Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Por Raíssa Ebrahim
Hoje, 22 de outubro, o Plano Nacional de Contingência (PNC) completa seis anos de lançamento com uma grande mancha ambiental e política. O governo Bolsonaro insiste em dizer que entrou em ação para conter o maior incidente de poluição por óleo no Nordeste e que “os procedimentos previstos no PNC estão em curso desde o início de setembro”. No entanto, o que se vê na prática é algo bem diferente. As imagens das praias nordestinas tomadas por óleo e a multidão de voluntários atuando sem a coordenação federal e sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) falam por si.
O que está acontecendo, há quase dois meses, é uma total inversão de papéis. A iniciativa, a coordenação e os custos das ações são, de acordo com o plano, responsabilidade da União. Mas o que deveria partir dos entes federais está sendo feito pela sociedade civil num trabalho incansável de limpeza das praias com as próprias mãos, expondo as pessoas a sérios riscos por conta da toxicidade do material.
Estados e prefeituras, por sua vez, também estão – muitas vezes de forma política – tentando se organizar para montar comitês de crise, articular ações e empenhar verba, mesmo sem serem minimamente preparados para isso.
Ontem (21) o que se viu em Itapuama, no Cabo de Santo Agostinho, litoral sul de Pernambuco, foi muita gente empenhada, mas uma estrutura amadora. Por exemplo, parte do óleo coletado estava sendo colocado numa espécie de vala improvisada contaminando o solo. Os tratores invadiam a areia da praia pondo os voluntários em risco e não havia material de coleta, como tambores, adequada suficiente. Em Suape, segundo locais, a Marinha chegou a solicitar EPIs porque os fuzileiros navais chegaram sem.
Esta seria a primeira vez que o plano, lançado em 2013, no primeiro governo Dilma Rousseff, seria implementado. Ele serve justamente para situações como essas, em que mais de 2 mil quilômetros de costa já foram atingidos por uma fonte poluidora ainda não divulgada. Mais de 900 toneladas de óleo já foram recolhidas nos nove estados da região, sem contar com o material, por ora invisível, que pode estar no fundo do mar.
“Se minimamente o Plano Nacional de Contingência, que não é suficiente, tivesse sido colocado em prática, teríamos pelo menos uma articulação mais coordenada das entidades a atuarem no Nordeste. O que vemos hoje é um extremo senso de comunidade e pertencimento por parte de entidade locais, voluntários, pescadores, comunidades tradicionais que estão na ponta cuidando do litoral”, comenta Leandra Gonçalves, pesquisadora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e co-fundadora da Liga das Mulheres pelos Oceanos.
O plano aponta as diretrizes a serem seguidas. Mas seriam os comitês extintos em abril pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) – o executivo e o de suporte – os responsáveis pelas medidas práticas a serem adotadas. Para citar um exemplo simples: quantas e quais boias de contenção e absorção deveriam ser colocadas e em que localidades. Os comitês eram formados por diversas instituições que deveriam atuar em rede, ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia, Ibama, Marinha e Agência Nacional do Petróleo (ANP), entre outras. “A extinção dos comitês esvaziou o plano”, resume Leandra.
LEIA TAMBÉM:
“São os comitês os responsáveis pela operacionalização do Plano Nacional de Contingência”, frisa o biólogo e oceanógrafo Clemente Coelho Júnior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE). Ele detalha que a primeira etapa deveria ter sido reunir e organizar as instituições para daí começarem rapidamente as ações, cada uma compondo a rede de acordo com as suas expertises. “Mas ficamos órfãos”, lamenta Clemente.
Basta comparar, como lembra Clemente, as imagens com os registros da limpeza causada pelo maior acidente marítimo da Espanha, em 2002, o naufrágio do petroleiro Prestige, carregado com 77 mil toneladas. Todos cobertos da cabeça aos pés e com utilizando EPIs específicos.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é a autoridade máxima do Plano Nacional de Contingência. É (ou deveria ser) o maior responsável por coordenar e articular ações para facilitar e ampliar a prevenção, a preparação e a capacidade de resposta nacional a incidentes de poluição por óleo. É do MMA, por exemplo, a função de articular os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), instituído em 1981 e composto pelos órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pelas fundações públicas.
O silêncio também tem sido uma escolha política. O PNC é claro sobre o compartilhamento de informações assegurando que é preciso “manter a imprensa, as autoridades e o público informados da situação, e estabelecer centro de informações, quando couber”. Somente no dia 14 de outubro o governo federal foi a público dizendo ter ativado o grupo de avaliação e acompanhamento, um dos comitês previsto, composto por Marinha, Ibama e ANP.
“Ogoverno federal demorou muito para entender o tamanho do impacto. Quando as manchas começaram a aparecer, não se teve o cuidado necessáriode controlepara que ela não se tornasse o maior impacto do litoral brasileiro até hoje. Faltou ação de coordenação,faltou atuar como autoridade nacional que cuida dos seus recursos e seu patrimônio de forma articulada e coordenada com osdemais entes federativos e a sociedade civil. Faltou governança”, diz Leandra.
Hoje (22) o Ministério Público Federal (MPF), através da 12ª Vara Federal de Pernambuco, reforçou a omissão da União através de indeferimento do pedido de reconsideração feito pelo governo. Na sexta passada (18), MPF) ajuizou uma ação coletiva entre os noves estados nordestinos atingidos pelas manchas pedindo que a Justiça Federal adotasse, em 24h, um plano de emergência sobre a situação.
O plano também prevê o pedido de auxílio internacional em caso de necessidade. “É muito fácil dizer que criou, mas cadê essa articulação? Dá para ver nitidamente que não existe uma articulação na própria fala das autoridades. São fantoches repetindo as mesmas coisas”, critica Clemente.
“O descumprimento (do plano) só demonstra, mais uma vez, como o Brasil está frágil perante as instituições que cuidam da questão ambiental, mostrando nossa vulnerabilidade e fragilidade e como uma entidade federal, no caso o Ministério do Meio Ambiente, tem falhado em cuidar da sua principal função”, avalia Leandra.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com