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A nova gestão da Fundação Joaquim Nabuco, presidida por Antônio Campos, está elaborando o planejamento estratégico que vai até 2022. A Marco Zero Conteúdo teve acesso a uma proposta que está circulando internamente e prevê transformar os cinemas da Fundação e do Museu, o Museu do Homem do Nordeste, o engenho e a editora Massangana em Organizações Sociais (OS). Segundo a proposta, a medida é justificada como resposta “a cenários futuros de escassez de recursos orçamentários, bem como de limitação de reposição de servidores do quadro efetivo”. Entraria no pacote também a Escola de Inovação e Políticas Públicas (EIPP).
No documento, defende-se a implementação de “inovações para valorização dos ativos, como cinema, museu, editora, produtora e engenho”, prevendo-se “ao final, no longo prazo, transformar alguns ativos em OS para maior agilidade nos processos de seleção e contratação de equipe, realização de eventos/projetos e captação /geração de receitas”. Por longo prazo, o documento entende a passagem do terceiro para o quarto ano da gestão (2021 a 2022).
Na avaliação de servidores da Fundaj ouvidos pela Marco Zero, e que preferiram não se identificar, a medida na prática significaria a privatização de equipamentos públicos que são referência para a cultura e a memória histórica de Pernambuco e do Nordeste. As OS são associações privadas, sem fins lucrativos, que recebem subvenções do Estado para prestar serviços considerados de interesse público em áreas que não são privativas do Poder Público, como saúde, educação e cultura, por exemplo. Os repasses financeiros do governo e as obrigações dessas organizações comandadas pela iniciativa privada são estabelecidas por meio de contratos de gestão.
Segundo a Marco Zero apurou, o documento circulou na reunião do Conselho Diretor na última semana de agosto e teria sido produzido pelo diretor de Formação e Inovação (Difor), Wagner Augusto Maciel.
Procurado pela reportagem, Wagner confirmou a autenticidade da proposta e disse que realmente a apresentou para discussão na reunião de agosto. Ele, no entanto, rebate a ideia de que transformar os equipamentos culturais e educacionais da Fundaj em Organizações Sociais signifique privatizá-los. Alega que as diretrizes de gestão, o repasse de recursos e a fiscalização da sua aplicação pelas OS ficariam sob a responsabilidade da Fundaj. Defende a criação de um conselho com a participação da sociedade civil para acompanhar a gestão.
“O fato de ser de ordem jurídica privada não significa que estaremos privatizando. Hoje, os recursos arrecadados pela bilheteria do Cinema da Fundação, por exemplo, vão cair numa conta única da União. Como OS, os recursos ficariam na própria Fundação e poderiam ser reinvestidos em benefício desses equipamentos”, alegou.
Wagner encomendou estudo específico sobre o tema para a viabilidade da mudança em relação à Escola de Inovação e Políticas Públicas, que pertence à Diretoria que ele comanda, e propõe que o mesmo seja feito em relação aos outros equipamentos da Fundaj. “No ano passado o governo federal gastou R$ 1 bilhão contratando o serviço de Organizações Sociais, como a FGV, para capacitar servidores públicos. Não valorizou escolas de governo que também produzem conhecimento. Como OS, a EIPP vai poder disputar esses recursos e se fortalecer”.
Wagner é advogado e pessoa de total confiança do senador Fernando Bezerra Coelho, de quem foi chefe de gabinete. Foi Bezerra Coelho, atual líder do governo Bolsonaro no Senado, quem articulou a indicação de Antônio Campos para a presidência da Fundaj.
O assunto foi comentado na reunião do Conselho Diretor que aconteceu nesta quinta-feira pela manhã (26). De acordo com uma fonte ouvida pela MZ, Tonca, como o presidente da Fundaj é conhecido, informou que a consulta sobre o material produzido por Wagner não será feita em reuniões, mas por escrito. E a decisão final caberá ao Conselho Diretor e a ele próprio, no “momento oportuno”.
