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Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do CIMI (Crédito: CIMI)
por Montezuma Cruz (Porto Velho – RO)
O arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Roque Paloschi, não tem dúvida das consequências da nomeação do ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias para Coordenadoria de Índios Isolados e Recém-Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai). Para ele, o governo federal adota uma “política neocolonialista e etnocida” e desrespeita princípios constitucionais. Ao mesmo tempo, “abandona a perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos”, assinala.
Recém nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, Lopes Dias atuou entre 1997 e 2007 na Missão News Tribes do Brasil (MNTB), organização com origem nos Estados Unidos, que promove a evangelização de indígenas brasileiros desde os anos 1950.
O
Brasil tem 110 povos indígenas em situação de isolamento,
notadamente na fronteira brasileira com o Peru, no Estado do Acre, e
no Vale do Javari (AM). Dom
Roque lembra que esses povos estão com sua sobrevivência ameaçada
com a liberação de mineração em terras indígenas.
Quatro
décadas atrás, a presença da New
Tribes
em terras indígenas na Amazônia preocupava sertanistas da Funai e,
por algumas vezes, fora denunciada a Brasília. Como vê a possível
autorização para que essa organização evangelize povos indígenas?
Dom
Roque Paloschi –
No Brasil, vai se firmando a postura autoritária e incredível de um
governo, que segue as orientações do capital econômico, em
detrimento da nossa Lei Magna, a Constituição Federal. É claro,
que este governo está retomando a pauta de governos militares e que
a política indigenista brasileira é pensada e implementada de forma
a não comprometer os projetos de desenvolvimento social e econômico
do país, especialmente aqueles relacionados a novas frentes
econômicas ou de defesa das fronteiras. Essa estratégia acentua-se
particularmente nas regiões Amazônica e Centro Oeste do Brasil, a
partir da década de 1960, do século passado.
Há resistência entre lideranças indígenas à nomeação do novo coordenador de índios isolados pela Funai…
As organizações indígenas estão repudiando veementemente a indicação do senhor Ricardo Lopes Dias para chefiar a área de índios isolados, sobretudo, a política que se encontra por detrás desta nomeação. As organizações afirmam o seu temor diante (conforme dizem) de “crimes de genocídio e etnocídio que serão cometidos contra os nossos parentes isolados e de recente contato, caso se concretize a nomeação de uma pessoa ligada às atividades de proselitismo religioso para o setor da Funai que atua com esses nossos parentes”.
No
final dos anos 1970, a própria Funai abria os olhos para examinar as
consequências da New
Tribes
na Amazônia. E agora?
Sim, no passado houve denúncias de comunidades indígenas em relação a essa organização, e na época a própria Funai tomou providências. As organizações indígenas e indigenistas estão atualmente se posicionando e repudiando tais políticas do governo que, desde que assumiu, não deixou de ter posturas, práticas e políticas anti-indígenas, através de decretos, medidas provisórias, restringindo os direitos garantidos na Constituição Federal. O que mais nos preocupa nesse cenário político é a falta dos princípios constitucionais e o abandono da “perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos”. Assumindo uma política neocolonialista e etnocida, como forma de liberar os territórios onde habitam estes povos, para a exploração econômica por fazendeiros, mineradores e empreendimentos econômicos.
Entre
outras frases de cunho racista, o presidente da República disse
entender que “o índio mudou, está evoluindo, e cada vez mais é
um ser humano”. O que o senhor diz a respeito disso?
Os
110 povos indígenas livres/isolados que habitam o território
brasileiro, sobretudo na Amazônia, estão seriamente ameaçados em
sua integridade física, cultural e territorial. É uma política que
promove a morte destes povos. Essa afirmação, infelizmente parte
de uma visão etnocêntrica e preconceituosa. Pessoas que utilizam
esse discurso se colocam como referência e reduzem o ser humano,
diferente, plural como ameaça potencial aos esquemas pré
estabelecidos. Esse pensamento que se propaga ao longo dos séculos é
perigoso, pois promove políticas de discriminação e de extermínio
de povos, raças e culturas diferentes. Existe hoje um discurso que
fomenta ações criminosas, ilegalidades, a devastação da natureza
e até a prática de genocídio. No caso do Brasil, esse pensamento e
política levaram as instituições e a legislação indigenista a
assumirem políticas que tratassem os povos indígenas como um
inferior a educar, “que seriam incorporados à comunhão nacional”,
terminando por naturalizar sua exploração e massacre.
