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Vendedor ambulante Rozualdo Maximino (crédito: Arquivo pessoal)
Na quarta-feira (18), o Governo Federal anunciou medidas econômicas de combate à crise agravada pelo coronavírus. Entre elas, está a distribuição de R$ 200 mensais durante três meses para os trabalhadores informais que não são beneficiários do Bolsa Família ou do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Mas, no Brasil que aprovou a lei da terceirização, as reformas trabalhista e da previdência, essa medida será suficiente para sanar as dificuldades que se apresentam para esses trabalhadores?
A Covid-19 chegou a um Brasil marcado pela retirada de direitos e pela precarização do trabalho. A Marco Zero conversou com alguns trabalhadores para entender como a pandemia está afetando financeiramente a vida de quem não tem a opção de ser liberado para fazer home office, de quem está mais exposto ao vírus e, sempre esteve exposto à crise econômica de maneira mais vulnerável.
São trabalhadores do comércio informal, motoristas e entregadores de aplicativos, diaristas e microempreendedores. Invariavelmente, arrimos de família que moram em bairros periféricos do Recife e da Região Metropolitana e sentem a queda na demanda por seus produtos e serviços. Para essas pessoas, um dos impactos do coronavírus é não saber como garantirão o pão na mesa e pagarão suas dívidas.
Essas mulheres e homens representam grande parcela da população brasileira. De acordo com os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 40,7% dos brasileiros ocupados atuam na informalidade. No último ano, o número de empregados com carteira assinada no setor privado cresceu 2,6%, mas o número de empregados sem carteira teve um aumento de 3,7%. Nos que trabalham por conta própria, a alta foi de 3,1%.
O pesquisador do mundo do trabalho e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Ricardo Antunes, questiona: “Se você tem uma classe trabalhadora estável e com direitos, quaisquer decisões tomadas pelos governos e empresas têm que estar respaldadas nesses direitos. Mas o que acontece quando os trabalhadores e trabalhadoras foram devastados no que diz respeitos aos seus direitos?”.
Para o sociólogo, com a aprovação da Lei da Terceirização (Lei Nº 13.429/2017 ) e das reformas, estava evidente que o Brasil jogaria milhões de trabalhadores para a “tragédia” e para “as ruas”. Ele analisa que a pandemia da Covid-19 chega como “amplificadora exponencial” da atual situação enfrentada pela classe trabalhadora no país.
“O que está acontecendo com esses trabalhadores informais é a ausência como tragédia. Primeiro, a ausência de comprador. Por consequência, a ausência de receber a quantidade mínima de recursos para a sobrevivência. O terceiro ponto é a ausência de um sistema previdenciário e, como se fosse pouco, também tem a inexistência de um serviço público de saúde capaz de atendê-los”, explica.
A reportagem procurou a Secretaria do Trabalho, Emprego e Qualificação de Pernambuco em busca de entender as medidas estaduais que o governo pretende adotar para amparar trabalhadores informais, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Até a última vez em que falou com a Marco Zero, ainda na quarta-feira (18), a diarista Sulamita Santos, de 33 anos, estava fazendo a conta de três diárias canceladas por causa da pandemia. No seu orçamento, esses cancelamentos significam pelo menos R$ 360 – quantia superior ao auxílio que será disponibilizado mensalmente pelo Governo Federal.
Sully, como é conhecida, mora com dois dos seus três filhos no Alto do Eucalipto, na Zona Norte do Recife. Mantém uma rotina intensa de trabalho semanal e atribui isso à divulgação dos seus serviços nas redes sociais, o que faz por conta própria. Quando não está fazendo faxina, ela aposta na venda de pratos individuais de feijoada.
Desde a última segunda-feira (16) não leva os filhos à escola e creche como medida de prevenção contra a contaminação do coronavírus. Um vizinho amigo e sua mãe estão responsáveis pelos cuidados de Sofia Flor, de 10 anos, e José Artur, de 3. O do meio, Bernardo, de 7 anos, mora com o pai. A diarista está receosa pela baixa de clientes e com medo de se contaminar com o vírus.