A proposta também prevê a inserção da Fundação no programa Future-se, do Ministério da Educação, ao qual o órgão federal sediado em Pernambuco está vinculado.
O Future-se propõe a gestão do ensino público superior por Organizações Sociais (OS) financiadas por fundos privados de investimento, com o “repasse de recursos orçamentários e permissão de uso de bens públicos” cedidos pela União ou pelas instituições federais de ensino superior (IFES) para fomentar as organizações sociais. Se adotada, a medida impactará diretamente os mestrados em Sociologia; e de Educação, Cultura e Identidades, bem como os cursos de especialização realizados pela Fundação.
Para saber mais sobre o Future-se leia:
As ideias cultivadas pela elite econômica para privatizar a educação no Brasil
A ideia expressa no documento é de dar o caráter de Escola de Governo aos cursos da Fundaj focando em “qualificação para quadros do serviço público ou de empreendimentos privados de áreas de atuação da Fundaj”. Os cursos de curta duração passariam a ser ofertados no formato de Ensino à Distância (EaD), dando prioridade ao uso da estrutura física para os cursos de especialização e mestrado. No caso desses últimos, a proposta fala em “rever os programas” de ensino.
Pela proposta, duas consultorias externas seriam contratadas: uma para fazer um diagnóstico da Fundação e rever processos e a outra, especializada em planejamento estratégico, para, a partir do envolvimento e diálogo com as lideranças da instituição, elaborar mapa da estratégia, com missão, valores, eixos de atuação, objetivos e iniciativas, com seus responsáveis e prazos de execução.
A palavra de ordem é inovação da gestão e da “marca” Fundaj. O próprio nome do documento faz alusão ao conceito: Inova Fundaj (2019/2022). O slogan, aliás, já está sendo utilizado, como pode ser visto em imagem de divulgação de evento que se realizará em outubro, no Cinema da Fundação, com a participação de Antônio Campos e do ministro do Tribunal de Contas da União Augusto Nardes.
Entre os resultados esperados com a implantação das medidas está o de a Fundaj “transformar-se e ser reconhecida nacional e internacionalmente como um think tank em artes, cultura, educação, pesquisa, governança pública e políticas públicas”.
Procurada pela Marco Zero Conteúdo para se pronunciar sobre o documento, a assessoria de comunicação da Fundaj respondeu por meio de nota. Nela, afirma que o único setor, no momento, objeto de estudos técnicos preliminares para transformação em Organizações Sociais é a Escola de Inovação e Políticas Públicas (EIPP), vinculada à Diretoria de Formação Profissional e Inovação (Difor), sob o comando de Wagner Maciel.
A nota informa que a elaboração do planejamento estratégico da Fundação está em andamento e que, embora tenha sido realizada uma reunião preliminar, não há ainda grupo de trabalho ou comissão constituída formalmente para discutir o tema.
Leia a nota da Fundaj na íntegra:
1- Há uma discussão envolvendo todas as áreas que compõem a Fundação Joaquim Nabuco, por meio de seus diretores, coordenadores e servidores da Casa, com vistas à elaboração do Planejamento Estratégico da instituição.
2 – Esse debate leva em consideração diagnósticos e sugestões de objetivos, metas e projetos.
3 – Foi realizada uma reunião preliminar. Não há grupo de trabalho ou comissão constituída formalmente sobre o tema.
4 – Em relação à transformação de equipamentos culturais e educacionais em Organizações Sociais, a única objeto de estudos técnicos, ainda preliminares, é a Escola de Inovação e Políticas Públicas (EIPP), vinculada à Diretoria de Formação Profissional e Inovação (Difor).
5 – A meta da Difor é ampliar a oferta de cursos, proporcionando capacitação e qualificação profissional aos agentes públicos e à sociedade, bem como eficiência e qualidade no cumprimento da missão institucional da Escola.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República