que não estão sujeitas ao escrutínio da participação social e de votações na Câmara Municipal.
Essas unidades foram criadas entre a segunda metade dos anos 1990 e 2008, quando o então prefeito João Paulo assinou os decretos regulamentando 18 delas nos últimos dias de sua passagem pela prefeitura. Tanto esses decretos quanto a legislação que criou as outras sete definem que cabe ao poder público elaborar os planos de manejo de todas as 25 unidades de conservação, o que nunca havia sido feito.
Somente a partir do ano passado, os planos de manejo começaram a ser produzidos por uma equipe de 15 pessoas, contratadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade exclusivamente para essa finalidade. O time inclui engenheiros florestais, urbanistas, geólogo, sociólogo, assistente social e até um mateiro, ou “auxiliar de campo”, nome da função de quem conhece tudo quanto é planta, trilha e morador desses pedaços de natureza encravados na única capital brasileira que não tem zona rural.
A coordenadora dessa equipe é a turismóloga e gestora ambiental Maíra Braga. Ela explica que o atraso de uma década – ou mais de duas décadas no caso das unidades criadas em 1996 – na elaboração dos planos de manejo teve seu lado positivo: “Fazer todos os planos de manejo de uma só vez está possibilitando que eles sejam produzidos de maneira integrada, sob uma mesma metodologia, mesmos critérios e levando em consideração que algumas áreas são contíguas ou se comunicam de alguma forma”.
Na verdade, nem todas as 25 unidades estão sendo trabalhadas simultaneamente. Segundo Maíra, duas delas – a orla marítima e o parque dos manguezais – foram deixadas para depois por causa de suas dimensões.
A primeira etapa do trabalho já foi concluída. Ao longo de 2018, foram realizadas oficinas de diagnóstico com a participação de moradores das áreas ou dos arredores, dos proprietários (no caso dos imóveis particulares, como a Mata da Várzea, da família Brennand), ambientalistas e técnicos da prefeitura. Agora, vão começar as oficinas para a elaboração dos planos, onde serão definidas as categorias de cada unidade, as possibilidades de zoneamento de cada uma delas, os programas de manejo com suas grandes ações. “Sempre com participação da sociedade” garante Maíra.
A coordenadora aproveita a deixa para contestar a afirmação de que os planos de manejo passam ao largo do plano diretor. “Não é bem assim. Trabalhamos em diálogo permanente com as secretarias municipais envolvidas com a revisão do plano diretor e também junto com a equipe técnica do Instituto Pelópidas da Silveira”.
As definições da categoria e das regras de zoneamento de cada unidade não são meramente técnicas, pois podem atingir os interesses econômicos dos proprietários e das empreiteiras. A coordenadora da equipe dos planos de manejo acrescenta que as grandes dificuldades já foram identificadas no diagnóstico: “A falta de saneamento básico, com despejo de esgoto nos mananciais d’água e a pressão urbana, com várias ocupações ilegais, são os maiores problemas que encontramos em praticamente todas as unidades”.
Das 25 unidades, só tem sete tinham categorias definidas, que podem ser APAs (Área de Proteção Ambiental), mais flexível, ou ARIEs (Área de Relevante Interesse Ecológico), mais protetiva. Não é preciso ser um urbanista para saber que os proprietários e os donos de imóveis vão fazer de tudo para evitar que suas áreas de interesse sejam consideradas ARIE.
O rito previsto pela legislação é simples: os planos de manejo devem ser submetidos ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). Se aprovados, seguem para o prefeito sancioná-los em forma de decreto. Cada plano terá de ser aprovado um a um.
O problema é que o Comam que, durante anos, se reuniu 172 vezes a cada dois meses, ainda não se reuniu em 2019. E não se sabe quando isso acontecerá.
A Marco Zero Conteúdo conversou com vários conselheiros – incluindo um representante da administração municipal – e constatou que o clima é de esvaziamento. Tudo por causa de uma votação ocorrida em setembro de 2018, quando o Conselho aprovou por 10 x 4 (com uma abstenção do representante da Emlurb) a supressão de um pequeno manguezal com 83 árvores saudáveis de mangue para pavimentação na rua Ana Camelo da Silva, entre Boa Viagem e Imbiribeira.
Os conselheiros afirmam que a aprovação foi ilegal, pois os manguezais são um ecossistema protegido pelo Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012), porém a aprovação com o voto quase unânime dos representantes do município (à exceção da representante da secretaria de Educação) teria se dado para atender aos interesses de João Carlos Paes Mendonça, que estaria construindo uma escola do Instituto JCPM no local. Em nota enviada por e-mail, o grupo JCPM contestou a versão corrente entre os conselheiros:
“Não confere a informação de que exista construção de instituto na área citada. Houve a edificação de uma escola privada em um terreno que hoje pertence ao Grupo. O espaço está alugado para terceiros. A rua citada na ata (Ana Camelo da Silva) já existia no loteamento da Prefeitura, havendo apenas a construção dela para inclusão no sistema viário do município.”
A escola, mencionada pela nota do Grupo JCPM seria o Colégio Motivo.
A ata da reunião ordinária 171, porém, demonstra o interesse direto do Grupo JCPM no assunto, afinal além do terreno da escola ser de sua propriedade, está finalizando a construção de um edifício de grande porte cujo acesso será facilitado pela supressão do mangue.
O resultado da votação, autorizando o corte ilegal de um ecossistema protegido teria sido a primeira consequência da alteração da nova composição do Conselho, que deixou de ter entidades ambientalistas como a Águas do Nordeste e a ONG Centro de Atitudes, que deram lugar a entidades representativas de engenheiros e arquitetos, categorias com óbvio interesse profissional e corporativo em novos empreendimentos de construção civil. As alterações teriam sido estimuladas pela gestão do ex-secretário municipal de Meio Ambiente, Bruno Schwambach.
Será esse Conselho, esvaziado e tensionado, que irá votar os planos de manejo de 38% do território recifense.
No dia 14 de maio, a Marco Zero Conteúdo enviou ao secretário-executivo da pasta, Carlos Ribeiro, questionamentos sobre os planos de Manejo e também sobre o Comam. No momento em que as respostas chegarem o texto será atualizado.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.