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Emma Llansó é diretora do Centro para Democracia e Tecnologia (CDT), uma organização sem fins lucrativos que atua nos Estados Unidos para preservar a privacidade dos usuários de internet propondo legislações, políticas corporativas e ferramentas que protejam a privacidade – principalmente contra a vigilância governamental –, e garantam a liberdade de expressão na rede mundial de computadores. Para ela, a sociedade civil precisa adotar uma postura cautelosa em relação à exposição de dados pessoais na Internet e se manter atenta às tentativas de controle por parte de governos e empresas. Nessa entrevista concedida à Marco Zero, a advogada formada na Universidade de Yale elogiou o processo de elaboração do Marco Civil da Internet brasileira, criticou o vazamento de conversas privadas da presidenta Dilma Rousseff pelo juiz Sérgio Moro e defendeu a neutralidade da rede como forma de garantir o acesso democrático e irrestrito a todo o conteúdo disponível na Web.
Marco Zero: Quais suas expectativas para os próximos anos em relação às condições da internet em continuar a ser um espaço de livre expressão, considerando as ameaças à neutralidade de redes e o crescimento das bolhas algorítmicas?
Emma Llansó: Eu acho que há uma visão otimista e uma visão pessimista sobre o futuro. A visão pessimista é que continuará havendo uma centralização dos serviços de internet, com as pessoas usando apenas os grandes portais para acessar informação e notícias, concentradas em redes sociais como o Facebook e o Twitter e apenas reforçando a dominância de poucas grandes plataformas onde se acessa informação. Essa é uma preocupação genuína, algo para ficarmos atentos e muito cuidadosos. Mas, pessoalmente, vejo tantas oportunidades diferentes para tirar as pessoas dessas bolhas, desafiando a dominância destas grandes plataformas e nos trazendo de volta para a promessa real da internet, em que qualquer pessoa com uma conexão pode criar um site e suas próprias aplicações… Nos Estados Unidos há uma preocupação sobre como o Facebook está selecionando as notícias que exibe na timeline de seus usuários. Esses são indicativos de que as pessoas estão em um ponto onde podem entender que,da mesma forma que não devem se informar em apenas uma fonte jornalística, também devem ter a mesma leitura crítica do Facebook como única fonte de informação. Acho que estamos realmente entrando nesta próxima fase na qual as pessoas têm um entendimento melhor sobre o que realmente acontece quando uma plataforma de mídia social ou um engenho de busca mostram uma informação e isso acontece ao perceberem que, ao contrário do que as empresas dizem, não se pode encarar estes resultados como algo neutro. E, assim como somos críticos em relação à forma como os jornais decidem o que vão publicar ou não, estamos aplicando este mesmo senso crítico para as empresas de internet.
Marco Zero: Existe um limite para a liberdade de expressão na Internet?
Emma Llansó: Tecnicamente é muito difícil estabelecer um limite para a liberdade de expressão na internet. Mesmo que um país ou uma empresa queiram derrubar um tipo de discurso, se você tiver acesso à rede de qualquer forma você pode encontrar espaços alternativos para hospedar o conteúdo que quiser. As pessoas que não querem dispor de parte do seu tempo para investigar e refletir sobre suas fontes de informação e apenas se informam pelos grandes sites enfrentarão as restrições de conteúdo imposta por eles, mas o potencial está lá para o resto de nós. Surpreendentemente, estamos vendo um movimento crescente de tentativas de censura por parte de alguns países europeus, particularmente no que se refere a propagandas extremistas e discursos de ódio e não é surpresa que já existam leis em relação a este tipo de discurso em países como França, Alemanha e Inglaterra. No entanto, é um problema sério que governos de nações democráticas da Europa tentem regular o discurso na internet apenas assumindo que estes discursos são ilegais: ao invés de levarem estas suspeitas para a Justiça, para que se possa fazer um julgamento amplo onde o autor do discurso possa ter direito à defesa ou apelar da decisão, os governos procuram as empresas de internet que estão hospedando este conteúdo para que tirem do ar sob alegação de que aquele conteúdo fere seus termos de serviço.
