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Crédito: Marinha do Brasil
Por Débora Britto e Raissa Ebrahim
Depois das fases de negação e de omissão, agora o governo de Jair Bolsonaro (PSL) tenta correr para salvar a aparência em relação ao desastre ambiental com óleo no Nordeste, que já atingiu 2.250 quilômetros de costa e que segue sem identificar causas e culpados. Em apenas quatro dias, três ministros estiveram em Pernambuco para tratar do assunto: Fernando Azevedo, da Defesa; Ricardo Salles, do Meio Ambiente; e Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo. A Marinha afirma já ter enviado mais de 2,7 mil militares à região e um aparato de navios, helicópteros, aeronaves e viaturas. No entanto, a falta de coordenação, equipamentos e agilidade é visível.
Fuzileiros navais chegaram sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ou com aparatos de proteção inadequados. A foto que abre esta matéria, publicada pela própria Marinha, mostra os homens expostos ao óleo, de tênis e sem máscaras. São essas as imagens que o governo federal tem compartilhado para mostrar sua atuação no Nordeste.
“Eles são guerreiros. Incansáveis. Ajudam a gente e muito. Nossa principal preocupação é que o governo os enviam sem nenhuma EPI, inclusive o fardamento oficial deles é totalmente inadequado. Nem sequer uma camisa UV é oferecida para esses guerreiros”, relata Sidney Marcelino Silva, do movimento Salve Maracaípe, o principal articulador da sociedade civil nos trabalhos de limpeza e orientação nas praias de Pernambuco.
A escassez é tanta que há homens da Marinha e do Exército se alimentando da comida que chega por doações à base de apoio do Salve Maracaípe, em Itapuama, Litoral Sul, porque a Marinha não fornece alimentação em alguns pontos. Confira no vídeo do Salve Maracaípe:
Em Barreiros, também no Litoral Sul, próximo a Tamandaré, os fuzileiros enviados não podem entrar no Rio Mamucabas para coletar o óleo porque não têm EPI especial para mergulho. A prefeitura segue há dois dias aguardando o comando da Marinha resolver a situação e enviar os equipamentos. Enquanto isso, os pescadores e as pescadoras estão sem fonte de renda e desolados. Pelos cálculos aproximados e feito de uma maneira informal pela gestão municipal, o estuário foi atingido por cerca de cinco toneladas de óleo.
“É necessário mergulhar em alguns pontos para coletar esse material manualmente e encaminhar ao destino correto. É um trabalho difícil e minucioso”, detalha Valmir Ramos, gestor ambiental da Prefeitura de Barreiros. À lentidão da Marinha, soma-se o tempo das marés. É preciso estar na baixa para poder fazer o trabalho.
Valmir afirma que não viu animais mortos no local, mas um cardume de sardinhas e outras espécies foi flagrado pulando para fora da água, algo que não é comum. “Imaginamos que por conta da oxigenação”, explica. “Tivemos que pegar os peixes com as mãos para colocar dentro da água novamente”.
A reportagem procurou a Marinha para responder sobre a falta de estrutura, mas não obteve resposta até a publicação dessa matéria.
As Forças Armadas têm sido o principal elemento do Plano Nacional de Contingência (PNC) para tentar salvar as aparências do governo federal. O Ministério do Meio Ambiente, no entanto, é, segundo a legislação, a autoridade máxima. As declarações do ministro Salles, porém, têm sido desastrosas. Ele chegou a insinuar no Twitter que o óleo vazado poderia ser de um navio do Greenpeace. Detalhe, a foto que publicou nas suas redes é de 2016.
Tem umas coincidências na vida né… Parece que o navio do #greenpixe estava justamente navegando em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro bem na época do derramamento de óleo venezuelano… pic.twitter.com/ebCoOPhkXJ
— Ricardo Salles MMA (@rsallesmma) October 24, 2019
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No Recife, em coletiva de imprensa lotada de jornalistas, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, veio defender que as praias estão seguras para banho, mas não apresentou um único dado técnico ou estudo que confirmasse suas declarações e ainda reclamou da cobertura da imprensa.
Pela manhã, ele molhou os pés no mar de Muro Alto, no Litoral Sul do estado, praia que foi atingida pelo óleo no fim de semana passado e prontamente limpa sobretudo pela ação emergencial dos voluntários e pescadores. Ficou com água até a altura da canela e garantiu que as praias não apresentam riscos para turistas e banhistas. “Mesmo as praias que estavam com óleo e foram limpas estão aptas”, disse.
