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Prefeitura de Jaboatão constrói pista em área de desova de tartarugas

Mariama Correia / 13/01/2020

No meio do caminho para a praia tinha uma pista. Melhor dizendo, no meio da própria praia. A Prefeitura de Jaboatão construiu uma via para carros, com pó de brita, cortando a faixa de areia de Barra de Jangada. O acesso invade uma área de desova de tartarugas, que é protegida por lei, como informa a placa da própria prefeitura instalada no local. 

A pista margeia a avenida Bernardo Vieira de Melo, uma das principais de Jaboatão. O Executivo municipal diz que a obra – feita sem licitação por aproximadamente R$ 10 mil – seria uma continuidade dessa avenida.Não foi feita uma conexão entre a pista asfaltada e o caminho que corta a faixa de areia (leia a nota abaixo na íntegra). Os carros precisam passar por cima do meio-fio para acessar a suposta continuidade da avenida.

No local não há nenhuma placa que indique o valor da obra, seu prazo de execução, nem empresa responsável. A prefeitura não forneceu essas informações.

O terreno pertence ao município, de acordo com a prefeitura, que justificou a abertura do acesso para facilitar a patrulha da polícia na praia, melhorando a segurança no local. Em nota, a Secretaria Executiva de Serviços Urbanos assegurou que a obra atende um “pleito de moradores e comerciantes de Barra de Jangada, devido os riscos que vivem no dia a dia.” As pessoas que ouvimos na praia disseram que não foram consultadas pelo poder público. 

Imagem aérea mostra pista na faixa de areia (Foto: Marcos Souza)

Moradora de Jaboatão, Tamires da Silva costuma frequentar a praia de Barra de Jangada com os filhos. “Acho que vai dificultar nosso acesso porque o fluxo de carros torna mais perigoso”, disse. “Não faz sentido outro caminho para automóveis quando já tem a avenida”, considerou a banhista Taís da Silva. 

Jonatas Bezerra vende bebidas na praia. Ele não viu viaturas da polícia passando pela pista nova desde que ela foi construída, aproximadamente quatro dias atrás. “Fico aqui todos os dias das 5h da manhã até às 16h”, contou. Mais do que um novo acesso para veículos, Jonatas queria que a prefeitura colocasse um salva-vidas no local, “porque tem muitos casos de afogamento.”

Garçom de uma barraca de praia, Adilson Antônio da Silva acha que a obra pode melhorar o trânsito na região e assim “tornar o local mais acessível, movimentando o comércio.” Morador de Barra de Jangada, o jornalista Eddie Rodrigues não acredita que exista necessidade de um acesso alternativo, pois o fluxo de carros não é tão intenso. Ele também questiona a explicação da prefeitura em relação ao policiamento. 

“Estão tentando justificar um crime ambiental com um discurso de segurança porque sabem que é um argumento forte para convencer as pessoas”, avaliou. Ele criou o perfil @SalveBarradeJangada no Instagram, onde faz campanha contra a construção da pista. “Comecei a postar no sábado. A população está se mobilizando rapidamente contra a obra. Conseguimos muitos compartilhamentos”, comentou. 

Eddie Rodrigues criou um perfil no Instagram para fazer campanha contra a obra

Eddie faz campanha contra a obra no Instagram (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

Eddie disse que também não observou uma maior presença de policiais no local. Ele concorda que a segurança precisa ser reforçada, mas acredita que as patrulhas na praia podem ser feitas de outro modo, com o uso de carros 4X4, por exemplo. Também que o Executivo deveria investir em iluminação pública para coibir a criminalidade. 

De quem é a responsabilidade?

Embora o terreno seja municipal, a construção de uma pista no meio da faixa de areia vai de encontro aos princípios do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que determina que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.”

A prefeitura de Jaboatão sustenta que “a área não é de praia, e sim trecho da avenida Bernardo Vieira de Melo” – embora não haja conexão com o asfalto, como observamos. A Assessoria de Imprensa do município respondeu que “o acesso à praia não é bloqueado em nenhum trecho”, embora o o terreno ao lado da pista esteja murado, o que restringe o livre acesso dos pedestres à faixa de areia. Esse trecho é privado e pertence à construtora Rio Ave, de acordo com o Executivo municipal. A prefeitura não detalhou o processo de venda da área e nós não conseguimos contato com a construtora até a publicação desta reportagem. 

Prefeitura diz que a pista na praia é uma continuidade da avenida, mas não há conexão com o asfalto (Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo)

O Ibama informou que o licenciamento da obra é de competência do órgão municipal de Meio Ambiente. Essa foi a mesma resposta fornecida pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). 

Quanto à área de desova de tartarugas, a CPRH informou que “cabe ao ente federativo licenciador, no caso a Prefeitura, atender ao que dispõe o Guia de Licenciamento Tartarugas Marinhas do Projeto TAMAR que estabelece diretrizes para avaliação e mitigação de impactos de empreendimentos em ambientes costeiros e tem por objetivo apresentar subsídios aos órgãos ambientais, empreendedores, pesquisadores e consultores envolvidos nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos previstos em áreas relevantes para as populações de tartarugas marinhas que se reproduzem e/ou frequentam a costa brasileira.”

Leia a íntegra da nota da prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

“A Secretaria Executiva de Serviços Urbanos do Jaboatão dos Guararapes esclarece que o trecho em Barra de Jangada é continuidade da avenida Bernardo Vieira de Melo. Por se tratar de um local onde há tráfico de drogas, assaltos e exploração da prostituição infantil, foi realizado um acesso à praia para que viaturas policiais possam circular e, dessa forma, inibir a criminalidade. A Secretaria informa que o trecho não será asfaltado e que a gestão municipal tem total compromisso com o meio ambiente.”

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).