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Setores cultural e de restaurantes temem colapso pelo coronavírus

Maria Carolina Santos / 19/03/2020

Arte: Thiko/MZ

Foi como uma fileira de dominós. Em um dia, restaurantes e bares estavam anunciando medidas preventivas para lidar com o novo coronavírus. No dia seguinte, já começaram a surgir as publicações de estabelecimentos suspendendo as atividades – principalmente os menores, que não têm lastro para suportar a falta de fluxo. Muitos investiram em entregas a domicílio.

Mesmo antes do decreto do governador Paulo Câmara (PSB) limitando a 500 o número de pessoas por evento – desde terça-feira (17), este limite baixou para 50 -, festas e shows já estavam sendo cancelados. A lista é gigantesca.

Cinemas foram os primeiros afetados. Salas vazias, depois fechadas. A rede Cinemark já propôs demissão voluntária aos funcionários. No tradicional cinema São Luiz, os letreiros exibem “cuidem-se” e “em breve estaremos juntos”. Peças de teatros e shows de artistas locais e nacionais foram adiados ou cancelados. Só Alceu Valença já cancelou 17 apresentações. O Abril Pro Rock, festival com 28 anos, foi adiado, sem nova data definida.

Como cultura e entretenimento são quase sempre com plateia, com pessoas juntas, o setor foi um dos primeiros a sentir o baque pelo coronavírus. Na Ásia, onde começou a propagação do novo vírus, estima-se que o prejuízo já ultrapasse os US$ 5 bilhões. No Brasil, ainda não há previsões, mas com a total paralisação do setor – até novelas da Globo foram suspensas – a queda deve ser brutal.

Na Zona Norte do Recife, os bares Ramon e Caverna foram dos primeiros a anunciar, na segunda-feira (16), que iam suspender as atividades. Os dois eram locais em que o baixista Daniel Fino tocava durante a semana.

Morador do Ibura, Daniel se viu, de repente, sem sua fonte de renda. “Vou perder em torno de R$ 700 por semana. Estou atualmente sem nenhuma renda porque os bares que eu toco estão em quarentena”, conta Daniel, que vai participar com um de seus projetos, a Joinhas Band, de um show online neste sábado, com contribuição solidária.

Ele se sente desamparado pelo poder público. “Do Governo Federal, para ser sincero, não espero nada. A gente está vendo algumas medidas tomadas fora do país, como na Alemanha, onde a ministra de cultura Monika Grütters deu um exemplo ao falar que ‘a cultura não é apenas um luxo que se entrega em bons tempos’. Não tenho ideia de como a nossa classe artística independente seria favorecida pelo governo Bolsonaro”, critica.

Dono do bar Caverna, Augusto Vilarim decidiu fechar as portas por conta dos pais idosos, com quem mantém contato próximo, e também porque notou que o movimento na semana passada já havia ficado aquém. “Nem ideia do tamanho do prejuízo. Espero que em abril a gente consiga voltar, mas já ouvi expectativas de três a quatro meses. E aí vai ser difícil”, diz.

Mesmo com contas saudáveis, o estabelecimento não consegue sobreviver muito tempo de portas fechadas. “Vai ser complexo. Ainda vou ver quanto tempo consigo ficar fechado sem decretar falência. Já tenho desperdício de produto”, conta.

“Uma forma do governo ajudar seria com linhas de crédito com juros lá embaixo. Seria bom também que o preço dos aluguéis fossem repensados. E diminuir a taxação da conta de energia, porque minhas geladeiras estão lá ligadas no bar. Já seria de uma grande ajuda, porque o principal mesmo é pensar em como voltar. A decisão de parar logo é para poder voltar depois”, propõe.

Uma das sócias da produtora de festas Golarrolê, a empresária e DJ Allana Marques cancelou quatro festas que iriam acontecer neste mês e em abril. “O tamanho do prejuízo ainda não temos como mensurar, está tudo muito recente”, conta. “O governo poderia ajudar atualizando o pagamento dos artistas que trabalharam em eventos como o carnaval”, diz, fazendo coro com diversos artistas nas redes sociais.

