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Marco Zero e Muniz Sodré na Bienal do Livro Pernambuco

Carol Monteiro / 06/10/2015

A equipe da Marco Zero Conteúdo estará nesta terça-feira na Bienal do Livro Pernambuco, no Centro de Convenções, para uma conversa sobre o presente e o futuro do jornalismo em companhia do jornalista, sociólogo e professor Muniz Sodré. O encontro – aberto ao público e gratuito – será a partir das 17h, no Espaço Paulo Freire. Em entrevista ao Marco Zero, ele antecipou algumas de suas preocupações sobre os dilemas da comunicação contemporânea.

Em um de seus artigos para o Observatório da Imprensa, o senhor menciona o filósofo John Dewey, para quem o jornalismo poderia se tornar um meio de educação e debate públicos. No mesmo artigo o senhor menciona que há um espaço aberto para experiências no atual vazio cívico da imprensa jurássica e que cabe à sociedade dizer com que tipo de imprensa gostaria de conviver em termos mais duradouros. Em sua opinião, quais são os horizontes possíveis para a relação entre imprensa e opinião pública?

Muniz Sodré: Bem, já existe quem de jornalismo como uma espécie de “perícia interacional bipolar”. O que é isto? É o jornalista que se especializa na perícia de outros peritos (em termos práticos, as suas fontes). Por exemplo, um jornalista especializado em economia é um profissional que se torna perito da perícia de um economista. Por que bipolar: Porque ele interage tanto com as fontes quanto com os públicos. Isto já existe parcialmente, mas com o peso maior no discurso das fontes, o que resulta em “economês”, uma linguagem que o público geralmente não domina. Na bipolaridade, o jornalista seria realmente um mediador de linguagem. Este é um horizonte possível, mas não o único. Outro é aprofundar a dimensão comunitária na produção e na recepção do discurso jornalístico.

As possibilidades de narrativas não tematizadas pelo circuito comercial de comunicação se expandiram muito com o chamado ecossistema de informação digital nos últimos anos. Tem sido raras, entretanto, as reflexões que articulem essa potencialidade à necessidade de um processo massivo de aprendizado com tecnologias e mídias digitais com uma mirada emancipatória. Como o senhor vê esse quadro? Como os comunicadores podem intervir nesse desafio ao mesmo tempo pedagógico e político?

Muniz Sodré: O problema está em saber o que hoje essa “mirada emancipatória”. Na imprensa tradicional, a emancipação poderia ser o ideal embutido num discurso político qualquer. Mas essa imprensa de militância acabou. Aceitar o desafio pedagógico, por outro lado, significa tomar o caminho da crítica da atualidade para conformar civicamente o público. Isto também ocorreu no passado, em momentos vigorosos da imprensa europeia. Não vejo janela histórica para essa possibilidade nos dias de hoje.

A esfera pública brasileira está firme no processo doloroso e demorado de fortalecimento de suas estruturas? Ou estamos regredindo?

Muniz Sodré: No Brasil, temos mais esfera “púbica” do que pública. É um trocadilho infame, claro, mas serve aqui para introduzir ao fenômeno do interesse coletivo por tudo que se refira a vida íntima (a vida do púbis) e a fofocas. O fato é que as tecnologias eletrônicas ampliaram apenas tecnicamente o espaço público sem alargar a velha esfera burguesa e liberal dos debates cívicos e políticos. As estruturas de que você fala me parecem podres.

Em sua reflexão sobre a televisão e a psicanálise há pouco espaço para as experiências populares com o espectro eletro-magnético. Me refiro às rádios e TV livres e também às rádios comunitárias, que são legais. Como o senhor vê a construção da realidade operada por essas experiências?

Muniz Sodré: Não há mais verdadeiramente rádios comunitárias ou “livres”. Primeiro, existe a perseguição feroz dos federais (polícia, ministério etc.), insuflados pela poderosa associação das emissoras comerciais. Depois, a tomada dos canais legais, com raras exceções, por capitães de interesses miúdos, pastores evangélicos et caterva. Essas experiências estão sendo socialmente tolhidas.

Em sua reflexão sobre o grotesco na televisão, como enquadrar os atuais programas de auditório? É possível?

Muniz Sodré: O grotesco televisivo é um recurso estético de captação de públicos. Os atuais programas podem alterar os conteúdos, mas a estética é a mesma.

Recentemente alguns autores (Gorz, Lazzarato, Negri e outros) tem encarado com otimismo o cenário ambivalente formado pelas mudanças nas relações entre conhecimento, valor e capital, particularmente em face às redes telemáticas. Eles arriscam a possibilidade da superação da economia da escassez sobre a qual a história do capitalismo se assentou até hoje. O senhor tem acompanhado essa discussão?

Muniz Sodré: Gorz, ao que me consta, morreu. Logo, não pode estar acompanhando o que se passa. Quanto a Negri, talvez fosse conveniente reler O Capital, especialmente o terceiro livro, em que Marx disseca a questão do capital fictício, hoje em plena voga com a financeirização do mundo.

Como o senhor avalia o espaço que a grande mídia abre para discutir o jornalismo que ela mesma pratica? É bom lembrar que temos muito poucos ombudsman no Brasil. Considerando este déficit, até que ponto a produção de jornalismo independente que existe hoje no país, direcionado especialmente para a Internet, pode significar um contraponto aos grandes veículos e ao modo homogêneo como eles enquadram as notícias?

Muniz Sodré:A mídia hegemônica é empresarial, corporativa. A ela o que interessa mesmo é evitar o vermelho em seus balanços contábeis. Mas faço fé no jornalismo independente que possa surgir. Temos de encontrá-lo, como aquele personagem “Willy” no meio da multidão.

Qual é a contribuição da academia e da produção teórica de conhecimento para o processo de democratização da comunicação e da mídia no Brasil? E como aprofundar essa contribuição?

Muniz Sodré: O conhecimento teórico contribui para o avanço da comunicação no interior do campo acadêmico, mas não vejo como isso reflui para os aparelhos estatais e privados que decidem sobre mídia e telecomunicações no Brasil. Essas elites tecnocráticas podem ler a primeira página de alguma coisa, mas dificilmente viram a página.

O senhor acredita que há uma crise de confiança nas empresas de comunicação? Percebe uma mudança de paradigma na recepção do conteúdo gerado pela grande mídia? Se sim, a que o senhor atribui este fenômeno?

Confiança é matéria cara em qualquer lugar do mundo. Aqui ainda é muito mais cara….

Um dos grandes desafios para as iniciativas de jornalismo independente é a viabilização econômica delas, mesmo das que operam sem fins lucrativos. O senhor conhece alguma iniciativa bem sucedida ou arrisca uma sugestão para a manutenção e fortalecimento deste tipo de empreendimento?

Muniz Sodré:Infelizmente, não

AUTOR
Foto Carol Monteiro
Carol Monteiro

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1999), com especialização em Design da Informação pela mesma instituição (2010), master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) e Universidade de Navarra (2010). Tem Mestrado (2012) e Doutorado (2018) em Design, também na UFPE. Atualmente, é professora dos cursos de Jornalismo e Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou durante 17 anos na redação do Diario de Pernambuco, onde foi repórter, editora-assistente e Editora de Internet até o início de 2015. Hoje é presidente do Conselho Diretor do site de jornalismo independente e investigativo Marco Zero Conteúdo.