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Crédito: Comdica/divulgação
Com colaboração de Nattasha Pollyane
A polarização política marcou as eleições do Conselho Tutelar este ano no Brasil. No Recife, onde a apuração dos votos foi finalizada apenas no fim da tarde da quarta-feira (9), depois de uma eleição com denúncias de irregularidades e problemas nas urnas eletrônicas, o cabo de guerra entre candidatos conservadores e progressistas terminou sem um vencedor definido. Dos 40 conselheiros tutelares eleitos na capital pernambucana, a reportagem conseguiu mapear pelo menos 12 ligados a partidos e/ou a políticos conservadores. No campo progressista essa mesma busca resultou em um número próximo, 10 nomes.
O avanço dos evangélicos na disputa, entretanto, ficou claro. Pelo menos nove conselheiros tutelares eleitos são ligados a igrejas ou lideranças evangélicas. Para chegar a essa conclusão a reportagem considerou postagens das redes sociais dos candidatos e dos seus apoiadores, além de materiais de campanha. Também tivemos acesso a listas elaboradas por partidos de direita e de esquerda, que circularam pelo Whatsapp. Essas relações foram distribuídas com o objetivo de orientar eleitores sobre as posições partidárias dos postulantes aos cargos, cuja remuneração é de aproximadamente R$ 3 mil na capital pernambucana.
Entre os evangélicos está Elen Brito, eleita pela na Região Político-Administrativa (RPA) 3A, que inclui vários bairros da Zona Norte, como Casa Amarela. Com o slogan “quem tem Deus tem tudo”, a conselheira fez campanha em igrejas e publicou um material de campanha no Facebook onde aparece ao lado de Leandro Boca, que foi candidato a vereador pelo PSD nas últimas eleições municipais. Boca, que usa o bordão “o homem sonha, Deus realiza”, é ligado ao deputado federal André de Paula (PSD) e à vereadora do Recife Aline Mariano (PP).
O deputado André de Paula, aliás, parece ter saído com vantagem das eleições do conselho tutelar recifenses. Além de Elen, o deputado teria ligações com pelo menos outros dois conselheiros: Thalles Cherles, que foi candidato a vereador pelo PPL no Recife e conseguiu se eleger na RPA1, relacionada aos bairros do centro da cidade, e José Carlos Silva Pedrosa, pela RPA 5, que inclui os bairros de Afogados, Areias, Barro, Bongi, Caçote, Coqueiral, Curado, Estância, Jardim São Paulo, Jiquiá, Mangueria, Mustardinha, San Martin, Sancho, Tejipió e Totó.
Também no campo conservador, a vereadora Aline Mariano tem conexões com a conselheira eleita Liliane Maria Cavalcante da Silva, da RPA 3. Liliane conseguiu se reeleger para o cargo com uma campanha forte na região, com apoio de artistas como João do Morro e presença marcante de material de campanha nas ruas.
Outros vereadores da Câmara do Recife também foram citados pelos novos conselheiros durante as campanhas e a apuração dos votos. Ao confirmar a vitória, conselheiro Wilson Júnior, da RPA 4, agradeceu ao apoio do vereador Davi Muniz, do Patriotas, no Facebook. Ainda no Recife, o candidato Lucas Lemos, que foi indicado pelo líder do PSL Jovem, Wilker Cavalcanti, garantiu vaga na RPA 1.
A escalada de evangélicos e conservadores, e as ameaças ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL), provocaram reação. Mais eleitores participaram do processo de escolha este ano. No Recife, o número final ainda não foi divulgado, embora as apurações tenham sido encerradas, mas a prefeitura já confirmou um aumento de participantes.
Partidos e lideranças de esquerda também se mobilizaram para garantir voto nos candidatos que defendem pautas progressistas. No Instagram, o vereador Ivan Moraes (PSOL) compartilhou perfis e números dos candidatos que, segundo ele teriam “atuação laica, defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, defesa dos direitos humanos de forma geral” como características. Ivan citou nove candidatos em todas as RPAs. Nomes como André Torres (RPA1), Thays Silva (RPA4) e Thiago Carvalho (RPA5) foram eleitos.
A maior interferência de grupos religiosos e de políticos – tanto de esquerda, quanto de direita – na disputa pelas vagas do conselho tutelar este ano foi observada pela presidente do Comdica (Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente) que organiza as eleições no Recife, Ana Farias. Ela explicou que a orientação religiosa e/ou partidária “não é mapeada no ato da inscrição dos candidatos e nem deveria, “porque não são informações que devem influenciar na escolha daqueles que serão os guardiões dos direitos das crianças e dos adolescentes”.
Ana explicou que o Conselho Tutelar é laico e que o cargo não é político, mas admitiu que há distorções. Ela disse que muitas campanhas são financiadas com dinheiros de políticos e partidos que querem eleger cabos eleitorais para garantir influência junto às comunidades, de olho nas eleições de 2020. Como não há fiscalização do dinheiro aplicado nas campanhas, porque a disputa não é acompanhada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), essa relação entre conselheiros e políticos passa quase sempre desapercebida.
No dia da votação, informações sobre compra de votos circularam pela internet. O Ministério Público de Pernambuco informou que recebeu denúncias, mas ainda não disse quantas e em quais municípios, nem divulgou o teor desses relatos. No domingo (6), as eleições foram suspensas em Olinda depois de denúncia do órgão, que informou erro nas cédulas de votação. A suspensão também aconteceu em Camaragibe, onde conselheiros estavam exercendo a função mesmo sem mandato.
Outra constatação importante que a divulgação dos eleitos no Recife trouxe foi a renovação parcial dos quadros. Mais da metade (21) do conselheiros tutelares escolhidos agora já estavam na função, ou seja, foram reeleitos. Eles ganharam mais quatro anos de mandato e poderão se candidatar novamente quantas vezes quiserem, porque uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) acabou com limites para a recondução dos conselheiros ao cargo.
Confira abaixo a lista dos conselheiros eleitos no Recife por RPA
RPA 1
Thalles Cherles: 1.142 votos
André Torres: 920 votos
Necy: 748 votos
Lucas Lemos: 601 votos
Eduardo Dubracq: 265 votosRPA 2
Adriano Nascimento: 1.118 votos
Luciano Ferreira: 911 votos
Tom de Última Hora: 877 votos
Dário: 773 votos
Astrogildo (Dido): 685 votosRPA 3 A
Mazinho: 919 votos
Elen Brito: 826 votos
Fabinho: 802 votos
Wendel Morais: 652 votos
Liliane: 629 votosRPA 3 B
Ozéias Paulo: 1.318 votos
Professora Gilmara: 1.042 votos
Altair Ferreira: 740 votos
Rafael Reis: 683 votos
Gerailson Ribeiro: 626 votosRPA 4
Thays Silva: 1.715 votos
Kal Ferreira: 1.523 votos
Marcelo Barbosa: 1.412 votos
Cleyton Santos: 1.206 votos
Wilson Junior: 1.198 votosRPA 5
Nilma Pereira: 2.154 votos
Carlinhos de San Martin: 900 votos
Nando Uber: 802 votos
José Gêmeos: 739 votos
Thiago Carvalho: 703 votosRPA 6A
Neto Ferraz: 625 votos
Marcelo Pirrita: 611 votos
Paulo Oliveira: 537 votos
Fábio Kbça: 488 votos
Ana Paula de Oliveira: 441 votosRPA 6B
Gilson da Tancredo: 779 votos
Professora Ada Helena: 690 votos
Chico Santana: 670 votos
Sebastiana: 669 votos
Becinha: 626 votos
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).