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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
O vazamento de conversas de promotores da Lava Jato e do ministro da Justiça, Sérgio Moro (ex-juiz) dominou as conversas em um grupo de Whatsapp que reúne servidores comissionados do Ministério Público Federal em Pernambuco, na manhã desta segunda-feira (10). O material trazido a público pelo site The Intercept Brasil, no domingo, mostra que Moro orientava Deltan Dallagnol, procurador do MPF do Paraná. O conteúdo dos diálogos entre eles, no aplicativo de mensagens Telegram, fere o princípio da imparcialidade, segundo juristas consultados pela reportagem, e pode gerar a anulação de processos da operação, incluindo a condenação do ex-presidente Lula.
O tom dos comentários dos comissionados do MPF em Pernambuco no Whatsapp era moderado, narrou uma fonte.“Muitos sustentam que as conversas ‘extra autos’ são corriqueiras”, disse. Do ponto de vista da procuradora da República, Silvia Regina Pontes Lopes, o teor das informações divulgadas pelo The Intercept “não foi forte”. “São conversas de dia a dia, que não complicam as investigações. A Lava Jato está intacta”, ressaltou.
A procuradora prosseguiu: “Eu tenho Whatsapp de juízes e eles têm o meu. Isso não afeta em nada. Se algum problema houve é meios de comunicação terem acesso a conversas de pessoas particulares sem que haja uma ordem judicial. Esse tipo de interceptação é crime”, argumentou, considerando que o vazamento se referiam a diálogos particulares mantidos entre o ex-juiz e o procurador, por meio do celular.
Nem todos os juristas concordam com a análise. Professor de Teoria do Direito e coordenador do curso da Faculdade de Direito do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos mais tradicionais do país, Alexandre da Maia, vê nas denúncias uma “flagrante violação do princípio básico do processo penal brasileiro, cujo princípio central é o sistema acusatório. Ele explicou que, no sistema brasileiro, as figuras de quem investiga, de quem acusa e de quem julga não se confundem. “Quem julga não é parte do processo”, disse. “Tanto é, que o próprio Código do Processo Penal, no artigo 254, inciso quarto, diz que ‘o juiz se dará por suspeito e que é um caso de suspeição se ele estiver numa situação de aconselhamento das partes. Então, na medida em que ele (o então juiz da Lava Jato, Sérgio Moro) dá conselhos ao Ministério Público dizendo como o órgão deve atuar, ele atuou de forma auxiliar à acusação”, considerou o professor de Direito.
Em casos de incompetência, suspeição ou suborno do juiz, o Código do Processo Penal prevê a nulidade de todas as decisões, lembrou Da Maia. Diante das revelações, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode, por exemplo, na sessão extraordinária convocada para terça-feira, decidir soltar o ex-presidente Lula. Outras condenações também podem ser revistas.
Ex-diretora e professora de Direito da Faculdade de Direito do Recife, Luciana Grassano Melo, observa que os diálogos entre Moro e Dallagnol evidenciam motivações políticas, inclusive com direcionamento das investigações para interferir no resultado das últimas eleições e impedir que o PT (Partido dos Trabalhadores) levasse a disputa. Para a professora, as mensagens reproduzidas pelas reportagens revelam a figura de um juiz que assume uma postura não de mediador, mas de inimigo do réu, no caso de Lula. “Era um juiz persecutório. Essa relação espúria não pode acontecer entre um juiz e um órgão tão relevante quanto o MPF”, analisou.
Luciana destacou que a aproximação entre o ex-juiz e o procurador do MPF, como mostram os diálogos, não é consentida no Estado de Direito – que tem que ter o atributo da imparcialidade – e nem no âmbito do Ministério Público Federal, que não pertence ao poder Judiciário, mas é um órgão independente, do qual se espera distanciamento sobretudo em processos criminais. “O MPF é quem acusa. O juiz é o mediador que ouve a acusação e a defesa. Quando o juiz deixa de lado essa imparcialidade, funciona como um braço da acusação”, diz, citando um dos trechos da série de reportagens onde Sérgio Moro supostamente teria pedido para que Dallagnol não deixasse uma procuradora assumir um caso.
Na madrugada desta segunda-feira, logo após o vazamento das informações apelidado pelo próprio site The Intercept Brasil de #VazaJato, a força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal do Paraná divulgou nota onde considerou que os vazamentos foram provenientes de fontes criminosas e da atuação de hackers. “Diante das supostas mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil, cuja fonte criminosa não foi revelada, apenas oferece acusações quando presentes provas consistentes dos crimes”, diz um trecho. A nota (leia aqui na íntegra) ainda destaca que “a atuação da força-tarefa é revestida de legalidade, técnica e impessoalidade.”
Procuradora da República, Silvia Regina Pontes Lopes sustenta que houve “uma interceptação ilegal de conversas normais”. “Você viu os documentos? Eu nem conhecia esse site Intercept”, questiona. Enfática, ela defendeu que a atuação, tanto de Moro, quanto de Dallagnol foi técnica. “Não adianta vocês – digo vocês de forma genérica (se referindo aos jornalistas) – tentarem torcer para outro lado”, disse.
Sobre a validade das provas colhidas pelo site de jornalismo independente, o professor de Direito Alexandre da Maia considerou que as consequências jurídicas para Moro e Dallagnol, e para os demais citados na matéria, podem ser anuladas caso fique provado que houve um vazamento criminoso. Contudo, ele considerou que a validade das provas, mesmo se obtidas de forma ilegal, é discutível considerando o interesse público e a relevância dos conteúdos. O jurista lembrou que existe uma diferença entre o próprio site hackear celulares privados e publicar informações concedidas por uma fonte, o que, na versão do The Intercept Brasil foi o que realmente aconteceu.
O fato é que as consequências jurídicas das denúncias que sacudiram o país e, que podem ser o maior vazamento de informações da história brasileira, estão sendo desvendadas aos poucos. O tamanho do escândalo ainda pode aumentar, considerando que novos trechos do vazamento devem ser publicados em breve.
Enquanto isso, quatro dos 14 integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público já pediram abertura de sindicância para apurar as condutas dos procuradores da República que foram mencionados nas reportagens. Diante das denúncias, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) convocou reunião nesta segunda-feira e divulgou nota pública onde manifesta “perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela mídia, envolvendo procuradores da república e um ex-magistrado, tanto pelo fato de autoridades públicas supostamente terem sido ‘hackeadas’, com grave risco à segurança institucional, quanto pelo conteúdo das conversas veiculadas, que ameaçam caros alicerces do Estado Democrático de Direito”.
Na nota, a OAB recomenda prudência, mas disse que “não se pode desconsiderar, contudo, a gravidade dos fatos” e pede que “os envolvidos peçam afastamento dos cargos públicos que ocupam, especialmente para que as investigações corram sem qualquer suspeita.”
Talvez por considerar que os diálogos não fossem tão corriqueiras, no final da tarde de segunda-feira, o corregedor nacional do MP, Orlando Rochadel Moreira, instaurou a sindicância solicitada pelos conselheiros. Foi a segunda decisão do dia que o corregedor instaurou contra Dallangnol: horas antes, ele abriu processo contra o procurador paranaense por ele ter interferido na eleição do Senado, realizada em janeiro, por meio de postagens nas redes sociais desfavoráveis ao senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).