Perguntado em qual estudo ou análise técnica o Ministério do Turismo está se baseando para dar essa garantia, o ministro não respondeu e afirmou que apenas 10% das praias de Ipojuca foram atingidas, mas as que já tiveram o óleo retirado estão aptas para banho. Também disse que “as praias que não foram atingidas obviamente estão aptas”. Novamente, sem atestar a obviedade da questão.
Questionado mais uma vez por diversos repórteres, o ministro foi socorrido pelo secretário de Turismo de Pernambuco, Rodrigo Novaes, que afirmou que o Ministério da Saúde e o secretário de Saúde estadual garantem a informação. Ainda assim, sem apontar qualquer análise científica. “A orientação do Governo do Estado é não entrar em contato com o material, com o óleo. Para se banhar onde não há óleo não tem problema, quem está dizendo isso não sou eu nem o ministro do Turismo, é o secretário de Saúde do estado e o ministro da Saúde. Em relação aos alimentos é preciso ter uma cautela a mais”, argumentou Novaes.
Ministro e secretário do Turismo foram rebatidos pela professora do curso de Engenharia Ambiental da UFRPE Soraya El-Deir. “Ou o ministro do Turismo tem informações que não está socializando com o Ibama, ICMbio, Promotoria, Procuradoria Federal, todos os órgãos que estão aqui, ou ele fez uma fala irresponsável”. Soraya El-Deir esteve durante toda a sexta em audiência pública de conciliação motivada justamente por ação do Ministério Público Federal contra o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente. “Cabe a ele (ministro Marcelo Álvaro) trazer a público os dados técnicos que comprovariam que as praias estão seguras para banho porque a CPRH disse que não é assim”, criticou.
Para Soraya ainda não existem informações suficientes para garantir que as praias estão seguras. “Foi dito claramente que não se sabe exatamente ainda a composição dessa massa. Podem chegar novas manchas de petróleo que nem fiquem visíveis, existem muitas manchas que estão indo para a coluna d’água, outras estão ficando no solo marinho. A contaminação não pode ser medida só nas praias onde se viu mancha ou por meio de coleta do óleo na praia. A gente tem que tomar cuidado em todo o litoral do Nordeste”, disse.
Outro dado importante que tem sido ignorado, segundo a pesquisadora, é que não se trata de óleo, mas de petróleo cru. “Existem os compostos orgânicos voláteis, que podem ter potencial cancerígeno. Mas também existem algunsHidrocarbonetos Policíclicos aromáticos que são extremamente tóxicos e persistentes”, explicou. O tempo e a reação no meio ambiente ainda precisam ser analisados e monitorados.
Pesquisadores do Instituto de Biologia (Ibio) da Universidade Federal da Bahia encontraram vestígios do petróleo nos aparelhos respiratórios e digestivos de animais marinhos, como peixes e crustáceos. De acordo com o pesquisador Francisco Kelmo, em entrevista ao G1, 38 animais, incluindo moluscos e crustáceos, foram recolhidos no último final de semana. Todos apresentaram óleo dentro do corpo. Outros 12 animais ainda estão sob análise. A recomendação dos pesquisadores é de que a população evite consumir produtos de áreas atingidas pelo petróleo.
Em sua passagem por Porto de Galinhas, o ministro se reuniu com empresários do turismo e anunciou um fundo de 200 milhões para socorrer empreendedores possivelmente afetados pelo óleo. Nesse ponto, os governos de Pernambuco e Bolsonaro estão alinhados.
Além do fundo, a União e estado vão investir em publicidade para não afastar os turistas do Nordeste. “É um crédito bastante importante que foi anunciado pelo ministro, além disso teremos as ações de publicidade”. O Governo de Pernambuco vai entrar com R$ 9 milhões para reforçar campanhas publicitárias até o início de novembro. Segundo Novaes, a ação já estava prevista, mas será redirecionada agora, após o crime ambiental no litoral nordestino.
Elogios ao Ministério do Turismo à parte, Novaes comentou as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que insinuando o envolvimento do Greenpeace no derramamento de petróleo. “A entidade mais respeitada no mundo, no que diz respeito à proteção ao meio ambiente, ser acusada de forma leviana de cometer um crime dessa proporção é ridículo”, disparou.
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