Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Para onde vai o óleo retirado das praias de Pernambuco?

Mariama Correia / 25/10/2019

O óleo retirado das praias de Pernambuco está alimentando caldeiras das indústrias de cimento. Crédito: Mariama Correia/MZ Conteúdo

O Governo do Estado contratou uma empresa para processar o petróleo cru que está sendo retirado das praias de Pernambuco. O material chega em caminhões à Central de Tratamento de Resíduos (CTR), Ecoparque, em Igarassu, no Litoral Norte do estado, e é transformado em um resíduoquealimenta os fornos das fábricas de cimento. Até agora, 1,4 mil tonelada de óleo retirada das praias foi enviada à CTR. Na Bahia, em Sergipe, no Rio Grande do Norte e na Paraíba, o óleo retirado das praias ainda está sendo apenas estocado.

O valor que o Governo do Estado está pagando para descarregar o produto na Ecoparque não foi divulgado. A secretaria estadual de Meio Ambiente não confirmou o preço de R$ 150 por tonelada de resíduo (óleo + outros materiais contaminados), que chegou a circular na imprensa. Também não respondeu se, de algum modo, o dinheiro arrecadado com a venda às cimenteiras poderia ser usado nas ações de limpeza das praias, por exemplo. A Ecoparque não disse quanto está ganhando para receber o produto, nem por quanto está vendendo. O presidente do Sinprocim (Sindicato da indústria de Cimento de PE), Bruno Veloso, disse que se paga em média mais de R$ 100 por tonelada.

Fomos até a Ecoparque para conferir o processo. O espaço fica a mais de 70 quilômetros da praia de Itapuama, uma das mais atingidas pelo desastre ambiental, no município do Cabo de Santo Agostinho, Litoral Sul. Pela toxidade, o produto não pode ser enviado para centrais de tratamento de lixo urbano nos municípios atingidos. Precisa ser tratado em uma unidade preparada para receber lixo industrial, como é o caso da Ecoparque, queatende fábricas de vários estados nordestinos.

O petróleo cru retirado em Pernambuco chega à CTR em caminhões. Junto com ele também estão algas, areia e outros materiais da praia que ficam grudados na mancha tóxica, assim como luvas, botas, sacos de lixo e todos os itens contaminados pelo óleo durante a limpeza. Tudo isso vai para uma grande vala chamada de blendagem. A área comporta vários tipos de resíduos industriais, incluindo tecidos, plásticos e tintas. Mantas isolantes impedem que esse lixo entre em contato com o solo.

O óleo retirado das praias de Pernambuco está alimentando caldeiras das indústrias de cimento

O óleo retirado das praias de Pernambuco está alimentando caldeiras das indústrias de cimento

O manuseio dos produtos é todo mecanizado. Os trabalhadores são vistos apenas no comando dos tratores, que movem o lixo para dentro da área de blendagem, entre as esteiras e as máquinas por onde o material circula durante o processamento. Mesmo sem contato direto com os produtos, foi possível ver que eles estavam usando Equipamentos de Proteção Individual (EPI).

O resíduo que resulta da mistura do petróleo com todos os outros itens é seco e fragmentado. Se assemelha a pequenas pastilhas.É chamada de blend energético pelo seu poder calorífico, traduzindo, por sua capacidade de gerar calor. Nas indústrias cimenteiras esse blend substitui o coque, que é um derivado de petróleo usado para aquecer os fornos na produção do cimento. “O poder calorífico do blend é mais baixo, entre quatro a cinco mil PCI (Poder Calorífico Inferior). O PCI do coque é dez mil”, explicou o diretor de operações da Ecoparque Laércio Chaves.

O blend calorífico é queimado pelas cimenteiras. Os hidrocarbonetos presentes no petróleo geram gases tóxicos, que podem ser emitidos pelas fábricas caso não sejam adequadamente tratados, contribuindo para o aquecimento global. “Esse problema também acontece com a queima do coque de petróleo, mas as indústrias têm aparado para abater essas emissões”, garantiu o químico Leopoldo Tupy, que trabalha na Ecoparque.

Petróleo é misturado a outros materiais para virar blend energértico

Petróleo é misturado a outros materiais para virar blend energértico

A Ecoparque recebe uma média de oito a dez caminhões com resíduos vindo das praias por dia. Chaves não soube informar quantos caminhões com petróleo do litoral ainda serão enviados para lá. No Cabo de Santo Agostinho, o ritmo do envio diminuiu esta semana porque a maior parte do óleo já foi removido. Desde o dia 23, 900 toneladas de óleo cru foram retiradas das praias do Cabo.

“Agora sobraram pequenas partículas que estamos recolhendo com peneiras. Cada vez que o mar seca e enche, essas partículas chegam à areia”, explicou Raimundo Souza, secretário de Serviços Públicos. “Todos os corais estão contaminados com óleo. Sabemos que não estamos resolvendo o problema, apenas mitigando. Precisamos de estudos sérios que apontem um caminho para recuperarmos o meio ambiente”, criticou.

O transporte do óleo no Cabo é feito por caminhões da prefeitura, segundo o secretário. Por causa disso, desde o domingo passado a limpeza do município está parada.“Deslocamos todos os nossos caminhões de limpeza, 15 no total, para o trabalho emergencial de retirada do óleo. O Governo do Estado destinou apenas cinco caminhões para isso”, contou. A operação logística no município precisou ser montada de forma tão urgente que nem deu tempo de calcular os custos.

“Vamos fazer esse levantamento depois. Entendemos que essa é uma questão maior, onde não podemos poupar esforços. Agora, é preciso dizer que os municípios estão sendo muito prejudicados, tanto na economia, quanto do ponto de vista ambiental”, opinou.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).