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Após um carnaval de resistência repleto de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro (PSL), o país voltou à rotina nas vésperas do Dia Internacional de Luta das Mulheres, o 8 de março, que deve mobilizar milhares de brasileiras por todo o país nesta sexta-feira. No Recife, o mote que levará as mulheres às ruas no dia de hoje é “Marielles: livres do machismo, do racismo e pela previdência pública”, homenageando a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL), assassinada em 14 de março de 2018, e se posicionando contra a reforma da previdência que está sendo articulada no Congresso Nacional pelo presidente da República e sua equipe. A concentração do ato será às 14h, na Praça do Derby, e a saída está prevista para as 16h.
Onze eixos temáticos englobam a manifestação que vem sendo organizada desde janeiro, através de reuniões abertas ao público e pelas mãos de diversos movimentos feministas. A Marco Zero entrevistou cinco representantes de diferentes movimentos que fizeram parte da elaboração do ato recifense para entender a construção do 8 de março deste ano e os principais pontos que nortearam a primeira grande mobilização de mulheres após a vitória de Bolsonaro nas urnas.
As mulheres continuam à frente da resistência, assim como aconteceu durante as eleições de 2018 com o levante “Ele não”. Confira os eixos:
1. Contra o Racismo: Vidas Negras Importam!
2. Pelo direito de viver e amar. Lesbofobia e Transfobia é Crime!
3. Pelo direito à proteção social: Não às Reformas Trabalhista e Previdenciária!
4. Por uma democracia justa e participativa para e pelas mulheres.
5. Pela Vida das Mulheres: Não ao Feminicídio!
6. A proibição das drogas mata e encarcera o povo negro. Pelo fim da guerra!
7. Legalização do aborto: pela autonomia e proteção das mulheres.
8. Em defesa dos territórios e da agroecologia: Margaridas do campo, das florestas, das águas e da cidade.
9. Não foi tragédia ambiental! Punição para os crimes da mineração!
10. Em defesa dos direitos e dos territórios das populações indígenas e quilombolas.
11. Pelo direito das mulheres com deficiência a uma vida plena! Abaixo a discriminação!
Segundo a integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE), Sophia Branco, a formação do 8 de março é um momento de “desafio”, mas também de “crescimento” para os movimentos envolvidos. Os eixos estabelecidos são o resultado de um extenso diálogo que acontece de maneira mais densa em relação às outras mobilizações do calendário feminista. “É uma construção que dura mais ou menos dois meses e possibilita que a gente amadureça as ideias, o que é bem diferente de nos encontrarmos em uma plenária pontual.”, explica. Para ela, a grande tarefa nos últimos três anos de ato tem sido abarcar a “pluralidade das reivindicações” das mulheres e, com o governo Bolsonaro, essa preocupação se tornou ainda maior já que as demandas aumentam conforme os retrocessos da atual gestão se concretizam.
São cerca de cinco movimentos lidando diretamente com a organização do ato. De acordo com a militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Elisa Maria, o 8 de Março é também um “exercício muito amplo de unidade”. “A gente consegue demarcar com muita evidência os dois lados, não é?! Do lado de cá somos companheiras que sofremos com o machismo e do lado de lá (do governo Bolsonaro) temos um sistema machista, racista, capitalista e patriarcal. Então, temos mulheres com estratégias diversas, mas que não estão dispersas.”, afirma.
A tag que uniu mulheres contra a candidatura de Jair Bolsonaro nas redes e nas ruas, durante as eleições de 2018, gera expectativa para a mobilização do 8 de Março. Desde os dois atos #Elenão, ocorridos no final dos meses de setembro e outubro do ano passado, mulheres que até então não participavam das construções destes tipos de manifestações políticas, agora se aproximam dos movimentos.
A integrante da Rede de Mulheres Negras, Liliana Barros, conta que há três anos faz parte da organização do ato, mas este ano ficou surpresa com a presença de mais mulheres não necessariamente ligadas a movimentos ou coletivos. “Para nós, este 8 de março traz um desafio ainda maior de estarmos cada vez mais juntas. Me surpreendi na primeira reunião da organização, tinham mais de 150 mulheres participando e as portas da sala nem fechavam. Estou com uma expectativa muito grande em relação a estas mulheres no ato”, conta Liliana.