Entre
o final da década de 1960 e início da década de 1970, jogaram
arsênico nas roupas dos índios Nambikwara do Vale do Guaporé. Hoje
em dia, de que maneira ocorrem massacres?
O Relatório Figueiredo (1967), encomendado pelo Ministério do Interior, de mais de 7.000 páginas e 30 volumes foi redescoberto em novembro de 2012. Ali há denúncias da introdução deliberada de varíola, gripe, tuberculose e sarampo entre os índios”. A retórica e as políticas em curso do atual governo são desrespeitosas e desconstituem a Constituição Federal, abrindo o nosso território para o capital econômico internacional. Não pode ser a favor da vida e nem da democracia, que promove o respeito à diversidade dos povos, raças e culturas. Que o Estado, com suas estruturas, se coloque na defesa dos direitos humanos e da natureza.
O
Cimi tem conhecimento de alguma perspectiva da exploração de
minérios e metais em território indígena?
Segundo
dados já divulgados no site do Cimi (21/01/2010), existem 3.773
requerimentos minerários, que afetam 31 Terras Indígenas e 17
Unidades de Conservação que possuem 71 registros de povos indígenas
isolados em seu perímetro. Desses, são sete registros confirmados,
17 em estudo e outros 47 com informação. Cinco dessas ocorrências
são de povos que se encontram fora de áreas protegidas. A grande
maioria desses requerimentos, 3.053, é para pesquisa. O preocupante
é essas pesquisas, na realidade abrem ainda mais o caminho para a
exploração mineral ilegal e invasões em massa, que pelo atual
cenário político vem ocorrendo de forma frequente e violenta para
os povos indígenas.
Como
o senhor analisa esta frase do presidente: “Se eu fosse rei de
Roraima, com tecnologia, em 20 anos teria uma economia próxima do
Japão. Mas 60% está inviabilizado (sic) por reservas indígenas e
outras questões ambientais”?
Sem fazer muito comentário, diria que tal frase mostra a política do governo, em relação ao cuidado com território nacional, o seu comprometimento com os grupos econômicos, com o capital internacional e a falta de compromisso com o povo brasileiro, no atendimento às políticas de saúde, educação, lazer, segurança e bem estar social. O povo não necessita que cresça a economia de alguns, em detrimento à pobreza de muitos.
O
que melhor resultou o Sínodo da Amazônia e quais são as
preocupações do Papa Francisco em relação aos indígenas
brasileiros e da América?
O
Sínodo da Amazônia foi um passo importante para a igreja buscar
novos caminhos de evangelização e por uma ecologia integral, para
isso é indispensável que entremos nesta dinâmica de conversão
integral, deixar práticas colonialistas antigas e com os povos na
Amazônia. Aprender, desaprender e reaprender novos caminhos para uma
ecologia integral, no respeito à pessoa, a natureza e a Casa Comum.
No documento final do Sínodo da Amazônia, a Igreja, assumiu ser
aliada dos povos indígenas e amazônicos, no compromisso
incondicional em suas lutas na defesa da vida, dos territórios e dos
direitos. A preocupação do Papa Francisco e dos bispos no
território Pan Amazônico, em relação aos povos indígenas, diz
respeito às ameaças constantes que eles sofrem em seus territórios,
à exploração exacerbada da terra e dos territórios, os
deslocamentos forçados, a falta de políticas públicas e,
sobretudo, o desrespeito à vida, às tradições e ao direito de
viver de acordo com seus modos próprios de vida e o avanço do
capital econômico.
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