“Eu trabalho em casa de pessoas que viajam muito para o exterior e trabalhei no carnaval com 15 jovens do Sul e Sudeste. Vi no programa Fantástico (da Rede Globo) que nos banheiros é onde mais acontece a contaminação. Eu lavo quatro banheiros por dia de gente que trabalha e convive com quem viaja. Estou extremamente agoniada, porque toda vez que eu ligo a TV é uma novidade. E eu moro dentro da periferia. Lá, as pessoas não têm essa consciência do zelo e dizem que ‘se Jesus não quiser não vai acontecer’.”
Sobre a merenda dada pela escola da rede pública municipal onde a filha Sofia estuda, Sully afirma que recebeu um composto lácteo no lugar de leite e questiona se o poder público acha que os filhos dela não “merecem” se alimentar como todo mundo. Para José Artur, o mais novo, não há possibilidade de receber os lanches da creche que funciona por meio filantrópico. A diarista pretende intensificar a venda de comida como forma de suprir em parte a renda adquirida com as faxinas.
O vendedor de óculos Rozualdo Maximino do Bonfim, de 51 anos, é morador do Ibura e mantém seu comércio na calçada do Shopping Boa Vista, no Centro do Recife. É trabalhador informal há 35 anos e conta que sentiu o sumiço dos clientes desde a semana passada, o que calcula como uma diminuição de R$ 1 mil na sua expectativa de venda. Sua renda mensal varia entre R$ 3 mil e R$ 3.500 e é a principal fonte de sustento da casa onde mora com a esposa.
“Se agora já está ruim, cada dia mais vai piorar. Cada vez que a televisão vem com novidade, o comércio e todos os outros tipos de trabalho vão ficando ruins. Eu tenho menos medo da doença e mais do que está por vir para nós, porque a gente tem débitos. Mas se a moeda não roda nas ruas, como vamos pagar? Poderiam ver um jeito de não nos cobrar e eu acho que o governo deveria nos dar auxílio”.
Já o comerciante informal, André Thauan, de 29 anos, está no ramo desde os 16 e tem um ponto também na avenida Conde da Boa Vista. Nas últimas duas semanas, tem visto a clientela diminuir ao passo em que a chegada da Covid-19 estava sendo especulada no estado e, depois, foi confirmada.
“Em um dia de movimento normal ou maior, eu consigo chegar a vender perto dos R$ 100. Desde a semana passada eu só estou conseguindo de R$ 20 a R$ 30. As coisas já estavam difíceis, mas agora muita gente tem preconceito de chegar perto e só querem comprar alimentos ou produtos para a higiene e a saúde.”
Ele vende artigos de acordo com a época do ano e conta que sua renda mensal varia de R$ 1.500 a R$ 2 mil. Um exemplo para entender a dinâmica comercial de André é que, com o fim do verão e a chegada das chuvas, ele aposta nas sombrinhas e guarda-chuvas para garantir a sobrevivência. Sua esposa, Dinar Vieira, fica em casa garantindo o cuidado e a rotina dos três filhos: Israel, Miguel e Pedro, com idades entre 9 e 1 ano e cinco meses.
A família mora no bairro Cidade Tabajara, em Olinda, e passou a não levar os dois filhos mais velhos à escola desde a última segunda-feira (16). Estavam com receio de expor as crianças ao contato social. Acontece que a falta de escola colocou Dinar em atenção integral aos meninos e sobrecarregou sua rotina. “Às vezes, só com o menor não consigo fazer as coisas. Vai ficar mais complicado”, diz a dona de casa de 25 anos.
André ficou em casa nos últimos dias da semana por absoluta falta de clientes, daí acabou dando um suporte nas tarefas domésticas. Mas se sente em suspenso sobre os dias que virão: “Como a gente vai ficar?”.
Com a rotina normal, o motorista Anderson Melo de Holanda, de 36 anos, trabalha apenas pela Uber. Mas, com confirmação da pandemia no Brasil, a demanda de passageiros diminuiu e ele passou a atender com mais frequência as corridas geradas pelo aplicativo da 99. É músico, e conta que passou a ser motorista de aplicativo há três anos, quando estava decepcionado com o mercado da música e o “gosto do público”.
