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Adotando a prática que condena, Ministério Público estadual quer criar 344 novos cargos comissionados

Mariama Correia / 05/11/2019

Contratações excessivas e até ilegais de cargos comissionados costumeiramente motivam ações do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) contra prefeituras ou autarquias estaduais. Tanto que, no estado, somente este ano, pelo menos as prefeituras de Lajedo, Caruaru, Panelas, Cabo de Santo Agostinho e Alagoinha receberam recomendações e/ou assinaram Termos de Ajuste de Conduta expedidos pelo órgão para impedir criação de cargos e nomeações dessa natureza.

Agora, é o próprio MPPE que quer criar 344 funções gratificadas para preencher seus quadros, algo que pode precarizar relações de trabalho, segundo o sindicato dos servidores da casa.

A proposta está sendo analisada pelo Colégio de Procuradores do MPPE, que reúne todos os procuradores de Justiça. Para valer, ela precisa ser aprovada pelo colegiado e, depois, encaminhada à Assembleia Legislativa do Estado em formato de Projeto de Lei (PL) para análise dos deputados. A minuta do PL já está pronta. De fato, a reportagem recebeu duas versões. A primeira citava a criação de 300 funções gratificadas. A segunda, mais recente, fala em 344 contratações.

O MPPE quer que os comissionados assumam funções de assessoria dos efetivos, como está claro na nota técnica assinada pelo procurador geral de Justiça, Francisco Dirceu Barros, em 17 de setembro passado, a qual a Marco Zero teve acesso. Os salários dos comissionados seriam de R$ 2,4 mil mais auxílio refeição no valor de R$ 600,00. São valores inferiores aos recebidos pelos efetivos. Para se ter ideia, em início de carreira, um técnico do MPPE ganha R$ 3,2 mil e um analista pouco mais de R$ 5 mil.

Presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público, Fernando Ribamar, acredita que, pela deficiência dos quadros do órgão “os futuros contratados para funções gratificadas terminarão desempenhando atividades dos técnicos e dos analistas, só que ganhando menos”, o que seria uma distorção. Ele questiona a constitucionalidade do projeto porque, entre outras coisas, de acordo com a minuta do PL, a designação das funções gratificadas será feita por indicação dos promotores e procuradores de Justiça.

“Atribuir a esses cargos as funções dos efetivos viola a isonomia (tratamento igual) nos cargos públicos (garantida pelo concurso público, onde todas as contratações seguem os mesmos critérios) e o princípio da proporcionalidade entre efetivos e comissionados (embora não haja um critério objetivo que defina esses percentuais)”, ressalta.

Em nota, o MPPE informou que “a possibilidade de criação dos cargos em comissão para assessorar os membros do MPPE apresenta-se como medida legal, sem qualquer óbice constitucional, além do fato de ser medida que viabiliza a prestação do serviço de boa qualidade e com salutar economicidade para a instituição.” O MPPE ressaltou que a mesma medida vem sendo adotada por vários Ministérios Públicos do Brasil, órgãos do Poder Judiciário e Tribunais de Contas, “como solução às complexas e crescentes necessidades de serviços, evitando a atuação com desvio de funções por parte de servidores, em nada contrariando as atribuições aos cargos existentes.”

Quadros insuficientes

O custo das contratações de comissionados para o MPPE é calculado em pouco mais de R$ 15 milhões (a nota do MPPE não deixa claro se esse custo seria anual), o que, segundo o procurador geral, seria proporcionalmente economizado na devolução dos que estão à disposição. Os profissionais cedidos são remunerados pelos órgãos de origem, porém recebem percentuais de equiparação mais o auxílio alimentação por parte do MPPE, de acordo com o sindicato dos servidores do Ministério Público.

A opção pelos cedidos para suprir o quadro deficitário, em detrimento da realização de novos concursos, se tornou um problema dentro do MPPE. Desde de 2015, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apontou um alto volume de profissionais à disposição na comparação ao total de concursados. De acordo com o portal da transparência, em outubro o MPPE tinha 589 cedidos e 663 servidores próprios ativos.

Por causa do alto número de profissionais à serviço, o CNMP determinou a devolução de 60 servidores cedidos por ano, a partir de 2020, até um limite de seis anos. As 344 funções gratificadas, que estão sendo discutidas agora, substituiriam parte dessas devoluções.

Acontece que os profissionais cedidos desenvolvem as mais diversas atividades em áreas operacionais e burocráticas do MPPE. Essas atividades são essenciais para o funcionamento das promotorias, mas não são atribuições de cargos de assessoria, como se pretende criar. Por isso, o sindicato diz haver um alto risco de desvios de função.

A criação de funções gratificadas para resolver a insuficiência dos quadros do MPPE é discutida há anos. Mas foi durante as sessões do colégio de procuradores, em outubro deste ano, que ela voltou à tona. Por causa das críticas do sindicato, um substitutivo ao projeto original foi apresentado pela procuradora Eleonora de Souza Luna neste mesmo mês. O texto mudou alguns pontos para acomodar as críticas dos servidores, reduzindo a quantidade de contratações de 344 para 60. Por outro lado, criou novos problemas, na avaliação do presidente do sindicato, Fernando Ribamar.

“Manteve o percentual de ocupação de efetivos em 60% (a primeira proposta previa uma redução desse percentual para 30% dos quadros), mas estabeleceu contratação de bacharéis em Direito matriculados em cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado ou pós-doutorado como estagiários, o que é uma incoerência”, aponta.  No documento ao qual a Marco Zero teve acesso, a procuradora Eleonora detalha as vantagens da contratação dos estagiários de pós-graduação. Entre elas estão o “não comprometimento dos limites das Despesas Líquidas de Pessoal e o desligamento nos mesmos termos dos estagiários do curso de graduação.”

“É uma proposta que precariza ainda mais as relações de trabalho e que vai gerar alta rotatividade de profissionais”, advertiu Ribamar. “Estamos conversando com os procuradores porque entendemos as limitações financeiras, mas é preciso explorar outras soluções. Se prosseguir com as contratações, o MPPE vai adotar práticas que ele mesmo combate, colocando sua credibilidade à prova”.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).