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Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Numa eleição em que os temas morais têm dominado o debate público, pouco se discute as questões ambientais na pauta dos candidatos em disputa. No entanto, às vésperas das eleições que podem definir o futuro do Brasil, o tema foi debatido sob várias perspectivas no encontro internacional realizado nas cidades de Cajazeiras, Souza e Pombal, no Semiárido paraibano, entre os dias 09 e 17 desde mês. O foco do encontro foram preservação ambiental, segurança hídrica, mudanças climáticas e energias renováveis.
Promovido pelo Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social, a ONG CERSA (Comitê de Energias Renováveis do Semiárido), Cáritas Brasileira, Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e MISEREOR, o evento reuniu pouco mais de 70 pessoas entre acadêmicos, especialistas, militantes do Brasil, Bolívia, Peru e Alemanha (país que domina tecnologias mais avançadas em energias renováveis), acompanhados de jornalistas brasileiros, do Chile, Peru e Inglaterra, a convite da IPS (Inter Press Service – América Latina).
Durante o evento, os participantes participaram de um curso sobre implementação e manutenção de energia fotovoltaica oferecido às delegações do Brasil, Bolívia, Peru e Alemanha. A intenção foi difundir o uso de uma energia menos impactante ao meio ambiente e fortalecer a rede de luta por energias renováveis. A programação do curso incluiu visitas a locais onde a energia solar, abundante na região do semiárido nordestino, está sendo usada para levar eletricidade a residências de agricultores e estabelecimentos comerciais como postos de gasolina, hotel, lojas, uma padaria, um cemitério particular e uma igreja.
Há quatro anos, o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido atua para popularizar a discussão sobre fontes alternativas de energia, seus benefícios e os cuidados necessários. No sertão paraibano, o trabalho com associações de pequenos produtores, universidades e da comunidade acontece nos municípios de Souza, Cajazeiras, Pombal e Aparecida. “O sol é uma grande fonte de energia, mas pouco discutido. O custo da energia elétrica faz diferença no bolso do cidadão, na vida do pequeno agricultor e, para nós, a maior conquista é ver a população debatendo energias renováveis”, comenta César Nóbrega, coordenador-geral do CERSA e membro da diretoria da Frente por Uma Nova Política Energética. “O pano de fundo de todas essas discussões é a questão climática, o aquecimento do planeta, a escassez da água. Podemos ter o sertão todo desertificado pela falta d’água e por que não aproveitarmos o sol como fonte de geração de energia e renda?”, completa. No Brasil a principal fonte de energia vem das hidroelétricas.
O principal desafio da rede é tensionar a sociedade para criação de políticas públicas que beneficiem os mais pobres. “Nosso trabalho é mostrar à comunidade que é possível ter o sol como aliado. É empoderando essas pessoas que conseguiremos cobrar políticas públicas. É preciso enxergar a energia não como uma mercadoria, mas como um bem que diz respeito a vida, que alimenta a vida”, enfatiza Nóbrega.
Atualmente, alguns projetos pilotos funcionam em comunidades rurais da região. No município de Pombal, um grupo de camponesas construiu uma padaria solar e um biodigestor. Na agrovila do assentamento Acauã, município de Aparecida, as placas de energia solar alimentam a bomba d’água que abastece as 114 famílias de trabalhadores rurais. Parte da energia do campus da Universidade Federal de Campina Grande em Pombal é proveniente da instalação das placas de energia solar instaladas para as pesquisas.
O investimento de instalação do sistema para uma residência mediana (4 pessoas) custa cerca de R$ 8 mil. O retorno do investimento leva cerca de seis anos, mas nunca houve investimento público nessa experiência. “Hoje só quem tem mais condições financeiras consegue investir em um sistema fotovoltaico, por exemplo. Já quem vive da agricultura familiar, maior fonte de renda local, ainda não consegue arcar com esses custos”, lamenta Joilson José Costa, da Articulação Frente Energética.
