Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Ulisses Carvalho, procurador do MPT-PE. (Foto: MPT-PE)
Neste 1º de maio, Dia do Trabalhador, o desemprego é a realidade de mais de 13 milhões de brasileiros. Até agora a pauta alinhada com o empresariado que apoiou o governo Jair Bolsonaro (PSL) não surtiu o efeito esperado pelo mercado, que previa aquecimento econômico e consequente geração de vagas. No primeiro trimestre do novo governo a taxa de desemprego aumentou de 11,6% para 12,7%, segundo o IBGE. A chamada força de trabalho subutilizada chegou a 27,9 milhões de pessoas, isso representa mais de um quarto da população economicamente ativa.
Não bastasse o encolhimento do mercado, os trabalhadores brasileiros ainda enfrentam a progressiva supressão de direitos. O cenário que começou a se agravar desde a reforma trabalhista, aprovada no governo de Michel Temer, aponta para um horizonte ainda mais dramático com a reforma da Previdência apresentada pelo atual governo, que já está em tramitação no Congresso.
Além dessas questões, outras medidas, como a extinção do Ministério do Trabalho, também vulnerabilizaram relações trabalhistas no país. Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, o procurador do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT-PE), Ulisses Dias de Carvalho comentou algumas dessas questões e destacou: “não é a redução de direitos dos trabalhadores que levará à expansão do número de empregos”.
Qual sua opinião sobre as ações que têm sido articuladas pelo Governo Federal com foco no trabalho?
Infelizmente, o atual governo ainda não apresentou nenhum desenho de política pública de empregabilidade. O foco na reforma previdenciária e nas medidas de combate à criminalidade sistêmica parece não ter dado margem para discussões sobre a criação de empregos e a capacitação de trabalhadores. Por outro lado, a absorção do Ministério do Trabalho pelo Ministério da Economia sinaliza o tipo de prioridade que o Poder Executivo Federal vai dar à questão.
A extinção do Ministério do Trabalho, com parte da Pasta deslocada para o Ministério da Economia, de certo modo, colocou a tomada de decisão sob o ponto de vista do empresariado?
Um ministério exclusivo para a temática trabalhista não garantia a defesa contumaz dos direitos dos trabalhadores. Nunca garantiu. A reforma trabalhista, que, apesar do discurso oficial, retirou sim direitos, como as horas in itinere (horas no itinerário ou seja, as horas de deslocamento do profissional de casa para o trabalho. A reforma trabalhista acabou com o pagamento das horas in itinere), foi aprovada quando existia o Ministério do Trabalho.
Mas ainda assim essa mudança não gerou um conflito de interesses?
Na atual conformação, com uma estrutura tão gigantesca, como a que foi concedida para o Ministério da Economia, acredito que há margem sim para algum tipo de defesa dos interesses da classe trabalhadora.
Após período de estruturação do mercado de trabalho em torno do emprego formal, o Brasil enfrenta um aumento expressivo do desemprego e da informalidade. Somente em março deste ano foram fechadas 43.196 vagas de emprego, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados pelo Ministério da Economia. Estamos retrocedendo?
A recessão econômica vivida nos últimos anos, sem dúvidas, é a principal causa do aumento expressivo do desemprego e da informalidade. Por outro lado, a falta de investimentos públicos eficientes em educação acaba retirando a possibilidade dos integrantes das camadas sociais menos favorecidas terem acesso ao mercado formal de trabalho. A essas pessoas são reservadas a precariedade do mercado informal de trabalho, um sistema educacional absolutamente discriminatório e falido, saúde e transporte de péssima qualidade. E, apesar de não serem a causa dessa situação, ferramentas tecnológicas modernas, como aplicativos de prestação de serviços, contribuem para essa situação porque acabam se tornando a única alternativa viável para essas pessoas.
Então, a reforma trabalhista não surtiu o efeito esperado?
Como defendido pelo Ministério Público do Trabalho à época das sumárias discussões sobre o texto da reforma trabalhista, não seria a institucionalização da precarização das relações de trabalho e a consequente supressão de direitos que acarretaria no acréscimo do número de postos de trabalho no país. Infelizmente, os números do Caged de 2018 e 2019 demonstram essa triste realidade. O saldo de empregos formais criados neste período apenas reforça a nossa convicção de que não é a redução de direitos dos trabalhadores que levará à expansão do número de empregos.