Geralmente, Anderson trabalha oito horas por dia e tira uma hora e meia de intervalo. Desde a semana passada, tem trabalhado 12 horas e ainda assim sentiu a queda de 50% nas viagens que faz habitualmente. Em 15 minutos de conversa, nenhum dos aplicativos gerou qualquer viagem. Ele vê vantagem em estar como trabalhador informal, porque faz seu próprio horário e tem obtido uma renda que muitos trabalhadores formais não têm.
“Se eu tivesse um emprego formal eu dependeria da empresa. Tiro pela minha esposa que trabalha em comércio no shopping e não foi liberada para ir para casa e evitar a contaminação. É também o primeiro setor a ser afetado. Logicamente, os pontos negativos de ser motorista de aplicativo é o fato da segurança não garantida e o trabalho nos finais de semana para fazer mais dinheiro.”
Anderson tem dois filhos e mora no bairro da Macaxeira. Arthur, de 7 anos, e Laura, de 5. Ele é responsável pela maior parte da renda familiar e, além da redução de viagens, tenta manter distância de aeroportos, hospitais e rodoviárias para se prevenir da contaminação pelo coronavírus. Com os aplicativos, ele conta que chega a uma renda mensal de R$ 4 mil a R$ 4.500.
A rotina da entregadora de aplicativos de comida Niedja Oliveira Nóbrega, de 27 anos, mudou desde que a rede municipal de ensino suspendeu as aulas. Sua filha agora passa o dia com a avó, enquanto ela estuda Estética para Salão de Beleza no Projeto Qualifica, da Prefeitura do Recife e depois corre para fazer as entregas de bicicleta.
Há quatro meses, desde quando começou a trabalhar pelo aplicativo para sair do desemprego, a renda semanal de Niedja é de R$ 200, mas nas duas últimas semanas está variando em torno de R$ 100 a R$ 150. “Muitos estão com medo de fazer compras até pelo aplicativo. Por medo de se contaminar com a gente ou pela forma que a comida é feita.”
Ela mora no bairro do Arruda e faz entregas nos períodos da tarde e noite. É a principal responsável pelo sustento próprio e da sua filha Adriana Clara, de 7 anos.
Recentemente, os aplicativos anunciaram fundos destinados a trabalhadores, caso sejam contaminados pelo coronavírus. Alguns fizeram a distribuição de kits de higiene.
Ela foi trabalhadora informal durante 25 anos, mas atualmente é proprietária de um restaurante e bar no centro do Recife junto com seu companheiro. Lu Mendonça, de 42 anos, avalia que o movimento em seu estabelecimento caiu em torno de 80% por causa do coronavírus. Na segunda-feira (16), o casal dono do Che Bar decidiu não mais fornecer almoço e concentrou esforços no período da noite, mas mesmo assim não tem obtido retorno.
A renda principal da família é o estabelecimento que funciona há sete meses, onde os dois filhos do casal também trabalham. A decisão de abrir ou não o lugar tem sido feita a cada dia, mas Lu se sente preocupada com as despesas e dívidas que vão precisar ser pagas, independentemente do funcionamento do Che.
“A gente não pode ficar em casa perdendo a renda. E a gente trabalhando vai gastar mais água e mais energia. Como os governos e as empresas responsáveis por esses serviços podem solucionar esse problema? Tenho medo que isso se torne um verdadeiro caos, até porque o governo não tem estrutura. Os trabalhadores informais e ambulantes também não, porque a grande maioria mora em locais de alta vulnerabilidade, são da periferia, são da classe pobre.”, afirmou.
Jornalista atenta e forte. Repórter que gosta muito de gente e de ouvir histórias. Formou-se pela Unicap em 2016, estagiou nas editorias de política do jornal impresso Folha de Pernambuco e no portal Pernambuco.com do Diario. Atua como freelancer e faz parte da reportagem da Marco Zero há quase dois anos. Contato: helenadiaas@gmail.com