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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Por Débora Britto e Mariama Correia
A estrutura do evento foi montada entre as estátuas de mármore e as pinturas clássicas do imponente salão do Instituto Ricardo Brennand, museu em formato de castelo, no Recife. Na manhã desta sexta-feira (24), todos os olhos e ouvidos, até os desses objetos inanimados, estavam voltados aos detalhes da primeira visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Nordeste desde a sua eleição. Com atraso de cinco meses, Bolsonaro se voltou para a região, onde seu governo mantém índices de rejeição acima da média nacional, com o anúncio do aumento de R$ 4 bilhões para o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste. O aceno convenceu as lideranças apenas em parte.
Depois de meses de indiferença aos pleitos nordestinos, Bolsonaro veio ao Recife para participar da 25º reunião do Conselho Delibeativo da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), o Condel. No começo da semana, a hashtag #NordesteCancelaBolsonaro ficou entre as mais populares do Twitter. Todos os governadores da área de atuação da Sudene (além dos nove do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo), menos o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), estavam presentes no encontro, que também reuniu ministros, parlamentares e prefeitos do Nordeste. “Quando um presidente chega, a gente sempre espera que venham mais boas notícias. Foram boas, mas não foram tantas”, avaliou o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB).
Para um salão com muitas cadeiras vazias, o presidente fez, ao estilo confuso e pouco empolgante que tem sido sua marca, um breve discurso antes do início da reunião do Condel. “Temos um desafio pela frente. A reforma da Previdência, sem a qual não podemos sonhar parte do que estamos apresentando nessa reunião”, destacou em um trecho. Foi um claro pedido de apoio aos governadores nordestinos para a aprovação do projeto. Mais tarde, em conversa com os jornalistas, novamente condicionou investimentos à aprovação do projeto que, para ele, é a reforma mãe. “Enquanto não se fizer isso você não terá as suas contas estáveis”, destacou, defendendo que desavenças partidárias devem ser superadas em prol da aprovação do projeto.
Alguns minutos antes da chegada do presidente ao salão onde aconteceu a reunião do Condel, contudo, governadores criticaram o “samba de uma nota só” do governo em relação ao tema da Previdência. “É importante fazer uma reforma que retire privilégios e não prejudique os mais pobres. Mas sobretudo apresentar uma outra agenda, da retomada do emprego, da renda. O país não pode ter uma agenda única”, criticou o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).
Mesmo assim o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), considerou que os anúncios feitos pelo presidente nesta sexta-feira foram importantes, tanto pelo aumento de recursos para o FNE, quanto no sentido da revalorização da Sudene, que precisa ser fortalecida enquanto fomentadora do desenvolvimento do Nordeste. Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco, também ressaltou a importância da Sudene “para o desenvolvimento da região, que ainda convive com os flagelos da seca e da fome”.
O acréscimo de R$ 4 bilhões para o FNE, fundo que é operado pelo Banco do Nordeste e representa uma importante fonte de financiamento de projetos para a região, serão liberados ainda este ano. O anúncio faz parte do Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE) do Governo Federal, que inclui diretrizes para investimentos em projetos hídricos, de educação, tecnologia, entre outros. Com o novo aporte, o volume de recursos passará de R$ 23,7 bilhões para R$ 27,7 bilhões. “Os recursos são dos retornos de investimentos do Banco do Nordeste”, explicou o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto. Para projetos de infraestrutura serão destinados R$ 3 bilhões. O restante (R$ 1 bilhão) vai para microcrédito.
Na reunião também ficou decidido que 30% do FNE será destinado para infraestrutura. Isso significa pelo menos R$ 15 bilhões em quatro anos para destravar projetos na região. Ainda não há detalhamento de quais projetos serão contemplados efetivamente. “Os governadores apresentaram projetos locais e regionais para a Sudene e para o Ministério do Desenvolvimento. Esse material foi integrado ao Plano de Desenvolvimento do Nordeste como o Anexo 3. A liberação, entretanto, dependerá da aprovação do governo e do Banco do Nordeste”, explicou o governador da Paraíba, João Azevêdo. “Essa lista de projetos vai orientar investimentos”, acrescentou.
