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Governador Paulo Câmara prorrogou decreto que suspende as aulas presenciais (crédito: reprodução TV Jornal)
Cada lugar tem uma realidade e cada realidade tem as suas especificidades. Por isso o assunto da volta às aulas na pandemia é tão complexo no Brasil e cada estado tem tomado medidas distintas. Porém, a preocupação com a rede pública de ensino é quase unânime em todo o país: profissionais da educação não estão seguros com o retorno. As escolas municipais, sobretudo as do interior, têm ainda mais dificuldade em se preparar para uma volta presencial.
Nesta segunda-feira (14), o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), “após reunião do Gabinete de Enfrentamento à Covid-19”, anunciou, em nota, que “decidiu prorrogar até o dia 22 (próxima terça), a suspensão das aulas presenciais na Educação Básica em todo o estado”.
O clima entre os pernambucanos é de ansiedade pelas próximas semanas para avaliar se haverá um crescimento na onda de contaminação depois do feriadão do 7 de Setembro. Até agora, Pernambuco totaliza 136.853 casos confirmados da Covid-19 e 7.888 mortes pela doença.
A medida do governador frustra novamente o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (Sinepe), que vem pressionando a gestão e pedindo pela desvinculação do calendário entre escolas públicas e particulares. No último dia 3, o sindicato, que representa os donos de escolas privadas, protestou na porta do Palácio do Governo. A expectativa do presidente da entidade, José Ricardo Diniz, era que Paulo Câmara anunciasse um retorno progressivo nesta segunda (14).
O temor é que a ação pela abertura das unidades privadas termine pressionando a rede pública. E, caso haja essa desvinculação pedida pelo Sinepe, a tendência é que cresça ainda mais a disparidade da desigualdade em educação, sobretudo com a proximidade do Enem. A aplicação do exame em meio à pandemia reforça o apartheid da educação no Brasil. A postura do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe) continua sendo pelo não retorno.
“O sindicato defende que a volta às aulas só aconteça depois de serem aplicadas todas as medidas de segurança sanitária, que façam com que toda a comunidade escolar se sinta de fato segura para voltar às atividades presenciais. As condições nas escolas públicas não estão dadas para que possa ser anunciada uma data”, defende Heleno Araújo, diretor na Secretaria de Assuntos Educacionais do Sintepe e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.
Muitas unidades da rede de ensino enfrentam superlotação e problemas graves de infraestrutura. Há locais em que, por exemplo, os banheiros sequer têm torneira ou as pias estão quebradas. Isso sem contar com o aumento de circulação no transporte público. Até o momento, o governo não anunciou investimentos para readequação das unidades escolares e se há um plano de testagem e afastamento dos profissionais da educação eventualmente contaminados.
No estado do Amazonas, em dez dias do retorno das aulas presenciais na rede estadual de ensino, que aconteceu em 10 de agosto com o Ensino Médio, um total de 619 professores positivaram para o novo coronavírus, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS/AM), que aplicou uma política de testagem rápida no corpo docente. Isso equivale a 14% dos profissionais que retornaram às escolas.
O Amazonas, governado por Wilson Lima (PSC), foi o primeiro estado a reabrir as escolas públicas. Os números levaram o governador a suspender o retorno do ensino fundamental, previsto para 24 de agosto. O plano agora segue sem data.
Por outro lado, Manaus, primeira capital a retomar as aulas na rede privada de ensino, completou dois meses sem casos da Covid-19 nas escolas. No entanto, especialistas alertam que o caso não pode servir de parâmetro para outros locais.
“Até o momento, o governo de Pernambuco está segurando. Não sabemos até quando vão aguentar a pressão”, acrescenta Heleno, para quem todos serão prejudicados: “trabalhadores, trabalhadoras, estudantes e famílias, devido às precárias condições estruturais, sociais e ambientais das e nas escolas públicas”.
Numa queda de braço com a classe patronal, o Sindicato dos Professores de Pernambuco (Sinpro), que representa a categoria na rede privada, defende aulas presenciais só depois da pandemia. “Quem mais se interessa pela volta às aulas é o professor, mas ainda é um ambiente de insegurança. Temos uma categoria envelhecida, os riscos são muito grandes”, afirma o presidente do sindicato, Hemilton Bezerra.
“A retórica do Sinepe de que as crianças estão indo para as praias não é válida. Os filhos vão para a praia com os pais, cada família cuidando dos seus. Não é uma pessoa cuidando de 30, 40 alunos numa turma”, provoca Hemilton, para quem o protesto das escolas particulares foi “mercadológico e de pouco cuidado com a vida”.
O Sinpro não tem números sobre o quantitativo de demissões e perdas salariais, mas assegura que “o professor de rede privada fica entre o trabalho e a morte”. O dirigente também reforça que nem todas as escolas privadas têm condições de retornar cumprindo o protocolo com todas as medidas sanitárias, sobretudo no subúrbio e no Interior.
