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Recife sedia encontro antiproibicionista

Luiz Carlos Pinto / 13/06/2016

Recife será a sede do primeiro encontro nacional para debater o fim à   proibição do uso de drogas no Brasil. O I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas (ENCAA) acontece entre os dias 24 e 26 de junho no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFPE. Seu mais imediato objetivo é a elaboração de um Projeto de Lei de iniciativa popular com uma proposta antiproibicionista para a sociedade brasileira. Organizado pela Rede Nacional de Coletivos e Ativistas antiproibicionista, o ENCAA é fruto de um contexto de criminalização que vem se intensificando e que é mais cruel com a população pobre, negra e jovem. Essa é uma das razões pelas quais o encontro se reveste de uma importância inédita. O princípio geral que conduz a política de drogas no Brasil é criminalizadora – ou seja, um caso de polícia que se limita a gastos públicos com punição e repressão.

A população negra é, especificamente, a mais afetada no Brasil – e em geral, as populações periféricas. No mundo todo os delitos relacionados a drogas é a maior causa de encarceramento. Mas no Brasil esse quadro tem características muito próprias, como são próprias as características de nosso racismo.

Os movimentos sociais que militam pela igualdade de raça no Brasil entendem que a criminalização de algumas drogas funciona como principal justificativa para a criminalização e militarização dos territórios pobres. É a principal justificativa também para a execução e prisão de negros e negras por parte das forças de segurança pública. E também para o argumento para a diminuição da maioridade penal.

Estatísticas

Os dados mais recentes do Ministério da Justiça (de 2014) revelam que são 622.202 presos no sistema prisional brasileiro – é a quarta maior população penitenciária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O perfil socioeconômico dos detentos mostra que são majoritariamente jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade: 61,6% são negros, 75,08% têm até o ensino fundamental completo, 55% têm entre 18 e 29 anos. Detalhe: as pessoas dessa faixa etária compõem 21,5% da população total. O mesmo estudo do Ministério da Justiça mostra que 63% das mulheres encarceradas respondem por tráfico de drogas.

A maior parte das detenções ou das condenações eram relativas às drogas (28%). Outros 25% tinha a ver com roubo, 13% por furto e 10% por homicídio. O mais assustador é que, segundo o Centro de estudos sobre direito e desigualdades (CEDD) da USP, o crescimento das prisões relacionadas às drogas entre 2005 e 2014 foi de 290% – e não consta em nenhuma estatística que houve redução do uso de drogas.

Desses números se tira a constatação de que é a população negra, jovem e marginalizada é a que mais sofre os efeitos de uma política ainda muito focada no combate e na “guerra às drogas”. Mas a observação também indica como a população negra e de baixa renda é a mais vitimizada pelas abordagens policiais em áreas pobres.

Em Pernambuco, desde a instituição do programa do governo estadual Pacto Pela Vida, a população privada de liberdade triplicou de 2008 para 2015, passando de 10 mil para 30 mil mulheres e homens encarcerados.

 Flexibilização

No Brasil, o endurecimento das penas relativas ao tráfico, associação ao crime organizado e a criação de novas condutas tipificadas como crime foi concomitante à despenalização da pessoa usuária. Entretanto, a despenalização não implica que o usuário esteja livre da Justiça criminal.

Além disso, o endurecimento de penas para “tráfico” produziu um aumento de 50% na população carcerária entre os anos de 2006 e 2014. Somente entre 2005 e 2013 o número de pessoas presas por tráfico aumentou em 345%. Entre as mulheres, o aumento das prisões foi de 84,5% somente em 2014.

O que a experiência de diversos movimentos tem mostrado, em especial do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), é que o envolvimento com o tráfico muitas e muitas vezes acontece como uma alternativa à falta de trabalho – para resolver de forma pontual uma dificuldade de enquadramento no mercado de trabalho que pode ser pontual ou crônico, mas também para complementar a renda.

Se considerarmos que a mulher negra e pobre tem ainda mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho formal, é fácil de entender como essa é uma população particularmente fragilizada.

No Recife…

A produção do projeto de lei de iniciativa popular que deverá acontecer durante o I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas, no Recife, vai ser antecedida por duas palestras e debates. Na sequência, oito Grupos de Discussão vão se dedicar a recortes mais específicos que devem constar do Projeto de Lei: relações entre proibição às drogas e gênero, raça e classe, saúde e segurança públicas, diversidade, juventude e economia.

Segundo os organizadores do ENCAA, o antiproibicionismo que será colocado em discussão no encontro do Recife não se restringe ao consumo da maconha, mas sim à liberdade de uso de quaisquer substâncias. Outra série de atividades programadas para o Encontro são os 10 (dez) Espaços de Livre Organização – ELOs, que visam atingir outros objetivos: formação para ativistas e ampliação do diálogo com outros setores da sociedade. Nas tendas onde os ELOs irão funcionar, haverá oficinas de comunicação colaborativa, culinária, práticas de redução de danos, além um lugar privilegiado para os partidos políticos e pré-candidatos envolvidos nas disputas municipais de 2016 exporem suas ideias acerca do tema.

