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Denúncias trabalhistas crescem por causa do coronavírus

Débora Britto / 31/03/2020

Crédito: Tecpar

Nos primeiros 25 dias de março, o Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT-PE) recebeu 61 denúncias de violações ao direito de trabalhadores relacionadas à pandemia do coronavírus no mundo – o total de denúncias no período foi de 299. No ano passado, no mesmo período, foram 62 denúncias.

Em todo Brasil, o MPT recebeu mais de 2.400 denúncias de violações trabalhistas relacionadas à Covid-19.

Isso significa que trabalhadores estão sendo lesados por empregadores usando como justificativa as medidas de isolamento para conter a disseminação do vírus.

“A gente tem uma crise de saúde e de questões sanitárias, mas também tem crise econômica que vai atingir trabalhadores no mundo todo. Enquanto tem governos que estão trabalhando para proteger trabalhadores, aqui a gente tem o oposto, informações totalmente contraditórias e as pessoas com risco de passarem fome”, explica a procuradora do trabalho do MPT-PE, Débora Tito.

Esses números são apenas uma amostra do desafio que a pandemia representa para os trabalhadores. O MPT criou uma frente de trabalho específica para lidar com o coronavírus. Segundo a procuradora, o foco da ação é garantir que o isolamento social com remuneração para trabalhos em que isso é viável, aém da garantia da proteção a agentes de saúde.

A maior parte das denúncias vêm do setor de comércio, de acordo com a procuradora. Empresas de telemarketing também estão entre as principais denunciadas. Mas outras áreas também estão no radar do MPT-PE, como o transporte urbano, limpeza urbana, segurança pública e assistência social. “Estamos investindo na articulação com outros órgãos, na comunicação de nossas notas técnicas, mas também em ações promocionais para que a gente vá caso a caso nesses setores para garantir os pilares de isolamento social com garantia de remuneração e, por outro lado, a proteção dos trabalhadores que não podem parar”.

Por iniciativa própria, o MPT também destinou mais de R$ 50 milhões para compra de equipamentos de proteção para agentes de saúde em hospitais e clínicas pelo Brasil. Em Pernambuco, o MPT-PE reverteu dinheiro de multas trabalhistas para viabilizar exames de diagnóstico do covid-19. Até o momento, R$ 348.550 foram destinados ao Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Apesar dos esforços para garantir os direitos de trabalhadores, ainda há muita incerteza sobre o que fazer. “Se brincar a gente, é o pior país do mundo para se viver essa situação, porque além de toda a insegurança que o covid-10 trás a gente ainda está enfrentando uma insegurança jurídica enorme”, afirmou a procuradora.

Incerteza jurídica para trabalhadores

A falta de clareza e informações sobre o que fazer é um dos principais fatores que permite que patrões passem impunes. Para Carlo Cosentino, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em Direito do Trabalho, o Governo Federal ainda não tomou medidas práticas para respaldar o direito de trabalhadores. Pelo contrário, a edição da MP 927 – que teve parte revogada por Bolsonaro – ainda é um problema, na sua avaliação.

Cosentino avalia que o contexto pós Reforma Trabalhista também desfavorece os trabalhadores. Um elemento central, para ele, que foi aprovado na reforma e consta na recente MP é a negociação direta entre empregadores e trabalhadores. “Isso nunca foi possível antes da reforma, ou o empregado pede demissão ou era demitido. Não existe acordo entre empregado e empregador porque, em tese, essa relação está o tempo todo sob coação. O empregador vai impor e ele vai aceitar”, explica.

Para o professor, apesar da instabilidade do momento, é preciso formalizar todas as denúncias. “A situação é tão grave que o que resta aos empregados é manter a calma e, verificando qualquer tipo de ameaça, contacte órgãos de denúncia. Empregados que estiverem trabalhando e se sentirem com saúde ameaçada porque p empregador não entregou de EPIs, por exemplo, podem se negar a trabalhar. Há previsão para isso na CLT. Ninguém é obrigado a trabalhar em uma situação de risco à própria vida”, destaca.

Ele recomenda que as pessoas, mesmo as que trabalham na informalidade, busquem se informar com Ministério Público do Trabalho, sindicatos ou mesmo na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para saber que medidas podem ser tomadas. “Quando a poeira baixar, as medidas devem ser tomadas. Apesar de estar tudo estar suspenso, parado, há instrumentos jurídicos para garantir o direito dos trabalhadores”, afirma.

Como denunciar violações e trabalho escravo

O trabalho do grupo móvel responsável por fazer as fiscalizações in loco, ou seja, nos lugares em que há denúncia de trabalho análogo à escravidão, foi suspenso até 3 de abril. Isso significa que “até 3 de abril só vai conseguir atuar nessa seara se a gente receber denúncia”, explica a procuradora.

Ela reforça a importância de denunciar casos de violações de direitos, mesmo neste período conturbado. A ideia é que, depois de voltar à normalidade, as denúncias serão apuradas e investigadas.

As denúncias de abusos, violações ao direito do trabalho ou direitos humanos e de trabalho escravo podem ser feitas ao Ministério Público do Trabalho pela internet nos canais do MPT nacional e, para casos em Pernambuco, a ferramenta do MPT-PE online, disponível aqui.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.