Após o evento no Recife, Bolsonaro seguiu para Petrolina, no Sertão pernambucano, acompanhado do governador Paulo Câmara e do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB) para inaugurar residencial do programa Minha Casa Minha Vida. No começo da manhã, o bloqueio de bens do senador Bezerra Coelho, em decorrência das investigações da Operação Lava Jato, tinha sido noticiado pela imprensa. Perguntado sobre se essa notícia poderia fazer com que a liderança do governo no Senado fosse retirada do parlamentar, Bolsonaro ignorou o questionamento e encerrou a coletiva. O senador, que estava ao lado do presidente, também fingiu não ter ouvido a pergunta.
Por volta das 15h, postou na sua conta do Twitter um agradecimento a Pernambuco com um vídeo que mostra a recepção que seus apoiadores fizeram em Petrolina. A população de Petrolina, no Sertão pernambucano derrubou o projeto que concedia cidadania petrolinense ao presidente.
Na visita ao Recife, Jair Bolsonaro não fugiu ao script ao qual tem sido fiel desde a posse. Esquivou-se das perguntas da imprensa com argumentos rasos. “Faça uma pergunta inteligente”, foi a resposta quando a nossa reportagem inquiriu sobre seu alto índice de rejeição na população nordestina.
O próprio formato da entrevista que concedeu após a reunião com os governadores, aliás, mostrou que o presidente não está disposto a responder toda e qualquer questão. Repórteres, cinegrafistas e fotógrafos, espremidos em um cercadinho, precisaram disputar no grito a oportunidade de fazer uma pergunta ao presidente, enquanto os assessores de imprensa do Planalto escolhiam para qual jornalista e pergunta dariam voz, direcionando o microfone.
O incômodo da presidência com a imprensa também ficou evidente no distanciamento dos jornalistas, que, durante a reunião do Condel, foram mantidos em um cercadinho longe das autoridades. Impedidos de acompanhar o debate entre os governadores e a presidência, os profissionais de imprensa foram mantidos em um auditório sem internet até a realização da entrevista com o presidente.
Do lado de fora, no bairro da Várzea, a rua em frente ao Instituto foi palco de manifestações pró e contra o presidente. Com forte policiamento, os grupos não chegaram a se confrontar fisicamente, mas provocações foram feitas dos dois lados. Grande parte dos policiais na linha de frente estavam sem identificação na farda.
Às 8h30 da manhã já havia apoiadores de Bolsonaro em frente ao local da reunião. O grupo só dissipou totalmente por volta de 13h15, quando o helicóptero com o presidente foi visto deixando o instituto. Cerca de 40 pessoas ainda tinham esperança de o presidente sair para saudar os apoiadores. Durante a manhã, o grupo se fez ouvir com carro equipado com som e gritos de “Fora Globo”, do mantra “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, do Hino Nacional e eventuais xingamentos direcionados a quem passasse na rua com manifestação contrária.
O grupo também chamou a atenção por carregar cartazes contra veículos de mídia local, a exemplo da Rádio Jornal, do Grupo Jornal do Commercio. Alguns manifestantes se recusaram a falar com jornalistas e perguntavam qual a tendência política do interlocutor. Além da crítica à imprensa, os cartazes atacavam o “centrão”, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM), e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Moradora do bairro, Bernadete Soares, que pediu para ser identificada como “do lar”, estava desde cedo acompanhando a movimentação. Foi até em casa e trocou de roupa para uma com as cores da bandeira. Segundo ela, a principal prioridade do governo deveria ser a saúde. “Se você não tiver saúde, como você vai estudar? Primeiro saúde, depois educação. Os professores precisam ser reconhecidos e bem remunerados e tem que acabar com o vandalismo nas escolas”, afirmou. Ao mesmo tempo, ela defende a reforma da Previdência. “O Brasil está passando por situação muito difícil e Jair Bolsonaro está começando agora. Ninguém pode questionar, ninguém pode falar. E ainda tem gente do PT lá. Ele está num conflito porque ele já pegou uma coisa ruim. Imagine você querer enxugar uma coisa que está ruim. Eu espero que seja de comum acordo a aprovação da reforma da Previdência”, explica.