No atual contexto de cortes drásticos nos investimentos sociais, de desmonte do ensino e da saúde, além das políticas que beneficiam as privatizações, a experiência no sertão paraibano surge como uma perspectiva concreta para o futuro. “Acreditamos na luta. É importante a gente manter o debate sobre a questão energética, mas não apenas tecnologicamente, precisamos avançar na questão política. Se fala muito em desenvolvimento, mas que desenvolvimento queremos. Para quem? Até onde o planeta comporta tanta exploração?”, mais uma vez questiona Nóbrega.
A rede de luta por energias renováveis defende um modelo de descentralizado, em que possibilite que cada casa possa ter o seu sistema de energia renovável, sem depender das grandes distribuidoras de energia. De acordo com Ivo Poletto, estudos já apontam que 40% dos telhados de Brasília, por exemplo, são capazes de gerar a energia necessária para abastecer a cidade. “Com as placas, a Capital Federal poderia produzir o dobro da energia que precisa. A energia solar será necessária. É uma energia desejável. Não existe energia limpa, avaliamos que essa é menos danosa”, explica o assessor do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social.
O sol nasce para todos em Sousa
Mesmo distante 438 km da ponta do Seixas, o ponto mais oriental do Brasil – e onde o sol nasce primeiro, como martela o slogan da publicidade oficial da Paraíba –, Sousa despertou primeiro para os poderes e os benefícios da energia solar.
As condições climáticas que garantem a eficiência da energia solar levaram à criação do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA) que passou a atuar no extremo oeste do estado junto às universidades locais (UFPB e Federal de Campina Grande), ao Instituto Federal da Paraíba e a uma rede de apoio nacional, capacitando as comunidades para o uso de uma energia mais limpa que a gerada pelas hidrelétricas.
Cursos para formação de técnicos já foram oferecidos pelo CERSA, uma vez que o diálogo com a comunidade é considerada a fase mais importante do trabalho. “Acreditamos que nenhuma iniciativa pode ser imposta. Explicar os benefícios que vão desde a economia financeira até a preservação do meio ambiente é papel do educador social e é assim que nós conscientizamos. Diante disso, apresentamos os projetos pilotos e escutamos da comunidade se elas desejam aquilo. Só depois treinamos as pessoas para o uso e manutenção das placas e implementamos o sistema. É fundamental nesse processo que elas mesmas aprendam a manutenção para baratear o processo e oferecer uma vida mais longa as placas”, explica César Nóbrega.
De acordo com o prefeito de Sousa, Fábio Tyrone (PSB), foi solicitado um estudo para implementação de energia solar nos prédios públicos de Sousa. De acordo com Tyrone, a empresa que será licitada fará a instalação das placas de captação e gerenciamento do sistema e, com a economia gerada com a redução das contas de energia, cerca de R$ 6 milhões ano, será feito o pagamento. A expectativa é que em até seis anos a dívida com a empresa seja quitada. Após análise de viabilidade do primeiro projeto existe a possibilidade de também ser utilizada energia fotovoltaica para suprir a iluminação pública. O estudo ainda não foi concluído.
As placas utilizadas têm potências variadas, são de fácil manuseio e duram entre 25 e 30 anos. Elas funcionam interligadas à companhia elétrica de cada estado e podem acumular mais energia, gerando um saldo em quilowatts acumulativo em até cinco anos. Uma empresa que gere mais energia do que consome pode dividir com outra unidade de mesmo CNPJ. O mesmo vale para as pessoas físicas. Pela legislação brasileira, em nenhuma situação a conta de energia será zerada. De acordo com a resolução 414/2010 da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), em todos os casos, será cobrada uma taxa mínima pela concessionária de energia, pelo uso de conectividade. Qualquer brasileiro pode instalar o sistema de energia solar, mas é preciso autorização da concessionária.
Formada em Jornalismo pela Unicap. Apaixonada pela fotografia, campo que atua profissionalmente desde 1999. Atualmente é freelancer e editora de imagens do Marco Zero.