A Marco Zero Conteúdo também conversou com o coordenador estadual da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação de Pernambuco (Uncme), Messias Souza, para quem o protocolo setorial é bem fundamentado, mas não está sendo acompanhado de ações para ser posto em prática.
“A questão de testagem, da identificação de profissionais do grupo de risco, poucas prefeituras estão fazendo isso. E boa parte sequer discute com os segmentos escolares uma possibilidade de retorno, alguns por displicência, mas a maioria por falta de recursos”, diz, destacando que a rede estadual, apesar dos percalços que pode sofrer, tem ainda um patamar muito distante em relação às redes municipais.
Messias não é contra a pressão das privadas pelo movimento de retorno, mas afirma que muitos prefeitos já estão dizendo que não vão voltar este ano e, se a rede estadual começar a retomar perto das eleições, pode haver tumulto nos municípios.
Uma pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Itaú Social e da Unicef, mostrou que 40% das escolas que responderam ao questionário, ou seja menos da metade, afirmaram já ter iniciado ou concluído seus protocolos de retorno. O levantamento envolveu 4.272 redes municipais, que representam 77% do total de municípios brasileiros e corresponde a 79% do total de matrículas das redes municipais do país.
Enquanto os sindicatos dos trabalhadores agem e fazem campanhas para proteger profissionais da educação e a comunidade escolar como um todo, José Ricardo Diniz, do Sinepe, diz que recebeu a notícia desta segunda (14) com “frustração” e está “procurando a coerência dos atos governamentais”. “Nesta reabertura recente, o que mais temos é o o descontrole em praias, feiras, lojões. E justamente os lugares em que há controle e observância das regras sanitárias não podem voltar”, provoca. Na avaliação dele, isso “mostra que, em Pernambuco, a educação não é prioridade”.
“Queremos entender: você abre o Ensino Superior e qual a diferença de um aluno que está entrando na universidade para um aluno que vai fazer o Enem agora? São dois pesos e duas medidas. Os alunos de cursos de idiomas, por exemplo, são também os alunos das escolas particulares. E aí vem a questão: por que não reabrir?”, pergunta José Ricardo.
Ele rebate o argumento de que o retorno das privadas sem a volta das públicas não seria justo por conta da desigualdade educacional. “O fosso existe e o ensino remoto ampliou isso. O retorno seria uma forma de você trazer para o campo presencial quem não tem acesso amplo ao remoto para eles continuaram a escolaridade”, defende.
“Muitos pais querem o retorno e nós queremos o direito à alternativa das famílias que desejam voltar sem prejudicar quem quer ficar no remoto”, explica. A pesquisa que o Sinepe preparou e espalhou na rede privada para saber a opinião das famílias ainda não foi compilada. Nesta terça-feira (15), o sindicato fará uma assembleia para avaliar e decidir sobre os próximos passos depois da manutenção da proibição de retorno.
A reportagem também conversou com a diretora administrativa da Escola Peralta, Dalva Melo, que fica em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife e tem cerca de 150 alunos. Apesar de estar preparada para o retorno às aulas desde a divulgação do protocolo setorial, a escola se preocupa com a realidade dos alunos mais novos. Ainda mais porque uma professora de matemática faleceu em decorrência do novo coronavírus, deixando o cenário da unidade mais delicado e ainda em luto.
“Como trabalhar com a educação infantil sem deixá-los próximos e sem trabalhar o coletivo? A escola é o coletivo. Como receber crianças que também tiveram perdas? É angustiante para o professor e para quem prepara a escola”, questiona. “Será uma escola proibitiva. Mas retornando, precisamos tentar fazer o melhor”, acrescenta.
“Os professores estão temerosos, as famílias que têm idosos também. Mas temos sobretudo as mães que precisam retornar ao trabalho e deixar os filhos em segurança em algum espaço. Também temos as escolas que estão prejudicadas com a evasão. São muitos pontos a considerar”, pontua Dalva.
Em pesquisa de opinião junto às famílias, a Peralta identificou que 70% delas tinham confiança nas medidas tomadas pela escola, mas, ainda assim, não iriam retornar à modalidade presencial. A instituição, mesmo com um grupo pequeno de famílias que pediram o retorno, decidiu que irá manter as duas modalidades, caso a presencial volte, e os pais ficam livres para decidir.
Por conta da pandemia, as turmas da Educação Infantil tiveram a saída de 50% dos alunos. Isso sem contar com as famílias que fecharam negociação na tentativa de manter as matrículas. Dalva explica que é preciso manter o vínculo, sobretudo no caso das escolas de menor porte, por conta da concorrência com as maiores.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com