Marco Zero: Em que sentido isso é problemático?
Emma Llansó: Porque é uma espécie de mistura de papéis, onde o governo age como a Justiça e dá margem para que os governos peçam a retirada do ar de conteúdos que não são necessariamente ilegais, mas que apenas violam os termos de serviço do Facebook ou do Twitter. De certa forma, esse procedimento empodera os governos a aplicarem a censura de um jeito que não vimos na Europa há muito tempo. Este interesse de governos inclusive democráticos em encontrar formas mais fáceis e rápidas de derrubar discursos que eles discordam, sem importar se são ilegais ou não nos limites da lei, me causam grande preocupação.
Marco Zero: Esta prática dos governos tem levado as empresas a revisarem seus termos de serviços para atender melhor ou, ao contrário, para dificultar a ação dos governos neste sentido?
Emma Llansó: Pelo que sei, as empresas querem saber se há em suas plataformas discursos que violam seus termos de serviços. Elas não querem saber se a denúncia de conteúdo impróprio veio de um governo ou de usuário comum. Se são avisadas por qualquer um, vão retirar o conteúdo do ar. Acho que as empresas estão sensíveis ao fato de que muitas destas denúncias vêm de governos e em alguns casos não querem inclusive que os funcionários que revisam estas denúncias saibam que elas vieram do governo para que não haja nenhum tipo de influência na decisão do funcionário. Mas temos visto tentativas por parte de governos, especialmente no Reino Unido, de convocarem as empresas para que revisem seus termos de serviços de forma a restringir ainda mais alguns tipos de conteúdo e para que mais conteúdos possam ser retirados do ar.
Marco Zero: Nesse cenário, as empresas tem alterado seus termos de serviço?
Emma Llansó: Até onde eu sei, nenhuma das grandes empresas até agora mudou seus termos de serviço por causa disso mas a pressão vem aumentando. E isso é muito perigoso. Se aceitarem estas pressões, as empresas deixam de ser atores privados independentes para se converterem em funcionários dos governos. Por outro lado, as empresas também não têm se esforçado em reagir contra esta pressão porque o governo tem obtido sucesso em classificar a propaganda terrorista como um problema das empresas de mídias sociais. Certamente isso é algo que as empresas precisam se responsabilizar, mas também esta transferência de responsabilidade diminui o empenho em reagir fortemente ao que os governos estão pedindo. Se a opinião pública em geral, for consultada, vai concordar por exemplo que o ISIS não deve ter uma conta no Twitter. Mas não fica claro o quanto esta questão é complicada e pode aumentar o risco de uma censura mais ampla a pessoas que apenas estão engajadas em uma discussão política. É um desafio constante lembrar aos governos, empresas e as pessoas em geral que ser extremista e se expressar como extremista é um direito protegido pelas leis de direitos humanos. É a conduta ou incitar um indivíduo a cometer um crime ou um ato de violência que devem ser prevenidos. Você pode ter uma visão extremista que considere a violência como uma forma de atingir objetivos políticos. Mas é cometer o ato de violência em si que é ilegal.
Marco Zero: Até aqui você falou em governos e empresas como atores deste debate. Como a sociedade civil pode e deve participar como um terceiro elemento realmente participativo nesta discussão?
Emma Llansó: Há algumas iniciativas diferentes que eu tenho conhecimento. Uma delas chama-se Global Network Iniciative (GNI) que reúne grandes empresas (Google, Microsoft, Yahoo, LinkedIn e Facebook) e também organizações da sociedade civil, acadêmicos e investidores. O objetivo é, por um lado, discutir como empresas de internet que atuam em vários países respondem a demandas dos governos para retirar conteúdos online e reter dados dos usuários. Por outro lado, o interesse desses atores é encontrar formas de proteger os direitos humanos dos usuários quando a empresa estiver sujeita à jurisdição de um governo e for compelida a colaborar com a Justiça. Esta organização surgiu em 2007 e havia então grandes empresas como o Google, Yahoo e Microsoft que tiveram interações ruins com o governo da China porque entregaram informações sobre usuários que terminaram condenados a prisões e campos de trabalho. Nos Estados Unidos as reações a estes eventos foram muito fortes. Como empresas fundadas em um país com valores como a proteção da liberdade de expressão podiam ser complacentes em casos como estes? Naquele período, a GNI foi uma boa oportunidade para discutir sobre como as empresas deviam responder aos casos de discursos de ódio e conteúdo terrorista. A pressão que elas sofrem ainda são enormes mas os riscos de violação dos direitos humanos também são muito grandes.