 

SERVIÇO

I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas – ENCAA

24 a 26 de junho

Centro de Ciências Sociais Aplicadas – UFPE

III Festival de Cultura Canábica

25 de junho, a partir das 22h

Praça da Várzea

Marcha da Maconha Recife

26 de junho, concentração a partir das 16h20

Praça do Derby

PROGRAMAÇÃO ENCAA 2016

24/06 (Sexta)

16h20: Abertura do Credenciamento e encontro entre os pares

18h: Apresentação da Comissão Organizadora

18h20 Abertura do Encontro

19h30: Mesa1: Da guerra à domesticação – Quais os caminhos Antiproibicionistas?

Henrique Carneiro (Historiador, Professor da USP), Nadja Carvalho (Advogada, Ativista Marcha da Maconha PI)

Debate – Mediação: Andrew Costa

22h: Jantar (vegetariano)

22h30: Apresentação do Maracatu Tambores de La Revolución

25/06 (Sábado)

 9h: Café-da-Manhã

10h: Mesa 2: Antiproibicionismo: quem somos? O que queremos?

 Rodrigo Mattei (Marcha RJ), Tamara Silva (Marcha CE), Priscila Gadelha (Marcha PE), Roberta Marcondes (Coletivo DAR, Marcha SP)

11h: Grupos de Discussão:

 G1 – Do Judiciário à Segurança Pública, quais os caminhos Antiproibicionistas?

Luciana Zaffalon (advogada, mestre e doutoranda em administração pública, coordena o núcleo de atuação política do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM)

Cristhovão Golçalves (advogado, mestre em Direito, Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco)

GT2 – Antiproibicionismo e Feminismo, quais os caminhos para reforma da política de drogas que leve em conta Gênero?

Luciana Boiteux (Professora de Direito da UFRJ) e Constança Baharona (Mestra em Filosofia, Ativista Feminista da Marcha RJ), Lucia Stokas (ITTC)

G3 – Reforma de Drogas e racismo, quais os caminhos Antiproibicionistas?

Eduardo Ribeiro (Coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas) e Rafael Moyses (Graduando Ciências Sociais pela UFMG, e Ativista da Marcha MG)

G4 – Antiproibicionismo e Classe, quais impactos e os caminhos?

Michel Zaidan (Cientista Social, e Professor da UFPE) e Eduardo Nunes (Historiador, Pós-Graduado em Educação)

G5 – Saúde, Redução de Danos e Autonomia, quais os caminhos Antiproibicionistas?

Rafael Baquit (Psiquiatra, Redutor de Danos, Coletivo Balanceará e Aborda-CE), Denis Petuco (Sociólogo, redutor de danos, militante antiproibicionista, professor-pesquisador da Fiocruz) e Ana Ferraz (Psicóloga, Servidora Pública Federal, e coordenação geral de prevenção da Senad)

G6 – Antiproibicionismo e Diversidade, quais os caminhos?

Leiliane Assunção (Professora Doutora da UFRN) e Diego Lemos (Mestrando e Graduado em Direito pela UFPE, advogado, membro do Asa Branca Criminologia, Movimento Zoada)

G7 – Antiproibicionismo e Juventude, quais os caminhos?

Pierre Ferraz (Representante da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids) e Nara Santos (Representante da UNODC)

G8 – Antiproibicionismo e Economia, quais os caminhos?

Marcilio Brandão (Membro do Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco, Cientista Social e Doutorando em sociologia pela EHESS, UFPE) e Taciana Dias (Doutorando pela UNICAMP)

13h: Almoço

14h: ELOs (Espaços de Livre Organização)

TENDA 1 – Oficinas de ZINE, Estêncil e Grafite (Ativistas: Ferramenta Sinistra e OcupeEstelita) e Mídia Alternativa (Guilherme Sorti)

TENDA 2 – Culinária e Uso Medicinal (Natália Mesquita e o pessoal da Paraíba)

TENDA 3 – Apresentação de Trabalhos Acadêmicos

TENDA 4 – Batucada Canábica – Marcha RJ (Rodrigo Mattei)

TENDA 5 – Tenda da Fechação (Travestis, trans e prostitutas – Juma e Zoada)

TENDA 6 – Práticas Integrativas, Redução de Danos e uso de entéogenos – Luana Malheiros (Balance/Balanceará – Angélica e CAPE-Arturo)

TENDA 7 – Partidos políticos e candidaturas

TENDA 8 – Feminismo (Comitê de Mulheres pela Democracia, Pri, Ingrid, Luana)

TENDA 9 – Raça (INNPUD – Dudu Ribeiro e Natália Oliveira)

TENDA 10 – Economia Criativa (CUT, Unisol)

 18h: Intervalo/Lanche coletivo

19h Mesa – Qual modelo de legalização que queremos (Projeto Lei Iniciativa Popular)

Julio Calzada (Ex, Secretario da Junta de Drogas do Uruguai), Ingrid Farias (Membra da LANPUD, Secretaria Executiva da ABORDA, Representante da RENCA), Emilio Nabas (advogado, pós-graduado em Terceiro Setor e Responsabilidade Social pelo Instituto de Economia da UFRJ. Assessor e consultor jurídico com atuação em assuntos relacionados à reforma da política de drogas).

19h40: Debate com mediação de Luana Malheiros (Representante da LANPUD, Articuladora da Aborda, Pesquisadora da ABESUP)

21h30: Jantar

22h: III Festival de Cultura Canábica

26/06 (Domingo)

10h: Café da Manhã

11h: Plenária Final. Apresentação das Propostas dos GTS, encaminhamentos e documento final do Encontro.

Condução da Mesa: Thati Nicácio (Marcha AL),

14h: Almoço

16h20: Marcha da Maconha Unificada

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.