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Comida saudável de verdade, produzida sem agrotóxicos pelas mãos de famílias agricultoras, foi servida gratuitamente na tarde desta quarta-feira, no centro do Recife, no Banquetaço Pernambuco. Com alimento o bastante para 1.200 pessoas, o ato realizado a céu aberto faz parte da uma mobilização nacional para alertar para o perigo da volta da fome no Brasil e denunciar a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O Consea foi extinto em uma só canetada, na primeira medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro, assim que assumiu a presidência. Por isso, em todas as capitais em que existe Conseas estaduais, simultaneamente, os banquetaços aconteceram para provocar e chamar atenção da sociedade, na maioria das cidades, para as ameaças que podem enfraquecer e até mesmo acabar com políticas de enfrentamento à fome e de melhoria da qualidade do que a população come.
“O objetivo é ter a sociedade informada, sabendo a importância da política de alimentação e da participação popular no Consea”, explica Sônia Lucena, professora de Nutrição aposentada, que fez parte do Conselho Nacional por 12 anos e hoje integra o conselho em Pernambuco. “Do ponto de vista institucional, o Consea transcendeu o seu papel de sugerir política pública e passou a construir. Era composto por pessoas de diferentes áreas que durante a vida inteira tiveram um papel importante na sociedade, além da alta vulnerabilidade, mas nunca tinham tido voz. O Consea deu voz a essas pessoas, depois chegou aos estados e municípios”, analisou a conselheira.
Segundo Régis Xavier, conselheiro presidente do Consea Pernambuco, o banquetaço não foi uma manifestação apenas de denúncia, mas também celebração. “Comer é muito mais do que se alimentar, é garantir a sobrevivência, resistência, a identidade política, cultural e regional.
A preocupação do movimento é também de explicar à sociedade a complexidade do que a extinção do Consea pode representar e como vai afetar a vida das pessoas. “O Consea trabalha uma questão bem concreta, por exemplo, a política de alimentação escolar foi resultado de uma ação nossa. A própria lei da alimentação escolar foi gestada dentro do Consea”, disse Régis, argumentando o quanto a política está conectada ao dia a dia de pessoas na cidade e também no campo.
“O impacto disso na prática é que políticas federais como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), banco de alimentos e cozinhas comunitárias, passavam pelo Consea nacional. Sem o Consea fica em aberto quem vai fazer esse link entre municípios e a política nacional. É isso que eles quebraram”, explica Régis.
A decisão não extingue de pronto os conselhos no âmbito estadual e municipal, mas fragiliza a política nos estados que não têm base forte. Outra leitura é que a extinção do Consea teria como objetivo retirar o elemento que garantia a base social da política e a articulação nas três esferas. “O desafio é garantir a sustentabilidade da política nos estados sem a presença do ente nacional que dava estabilidade ao sistema. Alguns estados fecharam a sala do Consea e trancaram com chave 10 dias depois da MP”, criticou.
Com o Consea fora do cenário nacional, os interesses do lobby do agronegócio também despontam como mais uma ameaça para a saúde da população. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil ocupa, hoje, o 7º lugar mundial com relação à quantidade de agrotóxicos aplicados por hectare de terra cultivada. “Excluído o Consea, você tira esse debate sobre agrotóxico, sobre a produção da agricultura familiar, da produção das comunidades tradicionais. Eles tiraram várias questões com relação à segurança alimentar. Deixou o sistema, mas não tem o principal que é o órgão que vai fiscalizar. Foi uma cirurgia profunda no sistema e deixou sem uma parte fundamental”, critiou Régis.
Da mesa ao campo
Falar em insegurança alimentar, segundo explica Hillário Damázio, conselheiro presidente do Conselho Regional de Nutricionistas da 6ª Região, passa por entender que nem sempre a mesa com comida significa saúde. A falta de acesso à comida saudável, sem agrotóxicos, não transgênicos, é uma forma de insegurança alimentar.
Segundo o nutricionista, a categoria está atenta e vem percebendo o aumento da desnutrição, principalmente na população de baixa renda. “A crise econômica reflete a insegurança alimentar e isso se reflete na desnutrição. A insegurança alimentar é a falta de acesso ao alimento, então temos notado isso na ponta da saúde pública. A falta de investimento em políticas públicas e programas sociais faz com que a insegurança alimentar chegue na ponta”, afirma Damázio.
“O nutricionista hoje infelizmente é conhecido pela sociedade e chamado pela mídia para falar obre dieta, sobre secar a barriga e emagrecer, mas ao contrário do que todo mundo pensa a base da nutrição é social”, comentou Damázio. Para ele, tanto o diálogo com a sociedade, como com a classe de nutricionistas é fundamental para garantir o direito humano à alimentação e segurança alimentar para a população.
O quadro de insegurança alimentar é uma preocupação também para quem está no campo, na ponta da produção. O agricultor familiar Severino Nunes Ferreira, do Assentamento Arariba de Baixo, no Cabo de Santo Agostinho, participou dos programas federais de fornecimento de alimentos desde o início, com o Fome Zero, em 2004.
De lá para cá, ele afirma que as políticas melhoraram a qualidade de vida dos agricultores familiares, mas nos últimos anos vêm sofrendo com o desinvestimento.
Segundo ele, o Consea foi fundamental para garantir a sustentabilidade da agricultura familiar à medida que articulada e facilitava o acesso a políticas públicas. “O Consea é uma fonte, sem ele a gente não desenvolve nada. Junto com conselho municipal de agricultura, a sociedade e os agricultores a gente precisa discutir ações em conjunto”, defende.
Para além do Consea, o agricultor fez um apelo à população da cidade para que procurem saber o impacto na vida de quem coloca alimenta na mesa das famílias. “Sem agricultura nós não vivemos. Plantação de soja, arroz, milho, feijão, macaxeira, pé de coentro, tudo é da agricultura familiar. Chegamos a produzir e abastecer por mês 40 toneladas de alimento, hoje é quase nada. O pessoal da cidade não sabe de nada disso, só querem saber quem produziu. Vim aqui hoje para passar informação para o povo”.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.