Marco Zero: Como o Centro para Democracia e Tecnologia atua em relação a esses casos?
Emma Llansó: Nós procuramos desenvolver, em parceria com vários grupos da sociedade civil, uma série de recomendações sobre como as empresas devem responder a estes casos. Temos contatos com as grandes empresas e elas estão conscientes da importância dessas discussões e sobre como as suas políticas podem influenciar o direito de seus usuários. Por exemplo, o CDT assinou uma carta juntamente com mais 40 organizações de advocacia americanas e de outros países para o Facebook sobre a sua politica de nomes reais ou autenticidade de identidade. Na nossa coalizão tínhamos membros de grupos sobre violência doméstica, grupos de americanos nativos, cujos nomes reais geralmente são rejeitados como nomes não reais pelos filtros do Facebook. Também tínhamos membros do clero que não podem criar contas no Facebook como Padre Fulano, além de comunidades de Drag Queens que geralmente têm suas contas apagadas porque os nomes pelos quais são conhecidas não são exatamente iguais aos nomes em suas carteiras de habilitação. Esta foi uma coalizão bastante interessante e diversa e todos tinham um ponto em comum porque é claro que o Facebook cria essas políticas para incrementar a segurança em sua plataforma e evitar o anonimato. Mas é preciso considerar também que existe um grande numero de usuários que na verdade estão menos seguros por causa desta política. Então, nós trabalhamos com vários tipos de questões em parceria como organizações da sociedade.
Marco Zero: Como o CDT se mantém?
Emma Llansó: O CDT é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Somos mantidos com o suporte de fundações, doadores individuais e doações de empresas. Tentamos manter nosso financiamento o mais diverso possível para com isso manter nossa independência. Mantemos grupos de trabalho que tentam juntar advogados e empresas para discutir com o governo sobre políticas públicas e legislações. Cobrimos um grande numero de questões como Liberdade de Expressão, vigilância de segurança e privacidade e arquitetura da Internet, entre outros.
Marco Zero: Falando sobre segurança e privacidade, recentemente a presidente do Brasil, Dilma Rousseff teve ligações particulares grampeadas pela Justiça e divulgadas para grandes grupos de comunicação. Qual a sua opinião sobre este episódio e os riscos que representa para garantia à privacidade de todos os cidadãos comuns?
Emma Llansó: Penso que este episódio levanta duas questões. Uma delas é se as conversas privadas da presidenta devem ser grampeadas no contexto de uma investigação e essa é uma questão complicada. Mas, de forma geral, diria que qualquer membro do governo que está apto a ser investigado, se houver uma suspeita genuína de que está envolvida em alguma atividade ilegal, pode ser grampeado. Desde que as condições legais sejam respeitadas – como obter um mandado judicial para implantar a escuta, etc. Mas o que me causa muita surpresa neste episódio é que o juiz do caso (Sérgio Moro) é suspeito de ter vazado as gravações para a mídia. Isso não parece ser uma conduta apropriada de um membro da Justiça. É importante conduzir investigações sobre políticos eleitos mas também é importante garantir que essas informações sejam confidenciais até que o caso seja levado a julgamento. A liberação das informações confidenciais parecer ser uma tentativa clara de influenciar a investigação, de forma que não expressa a conduta apropriada de um juiz independente.
“O que elas (as empresas de Internet) estão
fazendo com nossos dados é uma pergunta-chave
que todos nós devemos nos fazer individualmente”
Marco Zero: Enquanto usuários de mídias sociais, estamos fornecendo muitas informações pessoais para empresas como o Google, Facebook e Twitter e, ao mesmo tempo, estamos reclamando da falta de privacidade. Quais são os riscos, para o cidadão comum, de entregar tantos dados para essas empresas sem saber ao certo o que elas podem fazer com essas informações?