Bares e restaurantes em risco

A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) começou a semana divulgando medidas de boas práticas de higiene e distanciamento das mesas. Nesta quarta, o tom subiu em vários níveis com um “alerta de colapso”.

“O coronavírus pode ser fatal para bares e restaurantes. O faturamento derrete, com quedas de 30% a 70% em algumas cidades”, diz o comunicado, que ainda afirma que até 3 milhões de empregos podem ser cortados nos próximos 30 a 40 dias. É metade da força de trabalho do setor no Brasil.

Em conversa com o ministro Paulo Guedes e Bolsonaro, o presidente executivo da Abrasel, Paulo Solmucci, pediu que o governo ajude a pagar salário ou coloque os funcionários do setor no seguro desemprego.

Muitos restaurantes e bares, principalmente os pequenos, talvez não tenham condições de voltar à funcionar depois que a onda mais acentuada da pandemia passe – uma previsão de, no mínimo, 20 semanas, segundo o Ministério da Saúde. Quase todos estão apostando em serviços de entrega.

“Não podemos parar. No nosso caso, não temos reserva para aguentar um mês fechado. Se fecharmos, tenho que entregar o imóvel e encerrar a empresa. Não vou demitir nem afastar garçons. Temos um quadro enxuto. Eles farão outras tarefas no atendimento aos pedidos online ou por telefone, que já aumentaram de 50% a 75%, dependendo do horário. Alguns dos garçons estão conosco há muito tempo, não posso simplesmente deixá-los na mão”, lamenta um dos donos do Caprinos Gastrobar, no Rosarinho, João Pedro Siqueira Brito.

Governo e prefeituras

Para o setor cultural, o Governo Bolsonaro não anunciou nenhuma medida específica, além das gerais apresentadas pelo ministro Paulo Guedes na segunda-feira. Para quem é Microempreendedor Individual (MEI) há um pacote, que ainda vai ser enviado ao Congresso, de auxílio emergencial de R$ 200 – só para quem também se enquadra nos critérios do Cadastro Único (CadÚnico).

Hoje, a secretaria nacional de Cultura, Regina Duarte, afirmou ao jornal O Globo que abriu uma rodada de conversas com as secretarias estaduais para saber que medidas poderão ser tomadas.

Artistas pernambucanos, como o rapper Tigger, se posicionaram publicamente pedindo às prefeituras e à Secretaria de Cultura/Fundarpe que paguem logo os cachês de quem se apresentou no carnaval.

A Marco Zero procurou as prefeituras de Olinda e do Recife e a Secretaria de Cultura do Estado.

A prefeitura de Olinda afirmou, em nota, que o prefeito Lupércio “já determinou que as equipes de análise de prestação de contas do pós-evento agilizem a tramitação dos processos”. A estimativa da prefeitura é de que os pagamentos iniciem no mês de abril.

Sobre outras formas de ajudar artistas e casas de espetáculos, a prefeitura informou que “quase nenhum município dispõe de recursos para implantar algum tipo de auxílio financeiro para artistas. O Governo Federal, sim, dispõe de recursos e vamos inclusive encaminhar a proposta para a União”.

Já a Secult-PE disse que não tem nenhum atraso de pagamentos de 2019 e que os 600 processos de contratação do carnaval estão em fase de prestação de contas e liquidação de despesa. Não deverá ser agilizado: “esse rito de pagamento precisa ser respeitado conforme a legislação”, diz a nota.

Sobre outras formas de ajuda ao setor, a Secult-PE afirma que tem “consciência de que se trata de um problema global, mas a suspensão de eventos que reúnem público é uma questão de saúde pública e precisa ser defendida. Todo o Governo de Pernambuco está envolvido nessa discussão econômica e a cultura como um vetor importante no Estado, assim como turismo, o setor de serviços e o comércio, todas essas áreas têm recebido uma atenção do núcleo que envolve a tomada de decisões.”

Até o fechamento desta matéria, a Prefeitura do Recife não havia respondido à Marco Zero.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com