Desde cedo, manifestantes do ato “Xô Bolsonaro” convocado pelo Comitê Popular da Várzea – formado pela comunidade estudantil e de moradores do bairro – distribuíam panfletos aos transeuntes que passavam em frente ao instituto com uma Carta Aberta a Bolsonaro, em que exigiam que o presidente “recue imediatamente e totalmente nos cortes do orçamento da Educação e na sua proposta cruel de reforma da previdência”. Ao ato se somaram estudantes, professores e servidos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Irís Rodrigues, educadora social e moradora da Várzea, esteve no ato carregando um cartaz afirmando que sem educação não há evolução. Para ela, que observou a chegada dos apoiadores de Bolsonaro desde cedo, participar do ato é uma forma de mostrar indignação com as pautas apresentadas pelo presidente. “É um ataque desde o governo Temer aos direitos dos trabalhadores. Tiraram todos os direitos da CLT, e só com a reforma da Previdência ele vai atacar a população de várias maneiras. Eu não sei se essa galera entende que transformar a nossa previdência em capitalização é uma afronta”, disse, com relação às manifestações dos apoiadores do presidente.
“O país voltando atrás em todas as conquistas que a gente teve, mas principalmente em relação às universidades. Os estudantes hoje têm um perfil muito diferente daquela época em que eu fui estudante. A gente tem que estar aqui para defender que não tenha recuo nenhum”, afirmou Cristina Teixeira, professora de Comunicação da UFPE. Para ela, a chance de diálogo entre os dois lados – pró e contra – é muito pequena e credita isso ao sentimento de ódio. “Antes era o medo, mas acho que agora existe um ódio mútuo que inviabiliza qualquer discussão racional, pela questão do argumento. E os afetos estão permeados pela questão do ódio. A gente vê algo absolutamente apartado como havia na Esplanada há algum tempo”, comentou.
A tentativa de um casal de passar de um lado da rua para o lado em que estavam os apoiadores de Bolsonaro acabou em conflito com a polícia, que impediu a passagem dos pedestres. Segundo eles, estavam a caminho de casa. Uma policial tomou o celular de um manifestante que filmou o bloqueio e houve empurra-empurra entre policiais militares e manifestantes contra Bolsonaro. Ninguém foi detido. Às 10h40, após o tumulto, o Batalhão de Choque fez formação em frente aos manifestantes contrários a Bolsonaro. Por volta do meio dia, a manifestação contra Bolsonaro retornou ao local de saída, na UFPE.
Do outro lado da rua, o grupo pró Bolsonaro não recebeu a mesma atenção ostensiva da polícia. Entre selfies, apertos de mão e tentativas de puxar conversa com policiais, manifestantes tinham mais espaço para se locomover, inclusive perto da entrada do Instituto. A advogada Andreza Brandão e o estudante de educação física Yuri Anderson saíram às 7h da manhã de Palmares, na Mata Sul do estado, para chegar ao ato pró Bolsonaro. “A gente tentou se organizar para ver se conseguia vê-lo, mesmo sabendo que era difícil. Viemos para dar apoio mesmo porque a gente sabia que ia ter manifestações contrárias. Meu grupo é pequeno, tem outro grupo aqui que é da capital. Nós temos um grupo no Whatsapp, nas redes sociais. Estamos nos organizando para vir na manifestação de domingo”, contou Andreza.
Na visão dela, pautas como o pacote anticrime devem ser aprovadas, mas com modificações. “Sabemos que não existe governabilidade porque o Parlamento é, em boa parte, de oposição. Eu acho que tanto a questão da previdência como do pacote anticrime não precisava ser tudo ao pé da letra, dá para se pensar em mudanças”, afirmou.
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