Emma Llansó: Vejo pelos menos dois grandes riscos. Um deles é o que a empresa está fazendo com os dados e outro é se o governo do seu país ou outro governo podem ter acesso a esses dados também. Sobre este ponto da vigilância dos governos sobre os cidadãos, fico feliz de ver que depois das revelações de Edward Snowden, em 2013, as grandes empresas estão aprimorando políticas para diminuir os dados que possuem, criptografar seus serviços de comunicação e desafiar procedimentos inapropriados da Justiça. Atualmente, por exemplo, há um caso da Microsoft contra o governo norte-americano onde a empresa está questionando uma tentativa do governo americano de usar um mandado judicial expedido nos EUA para acessar dados que a empresa possui hospedados em servidores na Irlanda. O argumento é que o governo não deve poder extrapolar a sua jurisdição e ter acesso a dados que estão hospedados em outro país. Este tipo de esforço é muito bom. Nós, como usuários, precisamos que as empresas assumam estas posturas contra os governos mas ainda resta a questão sobre o que as empresas podem fazer como os dados que elas possuem. Nos EUA nos estamos sempre esperançosos que de o Congresso Americano aprove leis mais rígidas de proteção à privacidade. Minha organização advoga por uma legislação que forneça limites e orientações para o que as empresas podem fazer com os dados de seus usuários de forma que eles tenham mais certezas de que as empresas não possam fazer absolutamente tudo que quiserem. O que elas estão fazendo com nossos dados é uma pergunta-chave que todos nós devemos nos fazer individualmente.
Marco Zero: Quando a internet surgiu havia uma expectativa de que tínhamos nela espaço para que todos tivessem voz. No entanto, existem quatro ou cinco grandes empresas cujos serviços usamos para praticamente tudo o que fazemos na rede e qualquer novo serviço que surge termina sendo comprado por uma dessas empresas e passa a fazer parte do seu portfólio. Neste contexto, mais do que normatizar o processo de fluxo de informação sobre que dados o governo pode ou não pode ter acesso, não está na hora de pensar numa legislação que reduza o poder dessas grandes empresas continuarem crescendo para que a internet não se torne um oligopólio de três ou quatro grandes corporações?
Emma Llansó: Posso falar sobre como este assunto está sendo tratado nos Estados Unidos. Tivemos recentemente uma decisão judicial confirmando a nossa lei sobre a neutralidade da rede. Por exemplo: nos EUA temos muito poucas empresas oferecendo serviços de provimento de acesso à Internet. Em um bairro é comum que só haja um ou duas opções e elas fazem acordos entre si para que fiquem com partes do país e as concorrentes sequer tentem entrar nestes mercados. Recentemente, depois de um longo processo, o FCC (órgão do governo americano que regula as comunicações) reclassificou o acesso à internet como algo que ele pode regular, garantido que o tráfego de dados seja baseado no que o usuário quer acessar e não apenas nos serviços ou sites que os provedores de internet permitam que sejam acessados. Este é um exemplo da importância deste tipo de regulamentação preventiva. Isso porque uma concorrência muito pequena, concentrada nas mãos de algumas poucas empresas, faz com que os provedores de internet terminem atuando como gatekeepers, que vão decidir o que os usuários podem ou não acessar. No entanto, esta mesma perspectiva não se aplica às empresas que prestam serviços na Internet com os serviços de e-mail, redes sociais etc. Hoje, se pensarmos nos serviços que usamos na Internet, realmente eles terminam sendo restritos a essas quatro ou cinco grandes empresas (Google, Microsoft, Facebook e Yahoo, por exemplo), mas ainda assim é muito fácil para outras empresas existirem nestes mercados e é possível que o usuário por exemplo decida não usar o Google e prefira outros engenhos de busca, como o DuckDuckGo, por exemplo, cuja premissa é não guardar nenhum registro das buscas de seus usuários. O usuário também pode optar por usar outro serviço de e-mail ou de mapas que não seja de uma dessas grandes empresas. É complicado pensar em uma lei que regule apenas as grandes empresas sem, de certa forma, desencorajar as pequenas empresas que não vão querer crescer ao ponto de passarem a enfrentar as mesmas regulações mais rígidas. Sei que na Europa há uma discussão diferente sobre se há alguma forma de regulamentar as plataformas como Google, Facebook e Youtube mas a definição deles de plataforma inclui também outros serviços como Yelp, TripAdvisor, Uber, AirBnb etc… e, de certa forma, tenta responsabilizar os serviços online pelo conteúdo gerado pelos seus usuários, e isso termina por inviabilizar as operações destes serviços porque nenhuma empresa sobreviveria ao risco de ser responsabilizada por qualquer coisa publicada em seus serviços. A legislação europeia também tenta de alguma forma regulamentar as empresas para que monitorem os conteúdos postados que infrinjam leis de copyright, garantindo não apenas que eles sejam retirados do ar mas também que não sejam postados novamente. Nos opomos a esta visão porque requer que as empresas monitorem todo o conteúdo postado.