Principal ponto de convergência entre os setores do movimento feminista, a recusa à reforma da previdência do governo de Jair Bolsonaro, que determina o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição para as mulheres se aposentarem, de 60 para 62 anos e de 15 para 20 anos, respectivamente, afeta diretamente a vida das mulheres.
Segundo a integrante da Central Única dos Trabalhadores (CUT-PE), Jorgiane Araújo, as temáticas anuais do 8 de março têm mudado significativamente desde o golpe de 2016, que depôs a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Nos anos anteriores ao golpe, a nossa luta era por direito ao nosso corpo, à igualdade salarial e direito à creche, por exemplo. Em 2016, nossos direitos sociais começaram a ser mais ameaçados. A previdência e a saúde pública cada vez mais sucateadas. As nossas escolas, a educação e os professores sem terem valorização. Outras bandeiras foram acrescentadas às nossas bandeiras que eram voltadas para o corpo das mulheres e a violência contra a mulher”.
Para além do 8 de março, os movimentos feministas enxergam desafios a serem superados que ficaram mais evidentes após a eleição de Bolsonaro e o avanço do campo político mais conservador no Brasil. A militante da Marcha Mundial das Mulheres, Elisa Maria, acredita que o momento agora é de “territorializar as lutas”. “Somos um movimento nacional, mas o importante é termos núcleos de mulheres resistindo juntas em bairros e escolas, em locais de trabalho. É o que chamamos de trabalho de base e, para isso acontecer, temos que nos enxergar base. Nos enxergar criando laços onde estamos. Nós provocamos muitas companheiras a criar núcleos onde moram”, disse.
Já Sophia Branco, do FMPE, enxerga os desafios em um contexto para além dos movimentos de mulheres. “Eu acho que toda esquerda tem passado por um processo de reavaliação. Alguns setores de forma mais intensa e mais pública e outros de forma mais interna. O movimento feminista tem um acúmulo metodológico que tem a ver com a escuta interna da nossa pluralidade, a não dissociação entre a política e a nossa vida, uma preocupação com o autocuidado da horizontalidade, estes são elementos que fazem com que nossa construção política seja singular, o que não significa que a gente não esteja fazendo uma autocrítica melhor ou pior”, esclareceu.
Militante da Rede de Mulheres Negras, Liliana Araújo afirma que ao conversar com as mulheres negras da periferia o sentimento que permeia em relação ao governo Bolsonaro, a reforma da previdência e o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é o “medo”.
“O medo, porque a polícia chega com mais força, com mais evidência e liberdade de ação dentro das nossas comunidades. E, depois dessa licença para matar (pacote anticrime), dada pelo governo, o receio é muito grande. Nossa juventude está sendo exterminada. A cada 23 minutos um jovem nosso é assassinado. O medo é muito grande, o medo e a fome são duas coisas muito evidentes nas comunidades. Mas o povo negro, o nosso nome é resistência. E, para nós, a resistência é luta mesmo.”
O Pacote Anticrime proposto por Moro, apresentado ao Congresso Nacional em fevereiro, causou polêmica sobre diversos pontos, mas principalmente no que se refere à legítima defesa. O ministro propôs alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal, que visam a possibilidade de o juiz reduzir a pena pela metade ou não aplicá-la quando o excesso na legítima defesa “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Ainda propõe que seja considerada legítima defesa a ação do agente policial ou de segurança pública que esteja em situação de conflito armado ou em risco iminente de conflito armado e em situações com vítimas reféns.
Sobre este mesmo pacote, a integrante da Rede de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Priscila Gadelha, afirma que ele é a continuidade de medidas que já vêm sendo tomadas mesmo que não oficialmente. “É a continuidade de um projeto genocida do povo negro com amplitude. A gente vê o governo do Rio de Janeiro que assume a mesma linha e os índices de mortes de policiais e da população quase duplicados nos primeiros dias de 2019. Isso é a legitimidade de uma necropolítica, de que algumas pessoas podem morrer e outras não. E o debate da gente sempre foi esse, de que não dá para a gente ficar qualificando as vidas das pessoas e quantificando isso, dizendo quem pode e quem não pode morrer”.
Jornalista atenta e forte. Repórter que gosta muito de gente e de ouvir histórias. Formou-se pela Unicap em 2016, estagiou nas editorias de política do jornal impresso Folha de Pernambuco e no portal Pernambuco.com do Diario. Atua como freelancer e faz parte da reportagem da Marco Zero há quase dois anos. Contato: helenadiaas@gmail.com