Sobre essa questão da extinção do Ministério do Trabalho – que foi a primeira Medida Provisória editada pelo governo atual e distribuiu as atribuições da Pasta entre os ministérios da Economia, Cidadania e Justiça, isso trouxe várias consequências como a transferência do registro sindical para o Ministério da Justiça. O que isso significou na prática?
Sobre a transferência do registro sindical para o Ministério da Justiça, a sinalização é clara: há a intenção de criminalização dos movimentos sindicais. Isso não é novo, não é novidade. No início de sua história, as associações sindicais eram proibidas também. Ocorre que esse movimento sutil, que retira da Secretaria do Trabalho o controle da unicidade sindical e o coloca no Ministério da Justiça, viola a Constituição, porque os sindicatos são parte essencial nas relações de trabalho moderna. Os crimes cometidos dentro do extinto Ministério do Trabalho devem ser tratados como efetivamente são: crimes. Seus autores devem ser punidos. Esse tipo de conduta deve ser combatida. Agora, o controle da unicidade sindical, feita pelo registro, e a atuação dos sindicatos não podem ser tratadas como questão de polícia.
Ainda sobre o fim do Ministério do Trabalho, como estão as inspeções do trabalho? Ficaram comprometidas?
A inspeção do trabalho sofre há anos pela precarização de sua estrutura. Não há auditores fiscais suficientes. Não há servidores de apoio. Não há viaturas. Às vezes, não há material de escritório. A principal consequência desses fatos é que se torna muito convidativo aos maus empresários o descumprimento da legislação laboral, porque eles sabem que a fiscalização nunca chegará. Daí para a maior precarização das relações de trabalho é um pulo: trabalho sem carteira assinada, sem equipamentos de proteção coletivos ou individuais, sem programas de saúde e segurança, sem treinamento… Nesse contexto, e diante da promessa do governo de não realizar concursos públicos nos próximos anos, a situação do trabalhador brasileiro tende a piorar.
Embora a escravidão tenha sido abolida no Brasil há mais de 130 anos, ela continua presente na nossa sociedade. Somente no ano passado foram 1.723 flagrantes de situações análogas ao trabalho escravo. Apesar disso, a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) foi extinta pelo governo recentemente. De que modo a extinção dessa comissão afeta o combate ao trabalho escravo no país?
O Decreto n. 9.759/19 extingue todos os colegiados federais a partir de 28 de junho, permitindo a sua recriação por ato específico do presidente da República. A principal consequência da extinção da Conatrae é acabar com o colegiado interinstitucional que tratava do acompanhamento do 2º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, extinguindo uma instância democrática que trazia legitimidade para as decisões relacionadas à temática e que teria subsídios para desenhar um terceiro e mais ambicioso plano nacional, tendo em conta que o trabalho escravo ainda é um tema de preocupação nacional. Como dito, mais de 1.700 pessoas foram encontradas nessa situação em 2018. Em 2019, mesmo com todas as dificuldades da inspeção do trabalho, dezenas de pessoas já foram resgatadas, inclusive em Pernambuco, onde dez trabalhadores foram resgatados de condições degradantes de trabalho no município de Arcoverde no começo do mês de abril.
A reforma da Previdência que está em tramitação é vista por sindicatos e por vários movimentos sociais como o fim da Previdência pública e uma grande ameaça aos direitos trabalhistas. Como você avalia as mudanças, da forma como estão postas? Concorda com essa visão?
Há muitos aspectos a serem avaliados nessa questão. A própria necessidade da reforma previdenciária é questionada, especialmente quando é desconsiderada nas discussões o tema da existência de fontes constitucionais de custeio, como as contribuições sobre a receita de concursos de prognósticos e do importador de bens ou serviços do exterior, e 30% do montante total arrecadado com contribuições sociais é simplesmente desvinculado do pagamento das despesas da previdência social. A decisão do governo de não divulgar os números nos quais baseou sua proposta de emenda constitucional não contribuiu muito para a transparência necessária à discussão. O aumento uniforme da idade mínima para aposentadoria, desconsiderando as peculiaridades dos locais mais pobres, em que os valores dos benefícios são o principal motor da economia, a redução do valor dos benefícios de natureza assistencial, assim como a adoção de sistema de capitalização individual, igualmente preocupam.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).