Marco Zero: Como o usuário pode se proteger da exposição de seus dados online?
Emma Llansó: Há uma série de coisas que eu faço, por exemplo, para preservar meus dados. Uma das coisas mais importantes é a educação do usuário para a criação de senhas, de procedimentos de segurança disponíveis. Especialmente quando estou viajando uso uma VPN para garantir que cada conexão a um site que acesso seja criptografada, especialmente em redes de wi-fi. Também uso criptografia para os dados em meu computador e telefone. Por fim, procuro serviços que usem protocolos de segurança e isso é importante que as empresas saibam que este é um recurso que os usuários valorizam. Não é a toa que, principalmente depois das revelações de Edward Snowden, muitas empresas correram para aumentar a segurança e a privacidade oferecidas a seus usuários. As companhias precisam saber que nosso uso de seus serviços não está garantido e precisamos mandar a elas a mensagem de que a nossa privacidade importa, e que temos várias opções de serviços. Por fim, também uso mídias sociais diferentes para fins diferentes de forma que não entrego todos os meus dados para uma empresa só.
Marco Zero: O que você conhece sobre o Marco Civil Brasileiro?
Emma Llansó: Sei algumas coisas sobre o Marco Civil brasileiro. Lembro de quando finalmente foi aprovado e como as pessoas na sociedade civil e entidades envolvidas no projeto ficaram felizes quando da aprovação, por se tratar de um processo onde foram explicitamente ouvidos múltiplos stakeholders, reunindo advogados e acadêmicos também nas discussões. A elaboração do Marco Civil é realmente um modelo em todo mundo em relação a um processo efetivamente participatório de várias instâncias da sociedade. Até onde eu sei também o Marco Civil brasileiro fez um trabalho muito bom em considerar os direitos individuais como fundamentais, defendendo também premissas como a neutralidade da rede. Esta foi realmente uma grande conquista da sociedade civil organizada aqui no Brasil e, claro, a questão agora passa a ser sobre sua implementação. Ou seja, como passar de uma lei para regulamentação efetiva.
É crítico que todos nós fiquemos atentos a quais são as condições para a implementação dos serviços, sejam públicos ou privados, garantindo que não está havendo nenhum tipo de restrição de conteúdo que pode ou não pode ser acesso no serviço que está sendo oferecido.
Marco Zero: Sobre o processo de extensão da banda larga no mundo, o Brasil tem um programa governamental para levar a banda larga a lugares onde ainda não há. Algumas empresas privadas como o Facebook, por exemplo, fazem isso em países da África. Você acha que a maneira como este acesso será levado para as populações mais carentes indica as possibilidades futuras de democratização do acesso à rede?
Emma Llansó: Pergunta fascinante. Nos EUA a internet surgiu inicialmente como resultado de uma pesquisa realizada pela iniciativa privada, mas com recursos públicos. Imediatamente tornou-se privada no sentido de exploração comercial e o governo passou a ser apenas mais um usuário da rede. Este fato traz novamente a importância de legislações que garantam a neutralidade da rede. Para mim realmente não importa quem possui a infraestrutura técnica da rede desde que isso não interfira de forma alguma no que acontece nas redes. Acho que este será um papel que os governos de todos os países devem desempenhar, no sentido de garantir que haja serviços de banda larga para as populações de baixa renda mesmo em lugares onde não faça sentido do ponto de vista econômico para as empresas investirem porque nunca conseguirão recuperar seus investimentos. Isso acontece nos EUA e realmente nos deixa empolgados decisões relativas à neutralidade da rede como a que foi tomada recentemente pelo FCC que inclui o acesso a internet seus fundos para serviços universais e que garante subsídios do governo para redes de comunicações. Isso será muito importante para garantir que áreas mais pobres tenham acesso à internet. É claro que há riscos para serviços de acesso oferecidos pelos governos porque se torna mais fácil o controle das redes e até ordenar bloqueios gerais como já aconteceu em países como a Tunísia, por exemplo. Nos Estados Unidos seria muito difícil para o governo ordenar um bloqueio geral porque há centenas de pontos de acesso, múltiplas companhias que possuem partes diferentes da infraestrutura da rede e logisticamente não há como garantir isso. É crítico que todos nós fiquemos atentos a quais são as condições para a implementação dos serviços, sejam públicos ou privados, garantindo que não está havendo nenhum tipo de restrição de conteúdo que pode ou não pode ser acessado no serviço que está sendo oferecido.
Marco Zero: Qual a sua opinião sobre ações da hackativismo, contra vigilância e o papel da mídia independente neste cenário?
Emma Llansó: Se o hackativismo for entendido apenas como a invasão de bases de dados através de códigos maliciosos para capturar e divulgar dados pessoais, é claro que há muito o que se preocupar como este tipo de atividade. Mas se for caracterizado como a atividade das pessoas em transformarem interfaces para divulgar suas mensagens, para mim, sempre será uma atividade bem-vinda. Um lembrete de que a criatividade humana e o interesse em comunicar serão sempre mais forte do que as restrições que uma empresa possa querer impor. Também vejo com bons olhos atividades com softwares livres, onde as pessoas podem compartilhar seus códigos e criar algo que funcione também como um lembrete do que as pessoas podem fazer, correndo por fora deste contexto econômico das grandes empresas. Isso é o que eu amo sobre a Internet e diz respeito muito ao compartilhamento de informações, que está no centro do potencial revolucionário que a Internet possui.
Marco Zero: O que você acha do ativismo de Edward Snowden?
Emma Llansó: Fico feliz que três anos depois dos primeiros vazamentos de informações por ele, ainda estejamos conversando sobre isso. Fico feliz também por ter participado de toda a discussão sobre direitos à privacidade iniciadas após as revelações que ele fez. É claro que surgem preocupações quando um só indivíduo tem o poder de decidir sobre divulgar ou não informações confidenciais ou sigilosas. Mas, pessoalmente, acho que a abordagem dele, o cuidado de trabalhar com jornalistas altamente respeitados e éticos, ao invés de apenas despejar e publicar os documentos aos quais ele teve acesso, aplicando padrões jornalísticos para garantir a segurança das pessoas envolvidas e ainda alertando ao governo sobre a publicação e dando espaço de resposta, foi essencial. Além de levantar em todo o mundo discussões importantes sobre a vigilância governamental, confirmada a partir das suas revelações, e a necessidade de discutir este tema da forma mais ampla possível. No final das contas, fico muito feliz que ele tenha feito o que fez, ajudando a causa da privacidade e dos limites da vigilância nos Estados Unidos e no mundo.
Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco (1999), com especialização em Design da Informação pela mesma instituição (2010), master em Jornalismo Digital pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS) e Universidade de Navarra (2010). Tem Mestrado (2012) e Doutorado (2018) em Design, também na UFPE. Atualmente, é professora dos cursos de Jornalismo e Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou durante 17 anos na redação do Diario de Pernambuco, onde foi repórter, editora-assistente e Editora de Internet até o início de 2015. Hoje é presidente do Conselho Diretor do site de jornalismo independente e investigativo Marco Zero Conteúdo.